Hora da Estrela brilhar
O coração disparado, a alegria transbordando, o sorriso contagiante, corpos agitados e felizes nessa folia incansável e insaciável, o carnaval era tudo isso e muito mais. Eu descobrir todas essas sensações, uma a uma desde meus cinco anos quando fui levada a praça fantasiada de abelhinha e curti o Carnaval.
Depois disso era como se o carnaval virasse um amigo distante, que só podia ver de um e um ano, mas conseguia aproveitar cada sentimento que ele me dava. Era raro eu faltar alguma ocasião carnavalesca, ia junto com minhas duas irmãs mais velhas, Sol e Lua para praticamente toda a festa.
Algo havia mudado quando completei dez anos, foi quando eu fui numa festa com minhas irmãs e não cantavam marchinhas de carnaval. Era músicas. Agitadas, empolgantes, contagiantes e cantantes e eu senti em anos que tinha achado algo que nem sequer estava procurando.
— Quero ser cantora! — eu anuncio a minha família num jantar de domingo onde todos se reúnem.
Todos ali olham para mim, minhas bochechas ficaram quente e eu envolvi meu dedo nervosamente na fita do vestido que eu usava.
— Cantora, Estrela? — meu papai olhava para mim com afeição triste.
— O nome dela já diz que ela nasceu para brilhar, minha estrela — minha mãe me pega no colo me dando beijos que me fazem rir. — Se esse é o seu sonho, Estrela, eu te apoio.
— Antes precisamos ver se ela vai brilhar mesmo, canta uma para a gente — Sol incentiva, e Lua concorda.
Nossos pais gostavam de tudo que envolvessem astrologia. Minha irmã Sol era a mais velha, dos cabelos loiros brilhantes e cacheados. Corpo baixo e olhos castanhos esverdeados que nos raios de sol ficam quase amarelos. Já minha irmã Lua tinha puxado todos os traços da minha mãe, cabelos longos, ondulados e pretos. Seus olhos eram um azul tão claro que pareciam brancos.
— Tem alguma música de preferência, Estrela? — Lua sorria docemente para mim, isso só me mostrava que tinha o apoio da minha família.
— Coloca aquela da Ivete Sangalo, tempo de alegria!
As pressas minhas irmãs foram ajeitando as coisas enquanto minha mãe pegava um dos seus tecidos e cobria o meu corpo como um vestido. Quando eu subi no palco improvisado eu fiquei insegura, a cara do meu pai não mostrava nenhuma felicidade. Mas quando a melodia começou a soar pelas caixas de som eu sentia que tinha nascido para cantar.
Naquele mesmo dia parecia que eu tinha feito o primeiro show da minha vida, fiz meus pais dançarem, minhas irmãs rirem e ainda foi postado um vídeo o youtube sobre mim. Mas com tudo isso veio a repercussão negativa, muitos que assistiram fizeram comentários do quão ridícula eu estava, que eu cantava mal e desafinava várias vezes. Isso me deixou completamente mal e desanimada.
Alguns anos depois minha mãe me colocou numa aula de canto e dança. O professor dali sempre foi exigente e reclamava, eu sentia que estava trabalhando tanto para nada, até que um dia eu o confrontei:
— Quando vou poder me apresentar? — meu peito subia e descia do exercício que ele havia passado para todos daquela classe.
— Quando estiver pronta...
— E quando é isso? — seus olhos escuros me fitaram, ele tocou a minha bochecha, mas eu me afastei.
— Você ainda não está pronta. Volte para a aula!
— Estou ouvindo isso a cinco anos, Eugênio...
Eu estava triste demais. Já ia completar dezenove anos e muito mal cantava num barzinho da esquina do meu curso. Havia duas garotas que chegaram depois de mim e conseguiram, e porque eu não? Eu não era boa? Não ia conseguir nunca?
— Você já está quase madura, só precisa de mais tempo para florescer.
— Florescer?
Ele bufa para mim, e segura os meus ombros virando-me para o espelho.
— Olhe para o seu reflexo no espelho — eu obedeci, e suspirei olhando para o espelho. — Você é linda, Estrela.
Eu encarei o meu corpo definido de tanto dançar. Meus cabelos medianos batendo no meio das costas eram loiros mel, eu tinha olhos azuis, pele parda, era baixinha. Eu sabia que eu era bonita, mas não me importava com a aparência. Eu gostava apenas da minha voz.
— Eu sei que sim, mas para ser cantora eu preciso da voz bonita...
— Está errada. Mostre mais o corpo bonito que tem, coloque maquiagem, um salto alto. Seja um pouco mais mulher...
— Foi por isso que você me traiu, certo? — minhas sobrancelhas se arquearam olhando-o através do espelho.
— Eu...
— Olha, Eugênio — eu me viro para encara-lo. — Eu não continuei na academia para você me tratar como se ainda fosse sua namorada, estou aqui como aluna e eu vi você ontem dizendo para o empresário que eu não sabia cantar bem. Minha mãe estava certa sobre você, eu não sou o seu troféu e muito menos seria explorada por você. Você consegue destruir tudo que toca, mas a mim não!
Eu me afasto dele pegando minha bolsa no chão e atravessando a alça pelo meu tronco.
— Você pode sair, Estrela, mas você nunca será famosa! Por que vou acabar com você e esperar você voltar correndo para os meus braços se rastejando por ajuda...
— Espere isso bem sentado na sua pilha de bosta! A minha carreira só depende da minha voz e eu já perdi muito tempo aqui com você.
Eu vou para casa, quando eu fecho a porta do meu quarto eu desabo em lágrimas. Eugênio era influente e ele ia sim me manchar em qualquer oportunidade que eu tivesse. O que eu faria? Deveria desistir? Eu geralmente não era boa?
— Estrela? Está tudo bem? Posso entrar? — a voz doce e calma da minha mão seguida de leves batidas na porta.
Eu me levanto do chão, secando as lágrimas rapidamente e abro a porta.
— Oh minha luz, o que aconteceu? Brigou com Eugênio de novo? — ela me puxou para os seus braços fazendo carinho em meus cabelos.
— Você acha que eu nunca vou conseguir realizar o meu sonho? Eu não batalhei o bastante ou não sou mesmo boa...
— Não pense assim meu amor, você é muito boa e não estou só te dizendo isso como mãe — ela encara os meus olhos com o mar profundo dos dela. — Desde o momento que eu te olhei, que lhe peguei no colo recém-nascida eu sentia que você iria brilhar. Por isso seu nome é estrela, ela brilha até mesmo de dia e poucos são os que percebem. Eu vejo força, dedicação e talento em você.
— Então por quê...
— Tudo tem sua hora querida e sua hora de brilhar vai chegar Estrela. Relaxe esse coração — ela seca as minhas lágrimas e abre um sorriso lindo. — Fiz uma fantasia para você.
— Eu tinha esquecido completamente que amanhã é carnaval...
— Fiz uma de sereia.
— Sereia, mãe? — eu pego a capa preta que continha a roupa.
— Amanhã você me diz se funcionou...
— Funcionou o que mãe? — a confusão estava estampada em meu rosto.
— Se conseguiu encantar a todos não só com sua beleza, mas com sua voz.
Ela sai me deixando atônita para trás. O que ela queria dizer com aquilo? Eu dei de ombro e fui dormir, o dia seria agitado e eu daria o máximo da minha alegria amanhã, porque no final desse carnaval eu desistiria para sempre de seguir o meu sonho.
Já no outro dia, à tarde, minhas irmãs me ajudaram a me maquiar. Naquele dia minha mãe insistiu para que eu aceitasse, já que eu não gostava muito de maquiagem. Sol estava fazendo os últimos retoques enquanto Lua fazia cachos grossos no meu cabelo.
As três me ajudaram a me vestir na fantasia que minha mãe tinha feito, quando eu me olhei no espelho eu sentia vontade de chorar de emoção.
— Você está linda demais! — minhas irmãs sorriam e batiam as mãos atrás de mim com a sensação de dever comprido.
— Obrigada por sempre me apoiarem...
Nos abraçamos e logo depois das minhas irmãs se arrumarem também fomos para o centro do Rio de Janeiro onde teria um trio elétrico com uma cantora famosa como principal atração do evento.
As músicas já estavam altas, e eu via pessoas tirando fotos de mim, outras mesmo pediram para tirarem fotos comigo. Eu deduzi que era por está bonita nessa fantasia e em cima de um salto alto e com maquiagem no rosto, mas eu sentia que tinha algo mais ali. Era minha confiança, estava inabalável.
Até que uma coisa estranha acontece, eu vejo uma movimentação vindo na minha direção e quando eu vejo há sete seguranças a minha volta e uma equipe de maquiagem.
— Finalmente te encontramos, você precisa subir agora no Trio...
— Subir onde? Para que? — Lua perguntava tão confusa quanto eu.
— Ela vai ser a atração principal, vocês devem ser as agentes, eu não tenho como explicar, já deveríamos ter saído a meia hora... — o homem alto e moreno diz e eu encaro as minhas irmãs confusas.
— Eu acho que vocês estão...
— Certos! — Sol me corta me empurrando para frente. — Sentimos muito pelo grande atraso, sabe como estrelas são, quanto mais famosas mais atrasos, pior do que noivas.
O homem a minha frente rir e olha bem nos meus olhos.
— Você é ainda mais linda pessoalmente — eu sinto minhas bochechas corarem e Lua segura o meu braço e vai me guiando enquanto Sol pega os detalhes com o moreno bonito.
Não dá tempo de indagar muitas coisas, tudo que eu sabia era que estava havendo uma maldita confusão e eu me sentia mal por estar indo no lugar de outra pessoa.
— Parece que te confundiram com essa famosa que ia se apresentar...
— Isso é errado, Sol! — eu me levanto, mas ela me para.
— Isso é uma oportunidade única, nós lidamos com o estresse e você apenas se preocupa em encantar todo esse povo, combinado? — Lua me passava um brilho labial, eu encarei os olhos de ambas e respirei fundo.
— Combinado.
Elas vibram e uma equipe me prepara com microfone, eu estava tão nervosa, tão ansiosa e ao mesmo tempo mal por está pegando a vaga de alguém. Quando eu piso no palco e vejo todo aquele mar de pessoas meu medo se esvai. Era um aglomerado de pessoas que aqui de cima pareceriam minúsculas, elas gritavam eufóricas, e eu apenas sorri.
Era a melhor sensação que eu já tive na vida, eu peço a banda gentilmente para tocar a música da Ivete Sangalo, a mesma que eu cantei anos atrás. As três dançarinas chegam perto de mim e eu digo qual seria a primeira música.
Minhas mãos estavam geladas, meu corpo todo tremia, meus olhos se fecharam por instantes até eu soltar um suspiro e abrir um sorriso. Essa era a minha oportunidade, minha única oportunidade de mostrar a todos que não confiaram em mim, que não acreditaram na minha voz que eles estavam errados.
— Boa tarde meu povo lindo! — eu soltei, atraindo toda a atenção para mim, não era hora de travar Estrela, e sim de brilhar. — Enquanto a atração principal não chega, eu Estrela, irei entreter vocês. Bora com essa música e viver esse carnaval que será o mais lindo de toda a minha vida.
Eu não poderia explicar ou colocar em palavras tudo que eu estava sentindo naquela hora, mas hoje, após cinco anos de carreira, cantando músicas de axé e pop não só no carnaval vejo que minha mãe estava certa. Tudo tinha a sua hora, e a minha hora de brilhar havia chegado. E eu fiquei conhecida como a Estrela Sereia, que encantou milhões naquele dia de carnaval e agora encantada o mundo com as minhas canções.
Por: Wanny Cristine
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