Coração carnaval
Entro no ônibus consideravelmente lotado, cumprimento o motorista e me encaminho para a catraca. Pego meu passe e aproximo do sensor para conseguir liberar minha passagem e nada acontece.
Tento de novo, me segurando na barra ao lado para não cair com o ônibus em movimento, e nada acontece novamente.
Certeza que minha mãe esqueceu de recarregar meu cartão e eu saí sem dinheiro por ter certeza que estava tudo certo para pegar o ônibus.
Respiro fundo e fecho os olhos.
— Tudo bem aí, moça? — grita o motorista, me olhando pelo retrovisor.
— Tudo na paz, moto.
Olho para além da catraca, pensando no que fazer. Meu coração batendo descompensado no peito.
De repente, o sensor faz o barulho de quando libera a catraca. Olho para o lado e vejo um menino de pé, com um cartão na mão.
— Venha, passei para você.
Passo para a parte de trás do ônibus e olho para o garoto. Sorrio em agradecimento.
— Muito obrigada, mas eu não tenho como te pagar. — digo, honestamente.
Ele sorri.
— Um sorriso lindo desses já é o suficiente para mim.
Sinto meu rosto ficar vermelho.
— Obrigada novamente.
— Não tem de quê. Sou Caetano e você?
— Sou a Melissa.
Caetano estende o braço para a corda em cima da barra que preenche o teto do ônibus.
— Meu ponto é o próximo. Espero vê-la por aí novamente.
Sorrio.
— Mas que você não precise pagar o ônibus para mim.
O menino ri.
— Até. — se despede e desce do ônibus.
Nesse momento, uma moça levanta de um banco e eu tenho a chance de, com a graça divina, me sentar para seguir o resto da viagem.
***
— Bom dia, Mel. — o porteiro do Hospital do Câncer me cumprimenta. — Está aproveitando o carnaval?
— Que nada, seu Chico. O máximo que vou chegar do carnaval vai ser ver os desfiles pela TV.
— Mais tarde vem um pessoal aqui animar todo mundo. Quem sabe também não te anima a comemorar o carnaval.
— Pode ser. — dou de ombros e um sorriso simpático.
Despeço-me de seu Chico e me encaminho para o terceiro andar.
Ala de câncer infantil.
Por mais que muitas vezes meu dia esteja uma merda, quando eu piso no terceiro andar, eu coloco um sorriso no rosto e dou meu melhor para minha irmã não perceber nossa constante preocupação com ela.
Abro a porta do quarto 268 e abro os braços em uma entrada teatral.
— Abram alas que Unidos da Mel chegou!
— Mel! — Júlia exclama.
Sorrio e caminho até sua cama. Minha irmã tem 10 anos e luta contra a leucemia desde os 8. Ela claramente está exausta de toda essa batalha, mas eu e minha mãe não deixamos que ela perca a esperança de encontrar um doador de medula.
Minha mãe que está sentada do lado da cama, se levanta para me dar um beijo.
— Ela estava pedindo de você desde de manhã.
Sorrio para meu anjinho.
— Estava com saudades?
— Muita!
Dou um abraço forte nela. Meu coração fica quebrado por vê-la nessa situação. Se eu pudesse, a protegeria de todo mal do mundo.
— Eu vou dar um pulo em casa e já volto, viu, Juju? — diz nossa mãe.
— Tudo bem, mamãe, eu fico com a Mel.
Minha mãe sai do quarto e ficamos sozinhas.
— O que você quer fazer, baixinha?
Antes que ela possa responder, a porta se escancara e um palhaço entra no quarto.
— Ô Abre Alas, / Que eu quero passar / Eu sou da Lira, / Não posso negar. — começa a cantar enquanto pula na direção da cama da minha irmã.
Juju abre um sorriso lindo ao ver o rapaz. O menino, que está com o rosto branco e com nariz de palhaço, olha para ela e faz uma reverência.
— Vossa majestade.
— Olá, meu lorde.
Olho curiosa para Júlia com a intimidade.
— Senhor Palhaço, esta é minha irmã, Lady Melissa.
Ele olha para mim pela primeira vez desde que entrou e me encara com intensidade.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Palhaço.
O rapaz sorri e perco o fôlego ao ver que seus dentes expostos são familiares para mim.
É o menino do ônibus.
Ele quebra nossa conexão de olhares e olha para Juju.
— Está na hora do nosso bloco de carnaval. Está preparada?
— Estou, capitão! — minha irmã exclama.
O senhor Palhaço pega ela no colo e a coloca nos ombros, a levando para fora do quarto. Eu rio com minha irmã gargalhando e vou atrás deles.
Chegando na recepção, vejo que são um grupo de palhaços e levaram todas as crianças do andar para lá. Eles colocam um som e começam a brincar com todas as crianças.
Olho para elas dançando e cantando, e meu coração se enche de felicidade. Se não fosse por eles, o dia da minha irmã não chegaria aos pés de ser memorável.
— E eu achando que estava pagando sua passagem para ir a um bloquinho. — diz uma voz ao meu lado.
— E eu achando que você estava indo ver a namorada. — digo e sorrio.
— Sua irmã é muito especial. Ela foi gentil desde o primeiro momento que falou comigo.
— Ela é! O câncer não tem o direito de querer tirar a vitalidade dela.
— Realmente, é uma audácia da parte dele.
— Então, quer dizer que não tem namorada na área? — pergunto com um sorriso.
— Bem, tem uma garota na área. — ele diz e quando vê meu sorriso despontar, acrescenta rapidamente: — Quer dizer, uma menina que eu paguei a passagem do ônibus, me arrebatou com seu sorriso.
— Ah é? Ela parece muito interessante.
— Você não imagina o quanto. — ele sorri para mim e eu retribuo. — Topa sair comigo um dia desses?
— Mas é claro que sim, senhor Palhaço.
Caetano sorri e abre a boca para falar algo, mas somos interrompidos por Ana, a enfermeiro de Júlia.
— Mel, posso falar com você por um minuto?
— Claro.
Sigo-a até um lugar mais reservado, preocupada com o que ela gostaria de falar comigo.
— Você sabe que o único tratamento de Juju é o transplante de medula.
— Sim.
— Achamos um doador.
— O quê? — meus olhos se enchem de lágrimas.
Ana pega na minha mão.
— Júlia será curada, Mel.
Em um impulso abraço a enfermeira.
— Muito obrigada.
Ajoelho-me no chão, emocionada.
— Mel? Está tudo bem? — Caetano aparece do nada, provavelmente Ana o chamou.
— Júlia achou um doador! — exclamo entre lágrimas.
Ele se agacha e me abraça, também emocionado.
— É um verdadeiro milagre de carnaval!
— É um verdadeiro milagre de carnaval. — confirmo, o abraçando ainda.
E foi assim, que a vida colocou Caetano na meu destino, bem naquele carnaval. Um dia que seria sem esperança de um dia melhor para minha irmã e se tornou o dia mais importante de minha vida.
Eu ganhei Caetano e uma nova vida para minha irmã
Por: Gabi Manzato
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