Pintinha
Nunca soube o nome dela. Ela não falava muito, e a observava sempre com aquela aura silenciosa, o que me fazia imaginar que ela poderia se chamar Michele ou Isabela. No final, a apelidei de Pintinha, devido a uma pinta um pouco grande que ela tinha em sua bochecha. É algo que faço com a maioria dos meus clientes: quando não sei o nome, dou um apelido, e, por algum motivo, os que invento sempre parecem combinar mais.
Ela era morena, com cabelos chanel perfeitamente cortados, a franja sempre bem alinhada, e seu estilo sempre irrepreensível. Nada jamais estava fora de lugar: sua camisa bem passada, os saltos limpos e a postura imaculada. Seus olhos castanhos eram sempre sérios, como se estivesse sempre em vigilância, e ela tomava o maior cuidado para que ninguém encostasse em seu violino, que parecia ser seu bem mais precioso.
Pintinha tinha um horário fixo: quartas e sextas entre dez e onze da manhã. O pedido sempre o mesmo: uma tartelete, água com gás e café francês. Com o tempo, comecei a preparar suas coisas antes, com mais cuidado, para que ela não precisasse reorganizar os itens ou me lançar aquele olhar crítico que, para mim, parecia um julgamento silencioso. Ela tinha manias, muitas manias, e umas até pareciam obsessivas. Mas era impossível não notá-las.
Um dia, Pintinha entrou sem seu violino, algo que nunca acontecera antes. Não se sentou em sua mesa habitual, mas foi direto para o balcão, de onde observava a rua com um olhar distante, como se estivesse esperando algo ou alguém. Não estava com a sua habitual roupa elegante e bem cortada, mas com um vestido de bolinha vermelho e acessórios que pareciam ser bem fora de seu estilo.
— Pare de se intrometer na vida dos outros, Alissa - Samy disse, quase como se soubesse que eu estava morrendo de curiosidade.
De fato, meu nome não era Alissa, mas isso não importava. O que me incomodava era a mudança em Pintinha. Pela primeira vez, ela sorriu para mim, e aquele sorriso, tão raro e inesperado, me deixou intrigada. Quando me virei para pegar seu pedido, fiquei olhando-a de soslaio, tentando imaginar o que estava acontecendo.
O tempo passou, e logo vi um homem alto entrar na cafeteria. Ele tinha cabelos loiros e estava vestido com um terno, seu estilo conservador me dava a impressão de ser um homem sério. Ele parecia estar na faixa dos trinta anos. Quando ele entrou, Pintinha saltou da cadeira, caminhou até ele e o cumprimentou com um aperto de mãos e um sorriso tímido. Eu me aproximei para perguntar se precisavam de mais alguma coisa, mas não obtive resposta, já que estavam muito focados um no outro.
Fiquei observando de longe enquanto atendia os outros clientes. Após meia hora, o homem se foi, e Pintinha, ainda com a carta na mão, ficou ali, olhando-a com uma felicidade visível, algo que eu nunca a vira demonstrar antes.
Ela então deixou uma gorjeta generosa, 60%, algo que nunca havia feito antes. A maior gorjeta que já havia deixado. Naquele momento, senti uma curiosidade imensa sobre o que havia na carta que a deixara tão feliz.
— Eu escutei o homem dizendo que era algo sobre um show, e que ela era a atração principal - Samy disse, passando por mim, já sabendo o que eu estava pensando.
E com isso, o mistério de Pintinha permaneceu por um tempo. Ela nunca mais apareceu na cafeteria, e fiquei imaginando o que aconteceria com ela, com seu violino e sua carta cheia de promessas. Ela foi uma das pessoas mais enigmáticas que passaram por ali, e, embora sua história tenha sido breve, ela deixou uma marca na minha memória.
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