5° Amar o Mar
Desde que ela se dá por gente foi avisada para tomar cuidado, para ficar longe e nunca confiar. Sua avó, sempre muito sábia, dizia que aquilo era traiçoeiro e que ficava a espreita aguardando o menor dos descuidos para se abater sobre quem quer que fosse, mas mesmo assim, mesmo com todos os avisos, seu fascínio era maior que sua sensatez e todos os dias ela ia vê-lo: O Mar.
As primeiras visitas foram por pura rebeldia e curiosidade, mas com o passar dos dias se tornou uma necessidade. Ela encontrou um lugar na praia escondido entre as pedras onde ninguém poderia vê-la; e ela desabafava. Ela dizia para o mar tudo o que a afligia para que ele as levasse embora com suas ondas ritmadas que a acalmava mas que qualquer outra coisa. Para ela, era impossível compreender o porquê de sua família temer e desprezar tal ser. Mas mesmo com sua desobediência ela não arriscava tocá-lo, pois, primeiro, ela não sabia nadar e segundo, no fundo ela temia que a avó tivesse razão.
Ela o amava mais que os seus próprios pais, e ele parecia amá-la também, sempre que ela vinha vindo em sua direção ele crescia suas ondas pomposo e batia com força nas pedras para que respingos de água caísse na moça que se encolhia fugindo das gotas gélidas. Muitas vezes derrubava surfistas para fazê-la rir ou lhe trazia, pela maré, presentes do fundo do mar, como conchas e pedrinhas coloridas e até uma pequena estrela do mar. E a menina os guardava como seu tesouro em uma caixinha que trouxera de casa certa vez e que escondia enterrada perto de uma pedra inclinada e pontuda que apontava sempre em direção ao horizonte, sua ponta ia muito mais além do limite da areia, em direção ao infinito oceano. Era tentador, azul e brilhante; nem mesmo Mirella sabia explicar o fascínio que sentia polo mar.
Um dia após uma discussão com a avó -sobre o porquê se deve ficar longe do oceano-, ela foi para a praia chutando areia para cima, ela se irritava com a insistência da avó nesse assunto não abria os ouvidos para nada que Mirella dizia em defesa do mar. Era uma cabeça dura que entendia o que queria, era revoltante. Isso era tudo o que se passava na cabeça dela. Tanto que ela não percebeu que estava perto demais do mar que aproveitando sua distração, com uma onda mais forte, fez com que a água alcance seus pés. Mirella se sobressalta afastando-se da areia molhada, a avó já não estava mais em seus pensamentos. A maré lhe chamava com aquele vai e vem, e a cada movimento da água era um passo de Mirella em direção ao mar até que finalmente o mar a alcança molhando primeiro do dedos dos pés tímido, mais um passo, e a água já podia cobrir seus pés. Mirella não teve coragem de dar nem mais um passo que fosse. Enterrou os dedos na areia molhada sentindo o fluxo da água com um leve formigamento.
Por maldade do destino nesse mesmo momento o pai de Mirella passava pela praia, a procura de uma planta medicinal - esse era o negócia da família, faziam remédios com plantas medicinais - quando a viu, com os pés submersos na água. A raiva misturada ao medo do que poderia ter acontecido, porque ele realmente acreditava que poderia ter acontecido algo muito ruim com sua filha, a segurou pelo braço e praticamente a arrastou para casa, durante todo o trajeto despejou sobre ela um sermão, não dando ouvidos para nenhum dos protestos da filha. Em casa Mirella foi posta de castigo proibida de sair de casa fosse para o que fosse e mesmo com a porta do quarto fechada e travesseiro sobre a cabeça ela ainda podia ouvir a discussão no outro cômodo, pai mãe e avó todos jogando a culpa da "rebeldia" da menina para o outro. Como se fosse o jogo da batata quente.
Uma semana se passou é Mirella só saia do quarto para comer e ir ao banheiro. Foi a pior semana da vida dela, por não poder ver o mar e menos ainda toca-lo. Era sábado, logo cedo, quando ela desceu para tomar o café da manhã e se deparou com várias malas empilhadas na soleira da porta. Seu pai disse que eles iriam embora, iriam para uma cidade bem longe do mar onde toda a família poderia estar em segurança, longe dessa ameaça constante. Mirella disse que não queria ir embora que queria ficar, toda sua vida estava naquele litoral, mas como sempre ninguém lhe deu atenção. De repente sua mãe aparece com outra mala dizendo que poderia ir que já tinha pego as roupas dela e seus pertences. Foi a vez de Mirella de não ouvir, o único pertence com o qual se importava era uma caixinha enterrada que guardava seu maior tesouro, tesouros trazidos pelo mar, aquele que sempre a ouvia e sempre lhe fazia bem. Ela não queria deixá-lo. Ela não iria deixá-lo!
Mirella irrompe pela porta ignorando as ordens os pais, ela correu. Correu pensando na única coisa que queria ouvir agora, o som das ondas e da água contra as pedras. A cada passo que dava o cheiro de maresia ficava mais forte e ela mais perto de seu destino, seu peito palpitava com o coração acelerado, não só por causa da corrida. Ela chegou à praia e estava preste a fazer o que mais teve vontade nessa última semana. Ainda correndo subiu pelos pedregulhos e alcançou o topo da pedra que, sem saber, sempre lhe apontou a direção que deveria tomar. Ela o amava mais que tudo e pensar em viver longe do mar a apavorava, era como pedir para um peixe viver fora d'água. Impossível.
Sem hesitar nem por um segundo se atirou da pedra pontuda com os braços estendidos para o mar, que a recebeu de braços abertos para um abraço do qual nunca iriam se soltar.
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