Cheiro
Jorge, órfão, trabalhava em uma peixaria em Santos, responsável por descarregar os engradados para o mercado local. Por isso ele tinha certo cheiro característico de peixe morto (óbvio), o que espantava a maior parte de suas crushes. Apesar de tentar usar os mais variados perfumes para mascarar o fedor, o resultado era péssimo, tendendo a piorar toda a situação. Já havia desistido.
Era sem jeito o Jorge fedorento.
Já começava a achar que nunca namoraria com ninguém, estava praticamente abraçando a solteirice. Até que em uma manhã de sexta-feira ele conheceu Emília. Loira, olhos verdes, corpo arrasador. Então é claro que ele não achou que ela estava dando mole pra ele, o fedido. Os olhos deles haviam se cruzado, mas era somente isso. Foi o que ele pensou.
Mas Emília começou a aparecer todos os dias no mercado, no mesmo horário, algumas vezes ela comprava a mercadoria, outras vezes só rondava a barraca da peixaria, lançando olhares a Jorge, que ainda traumatizado pelo próprio cheiro, não se atrevia a se aproximar. Até que um dia no final do expediente, foi surpreendido por Emília e um convite.
- Quer tomar um café comigo?
Ele quase recusou, parecia muito bom pra ser real, mas não custava saber no que daria.
Quase caiu da cadeira quando Emília lhe disse que havia gostado dele a primeira vista, e depois ao vê-lo trabalhando o sentimento havia se aprofundado. Jorge, desde os 14 anos trabalhando na peixaria, nunca havia ouvido esse tipo de palavras, ainda mais de uma mulher tão bonita.
Começaram a sair. Apesar de Emília parecer não se importar com o cheiro persistente em Jorge, ele ainda estava muito inseguro. No primeiro encontro, se encheu de perfume. Aquilo porém não agradou muito Emília que no final da noite fez um estranho pedido:
- Não precisa passar tanto perfume, na verdade prefiro até que você não passe.
No segundo encontro, Jorge foi sem perfume, mesmo ainda inseguro. Deram o maior dos amassos. Uns dias depois, Emília apareceu logo depois do expediente de Jorge, foram para a casa dele e transaram. A partir daí o namoro esquentou. Emília aparecia quase todos os dias depois do expediente de Jorge na barraca da peixaria e eles sempre iam dormir juntos na casa dele.
Depois de um tempo juntos Jorge quis conhecer a família de Emília. Um almoço de domingo foi realizado e Jorge foi apresentado aos pais dela. No almoço era evidente o desconforto das pessoas com o cheiro que vinha de Jorge, ele começou a ficar desconfortável e o almoço foi abreviado por um Jorge envergonhado que resolveu ir pra casa.
Depois do almoço fracassado, Jorge ficou dias sem ver Emília. Nas mensagens do celular ela dizia que a família dela agora estava contra o namoro e que eles seriam como Romeu e Julieta. Jorge tinha impressão que o que eles não haviam gostado era do cheiro dele, e ele os entendia pois nem mesmo ele gostava. Mas seguiram com o namoro.
Depois de algumas semanas, o pai de Emília apareceu no emprego de Jorge. Tomaram um café juntos. Seu Henrique, era o nome dele, tinha uma rede de lojas. Conversando, ele ofereceu um cargo a Jorge como gerente logístico. Seu salário dobraria. Ele viu como Jorge ficou sem jeito, então pediu desculpa pelo almoço de uns dias atrás. Tinha percebido que ele era um bom rapaz, trabalhador e que amava sua filha, queria poder ajudá-lo. Jorge ficou de pensar na proposta.
A proposta de seu Henrique até que não era uma má idéia. Trabalharia basicamente com a mesma coisa e se livraria de vez do cheiro de peixe. Aceitou o convite sem falar com Emília, queria lhe fazer uma surpresa.
Surpreendentemente, percebeu que a namorada não gostou muito da decisão. Ela justificou que não queria que o pai interferisse na relação deles. Jorge se prontificou de que não seria o caso. Começou então a pensar num possível casamento com Emília.
Os meses se passaram, o cheiro de peixe deu lugar a um perfume suave amadeirado na vida de Jorge. Mas enquanto esse lado melhorava, curiosamente, seu namoro naufragava. Emília só desmarcava os encontros e, ao contrário do que acontecia na peixaria, nunca aparecia em seu serviço novo ao final do expediente.
Um dia, ao sair para resolver algo no banco, resolveu passar na peixaria e dar um alô aos antigos colegas. Chegando lá, viu um casal dando uns amassos no lugar onde costumava se encontrar com Emília, deu risada e sentiu saudade, fazia um tempo que não via a namorada.
- Quando você vai sair do trabalho? - A moça perguntou enquanto o rapaz lhe beijava o pescoço. Jorge, que já estava saindo, parou de repente. Ele conhecia aquela voz: Emília!
Foi uma confusão. Jorge pulou em cima do casal, pegando o rapaz pelo pescoço. Socos, pontapés, gritos. A polícia foi chamada, a turma do deixa disso foi acionada. Por fim, com o ânimo mais ameno e o rosto ensaguentado, Jorge pergunta para uma Emília descabelada:
- Por quê?
- Porque você perdeu o que eu mais gostava em você quando saiu da peixaria: seu cheiro gostoso!
Jorge ficou sem saber o que responder. Ela gostava do cheiro de peixe morto. Arregalando os olhos, percebeu uma coisa que ainda não havia percebido mesmo depois de todos aqueles meses namorando Emília: ela estava com ele só por causa de um fetiche louco!
Saiu de lá sentindo certo alívio. Pelo menos um bom emprego ele tinha agora. E TINHA SE LIVRADO DO CHEIRO DE PEIXE!
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