Prova Nº1
Autora: Débora Corrêa
User: @DboraCorra91
Nome do conto: Um palco, uma aventura
Sua vida pode ser uma comédia, uma aventura ou uma história de superação, sucesso e amor. Mas pode ser também um drama, uma tragédia ou a monotonia da não mudança.
Porque todos nós temos tudo isso em nossas vidas. O que muda é como editamos, em quais experiências mantemos o foco e sobre o que falamos.
Fale do drama, e sua vida será um drama. Fale da aventura e a mesma vida será deliciosa.
Aldo Novak
— Próximo!
Paulo tremia dos pés à cabeça. Ele estivera esperando a manhã toda para ser chamado – nunca pensou que uma peça da escola pudesse ser tão disputada assim – e finalmente chegou sua vez. Ele repassou as falas na cabeça. Afinal, quão ruim poderia ser? Sua boca secou e seu estômago se revirou de uma forma hostil quando chegou ao centro do palco.
Ao olhar para a frente, na terceira fileira da plateia, Paulo se deparou com os olhos da professora. Olhos negros como o fundo assustador do Tártaro, tão sem emoção quanto as almas mortas que habitavam o obscuro. De repente, o cérebro de Paulo parecia pura estática ou um disparar de um milhão de pensamentos inúteis de uma vez, ou seja, completamente imprestável.
Somente quando a professora sorriu e os olhos antes vazios se encheram de animação e compaixão foi que Paulo sentiu o corpo relaxar imediatamente. Ele tinha que fazer aquilo, não poderia falhar. De tudo o que já tinha feito, aquela não poderia ser a única coisa em que não seria bom. Ele tinha prometido a Helena que faria aquilo por ela, pela primeira aventura que teriam juntos.
Helena, claro. Ela seria a próxima na audição, então Paulo teria que fazer direito para que ela não precisasse ou não quisesse desistir. Tudo bem que ela só tinha decidido fazer a audição naquela manhã quando viu a fila quilométrica de pessoas que queriam participar da peça, mas não tinha nada que Helena pedisse que Paulo fosse capaz de negar.
É claro que, quando viu de que se tratava a peça, Paulo quis sair correndo e relutou bastante em gravar as falas enquanto estava na fila. "Princesa Naeena e os irmãos centauros" era o nome da peça. Uma encenação da história infantil com uma bela lição que Paulo suspeitava que Helena deveria aprender rapidamente: não tome decisões precipitadas. No entanto, a namorada e melhor amiga nunca tinha passado por nada em que ela se desse mal para que precisasse aprender essa lição.
Por um momento, antes de recitar as falas do príncipe centauro Arion que Helena o obrigara a gravar enquanto esperavam por sua vez, Paulo desejou que ela pudesse aprender a lição com aquela peça que falava exatamente disso – só assim ele não precisaria entrar em uma enrascada parecida com essa de novo.
Quando terminou de encenar o trecho que preparara, Paulo olhou rapidamente para Helena e sorriu – principalmente porque Helena também sorria para ele – antes de se voltar para a frente, para a professora. O espanto dele foi imenso ao descobrir a professora de pé, levemente inclinada por estar com as duas mãos agarradas ao encosto da cadeira à sua frente, olhando para ele como se tivesse acabado de encontrar um tesouro.
— Como é seu nome mesmo? — a mulher perguntou, sua voz muito diferente da que usara para chamá-lo alguns minutos antes.
— Paulo Alencar — ele respondeu, dando um passo para trás e sorrindo, inseguro e com um leve sentimento de medo do que estava por vir.
— Pode se sentar em um dos bancos atrás do palco, por favor? — a professora continuou, movendo apenas os lábios, com o mesmo olhar estranhamente fascinado e perigoso. — Eu gostaria de falar com você assim que todas essas audições acabarem.
— Ah, tudo bem — Paulo não achou que tivesse outra escolha além daquela, então seguiu para o lugar que a professora falou.
Atrás do palco, onde várias cadeiras estavam enfileiradas – algumas ocupadas com outros adolescentes como ele e algumas vazias –, Paulo percebeu que não dava pra ouvir muito bem o que se passava na frente das cortinas. Enquanto estava sentado esperando, Paulo se perguntava como funcionava a acústica daquele lugar para que isso fosse possível.
Estava divagando sobre a necessidade dos contra-regras para auxiliar os atores que deveriam entrar no palco na hora certa por causa daquela deficiência – ou não – do lugar, quando Helena apareceu ao seu lado, jogando-se na cadeira com um sorriso imenso nos lábios carnudos.
Imediatamente, Paulo esqueceu tudo sobre o funcionamento do teatro e do som. Fora aquele sorriso que o fizera se apaixonar pela garota. Um sorriso travesso e um pouco esnobe, como se tivesse uma novidade para contar que o deixaria ou de boca aberta ou excitado.
— Feliz? — ele perguntou, mesmo sabendo a resposta.
Paulo gostava da voz de Helena: baixa, com um agradável traço de rouquidão e uma pitada de força, com uma disciplina que não obliterava o sotaque provinciano que ela adquirira na infância. Helena falava de forma devagar, mesmo quando tinha pressa. E todo mundo sempre acabava parando para ouvi-la. Com aquela voz, Paulo não tinha dúvidas de que ela acabaria sendo a Princesa Naeena na peça.
— Principalmente porque nós dois estamos aqui — ela respondeu, olhando de relance para os outros estudantes que ocupavam as cadeiras atrás de Paulo. — Isso só pode querer dizer que passamos no teste.
— Acha que a gente conseguiu os papéis?
— Bom, um dos papéis pelo menos — Helena deu de ombros ao se virar para observar a cortina à sua frente.
Não demorou muito para ela voltar a olhar para ele e tagarelar sobre as utilidades da atuação. Segundo ela, o mundo dos dois se abriria de forma espetacular quando tivessem terminado de viver aquela aventura sobre o tablado. Paulo tinha certeza de que ela estava certa, mas não se sentiria mal se seu mundo continuasse pequeno como era, principalmente se ela ainda estivesse nele.
Com o tempo, todas as cadeiras que faltavam serem preenchidas atrás do palco foram recebendo outros adolescentes para acomodarem-se nelas. Helena não prestou atenção a nenhum deles, apenas tinha olhos para os bastidores do teatro e palavras para Paulo. Ao contrário da namorada, Paulo observou cada um dos que apareciam, cogitando a possibilidade de cada um deles participar da peça e imaginando quais papéis receberiam de acordo com sua aparência. Ao mesmo tempo, Paulo fazia questão de ouvir tudo que Helena dizia e responder às suas perguntas com um sorriso sincero nos lábios.
Já devia ser fim de tarde quando a professora chamou todos de volta à frente das cortinas, onde permaneceram em fileira, mas dessa vez em pé. A mulher de olhos negros e sorridentes – não mais as esferas sem vida que encaravam todos friamente no primeiro encontro – estava olhando atenciosamente cada um dos escolhidos, verificando-os dos pés às cabeças, como se fizesse uma inspeção geral.
— Se vocês estão aqui — começou a discursar a professora, parando na frente deles, na ponta do palco —, quer dizer que já fazem parte da peça.
Começou um burburinho de satisfação que pareceu alegrar ainda mais a professora, assim como Helena, que bateu levemente com o ombro contra o braço de Paulo – ele era mais alto que ela uns bons vinte centímetros, então seria difícil ela alcançar seu ombro com o dela –, como se dissesse: "Eu te avisei". O rapaz quase não conseguiu segurar o riso com a atitude infantil da namorada.
— Quando eu chamar seus nomes, vocês darão um passo à frente e eu direi qual papel vocês irão interpretar — a professora instruiu quando o burburinho cessou.
Ela começou pelos papéis menores, designando quem seriam os guardas e súditos do reino. Demorou um pouco nessa parte, já que era onde mais teriam pessoas para interpretar papéis pequenos com falas apenas em coro ou fala nenhuma. Paulo não soube se deveria ficar feliz ou triste por não fazer parte daquele grupo, já que não estava tão afim de participar daquela peça quanto deveria. Ele só estava ali por Helena, mas qualquer que fosse seu papel, ele interpretaria da melhor maneira possível, pois não sabia fazer nada sem dar tudo de si.
A professora entregou os roteiros às pessoas que chamou para os papéis menores e foi dispensando-os, dizendo que os ensaios começariam na próxima segunda. Após todos irem embora, a professora começou a chamar as pessoas que fariam alguns papéis também pequenos, porém com mais falas e mais tempo de palco, ou seja, aqueles que fariam os seres que participariam do Grande Campeonato Mágico da história – a donzela de gelo, o tritão verde, o sapo leão, a lady dragão e a fada. Foi nesse instante que Paulo sentiu a tensão crescer ao seu lado.
O rapaz respirou fundo antes de olhar para Helena. Sua namorada tinha acabado de perder o sorriso e estava com os ombros levemente caídos. Paulo sabia que Helena queria o papel de princesa Naeena, por isso não se espantou quando ela ficou desapontada por receber o papel de uma simples fada que participaria do campeonato – era um papel bem pequeno, visto que ela faria uma apresentação bem rápida de seus "poderes". Mesmo assim, Paulo ficou impressionado quando Helena respirou fundo e foi até a professora pegar o roteiro de queixo erguido.
Quando Helena se dirigiu até o lado do palco para esperar por ele, Paulo mordeu o lábio inferior nervosamente. Mais uma vez ele não tinha sido escolhido. O que deixava ele com algum dos papéis maiores, cuja aparição no palco seria maior que as outras. Ele só torceu para ser o vilão – Shadoha, o ceifador de almas – ou um dos irmãos centauros secundários – Pegaxander e Doralo. No entanto, aquilo era para ser uma aventura, e o que seria uma aventura sem um pouco de perigo? A professora deu os papéis dos ceifadores de almas e dos irmãos centauros mais velhos para outros meninos que ainda estavam no palco.
Quando apenas Paulo e uma garota desconhecida estavam no palco, o rapaz sentiu vontade de sair correndo de novo. Não era só o fato de que ele com certeza seria o personagem principal da peça, mas também o fato de Helena estar bufando no canto do palco, que fez com que Paulo se sentisse muito mal por participar daquilo. Fora tudo ideia de Helena, e só porque ele conseguiu um papel maior que o dela, ela estava irritada com ele? Não fora ela quem pediu para ele dar o melhor de si nessa aventura?
— Agora, vocês dois — a professora falou, com o mesmo olhar entusiasmado de quando pediu para Paulo esperar atrás do palco —, Paulo Alencar e Diana Silva, vocês serão meus dois apaixonados! Príncipe centauro Arion e princesa Naeena!
A menina que estava de pé ao lado de Paulo abriu um sorriso tão largo que Paulo só conseguiu pensar no Coringa do Batman – não os atores que interpretaram o personagem nos cinemas, mas o do desenho que tinha um sorriso cobrindo metade do rosto. Ele tentou sorrir também, não queria decepcionar a professora que parecia muito alegre por ter conseguido seu príncipe centauro mais novo, mas foi difícil se sentir animado com aquela situação.
Depois de receber o roteiro e as instruções da professora, Paulo foi até Helena, que ainda o esperava na canto do palco, perto da saída. Sua namorada não estava sorrindo, mas também não parecia mais irritada, sua expressão parecia algo entre decepcionada e triste. Paulo não queria o papel principal e muito menos um papel maior que o de Helena, e, antes de serem chamados de volta ao palco, ele tivera certeza de que ela seria a princesa Naeena e ele um dos competidores do campeonato mágico.
— Tudo bem? — ele perguntou enquanto pegava a mão que ela lhe estendeu e saíam do teatro juntos.
— Acho que sim — foi a resposta dela.
Como ela não disse mais nada, Paulo também ficou em silêncio. Ele não sabia exatamente o que dizer, nunca fora bom em consolar as pessoas. O que era pior era o fato de ele saber que ela queria um bom papel, mas não tinha conseguido, enquanto ele não queria papel nenhum e tinha conseguido o melhor de todos. Como dizer para Helena que aquilo não importava quando claramente importava?
Acabou que ele não disse nada. Nem ela. Os dois permaneceram em silêncio até saírem do terreno da escola. De repente, como se nada tivesse acontecido, Helena abriu seu belo sorriso e chamou Paulo para tomarem sorvete. O restante do dia passou como se tudo estivesse realmente bem, então Paulo imaginou que Helena tinha superado, de algum jeito, em sua cabeça, o que tinha ocorrido no teatro.
Foi apenas na segunda-feira que Paulo notou que nada tinha mudado, que helena ainda estava irritada com ele pela escolha da professora. Todavia, só no final do dia de segunda que Paulo percebeu aquilo.
Ao chegar no teatro com Helena, a professora quase pulou em cima deles e os separou com muita rapidez. Ela estava separando o elenco para praticarem suas falas individualmente, e Helena faria isso perto do grupo dos competidores enquanto Paulo ficaria o tempo todo perto dos outros meninos que seriam seus irmãos na peça.
Enquanto praticava suas falas com os outros rapazes – com quem Paulo fez amizade rapidamente –, ele observava Helena do outro lado da sala. Como era de se esperar, a menina fez sucesso entre as pessoas e roubou toda a atenção para si. Ela parecia feliz e Paulo gostava daquilo. A única coisa que o deixou um pouco triste foi o fato de Helena não procurar por ele em nenhum momento, mesmo que ele procurasse por ela o tempo todo.
Pouco antes de acabar o primeiro ensaio, a professora pediu que ele passasse as falas com Diana, pois ambos dividiriam bastante a cena sobre o palco e precisavam se entrosar. Assim como aconteceu com os rapazes que seriam os irmãos centauros, Paulo rapidamente fez amizade com Diana e se sentiu bem passando as falas com a menina.
No final do ensaio, quando terminou de passar as falas com Diana e foi procurar por Helena, Paulo percebeu que a namorada tinha saído sozinha do teatro, sem esperar por ele. Correu atrás dela, encontrando-a na entrada da escola.
— Ei, Helena! — ele chamou, tendo que apertar o passo para segurar o braço da menina e pará-la antes que ela saísse da escola sem ele. — O que aconteceu? Por que saiu sozinha?
— Não aconteceu nada — ela falou, mas sem olhar diretamente para ele. — Eu só não queria atrapalhar seu ensaio.
— Do que tá falando? Como assim atrapalhar? Por que você iria atrapalhar?
— Olha, eu vi como você se enturmou com o pessoal e como ficou bem passando suas falas. A professora também estava feliz, então eu só achei que podia deixar você fazendo aquilo e ir pra casa.
— Tá falando sério?! Era você que estava muito bem cercada de gente. Eu só tava fazendo o que me mandaram, o que você me pediu pra fazer. Não foi você que disse que eu tinha que me esforçar? Que ia ser legal a gente fazer isso junto?
— E é legal! O problema é que a gente não tá junto.
— Não é culpa minha a professora ter me escolhido. Quando você decidiu fazer a audição, sabia que corria esse risco. Por que tá brava comigo por ser um centauro? Eu nem queria fazer essa peça idiota.
— Não tem a ver com o papel, tá bom! Olha, esquece. Desculpa, eu não saio mais sem você, tá legal.
— Bom, porque eu vou atrás de você se fizer isso de novo. E dane-se essa peça.
Aquilo tirou um sorriso de Helena, fazendo Paulo engolir em seco com as borboletas que fizeram alvoroço em seu estômago. Era complicado para o menino admitir que se sentia muito bobo quando a garota sorria daquele jeito para ele, mesmo assim ele se sentiu melhor por estar bobo do que por ter ficado estressado com ela. Para descontrair, ele a levou de novo para tomar um sorvete – ele sabia que um bom sorvete sempre deixaria o dia de Helena melhor já que era a sobremesa favorita dela.
Um mês. Esse foi o tempo que os ensaios levaram para terminar. Helena queria dizer que adorou passar esse tempo no teatro, como imaginou que aconteceria quando decidiu que ela e Paulo deveriam viver aquela experiência, mas não seria verdade. Ah, sim, ela tinha escolhido aquilo apesar dos protestos do namorado, porém não pensou que teria que passar um mês vendo o namorado se declarar para outra garota.
Quando Paulo percebeu que ela estava chateada no primeiro dia de ensaio um mês antes, ele pensou que fosse por causa do papel que ambos pegaram. Helena também não podia negar que ficara um pouco decepcionada por não ter conseguido o papel principal, mas não fora esse o motivo para ela ficar chateada com tudo. A questão era que Paulo tinha ficado com o papel do príncipe centauro Arion, que iria se apaixonar pela princesa Naeena, cuja interpretação não ficaria por conta dela e sim de outra garota que nenhum dos dois jamais tinha visto na vida. E Paulo tinha se dado bem com a menina!!
Helena decidiu disfarçar e ignorar aquele sentimento que crescia em seu peito porque era orgulhosa demais para admitir que estava se roendo de ciúmes. Bem antes de começar a namorar Paulo, ela já tinha dito a ele que não era uma garota que gostava de ficar grudada nos meninos e que não se importava com as amizades dele, só queria mesmo que ele fosse fiel e gentil como sempre fora enquanto eram amigos. Paulo implicou com ela na época, dissera que sentir ciúmes era inevitável, e ela insistira que ela jamais sentiria aquele sentimento tão possessivo e bobo. Mas foi exatamente o que sentiu durante um mês enquanto observava Paulo passar as falas com Diana.
Além de praticamente todos os dias Paulo ter que dizer que estava apaixonado por Diana – mesmo que ele usasse o nome Naeena, já que aquela era uma fala da peça que não tinha nada a ver com a vida real –, Helena também acabou notando que a jovem atriz era uma pessoa muito legal, e ela mesma tinha dificuldade de não gostar da companheira de palco. Tudo isso só servia para deixar Helena mais estressada e apreensiva.
Não que ela acreditasse que Paulo poderia trocá-la por Diana, mas era difícil conter aquele sentimento, como Paulo uma vez lhe dissera. Por isso, durante todo o mês de ensaio, Helena se arrependeu de ter entrado na fila para as audições de forma tão abrupta e sem pensar nas consequências. Ela queria uma aventura com Paulo, mesmo que fosse algo tão banal quanto fazer algo que nunca pensaram em fazer antes. Mas a ideia estava lhe custando algumas noites de sono.
— Ah, tô morto! — Paulo exclamou quando se jogou na cadeira ao lado de Helena.
Como estava com a fantasia de centauro, ele caiu todo torto na cadeira e, mesmo tentando chutar a bunda do cavalo para conseguir acertar a própria bunda na cadeira, ele ficou com metade do corpo jogado sobre Helena para tentar descansar. Aquilo trouxe o sorriso de novo para os lábios grossos da menina. Eram momentos como aquele que faziam Helena perceber que nada tinha mudado entre eles, quando Paulo ia atrás dela para se sentir confortável.
— É tão ruim assim?
— Tenta carregar uma outra bunda com você o dia todo... Ou melhor, uma semana inteira! Eu não aguento mais ser um centauro.
— Não sei porque está tão estressado, você já meio cavalo mesmo.
— Muito engraçadinha. É fácil pra você brincar, já que sua fantasia fica muito bem em você.
— Eu sempre fui uma fada, por isso fica tão bem em mim.
— É, a fada da beleza — ele concordou enquanto se esticava para beijá-la sem sair totalmente do assento.
— Logo você vai poder se livrar dessa sua bunda extra.
— Não vejo a hora!
Helena também não se aguentava de ansiedade. Pelo menos, eles só fariam a apresentação durante um final de semana, e apenas subiriam ao palco uma vez no sábado e uma vez no domingo. Aquela não era o tipo de peça que ficava em cartaz por muito tempo, principalmente por ser apenas para as crianças do jardim de infância da escola deles.
Ela adoraria ficar conversando com Paulo a tarde toda em vez de ensaiar, mas a professora queria repassar todas as cenas antes do dia seguinte, quando finalmente fariam a apresentação completa diante do público. Então Helena se levantou e foi para o palco praticar seu "número" para o campeonato mágico. Enquanto estava interpretando somente para a professora uma última vez, Helena viu Diana se aproximar de Paulo e sentar ao lado dele. Aquilo acabou com seu bom humor, mesmo que o namorado continuasse olhando para ela e ignorando a outra menina.
Não foi nem um pouco fácil fingir que não estava com ciúmes quando foram pra casa nesse dia. Helena sabia que Paulo tinha percebido que estava irritada de novo, mas como ele não falou nada, ela não entrou no assunto e continuou com seu péssimo disfarce.
No sábado, uma hora antes da estreia, Helena estava com sua fantasia de fada terminando de ajeitar a maquiagem no espelho do camarim feminino quando ouviu a porta abrir. O lugar onde estava sentada era um pouco escondido em relação à porta, pois o espelho tapava a visão entre a porta e a pessoa que se sentava diante dele, então as pessoas que entraram não perceberam que Helena estava ali. Foi só por isso que a morena ouviu a conversa que as outras meninas estavam tendo.
— Vai mesmo fazer isso? — a voz era da menina que faria a lady dragão, Esther Mendonça. Helena reconheceria aquela voz em qualquer lugar, visto que passara um mês treinando suas falas logo depois dela. — Mas ele tem namorada.
— Uma namorada bem boba, né. Se eu tivesse um namorado como o Paulo, nunca deixaria ele contracenar com outra garota, ainda mais uma mais bonita que eu. No caso, eu sou mais bonita que ela, é claro.
— Humm.
— Não concorda? Acha que a Helena é mais bonita que eu?
— Eu não disse isso — mas pela voz dela, era exatamente o que Esther queria dizer; aquilo fez Helena se forçar a segurar o riso. — Mas o Paulo disse. Várias vezes. Nunca vi um garoto tão bobamente apaixonado igual ele.
— Não interessa. Eu só quero beijar aquela boca uma vez pra ficar feliz.
— Isso não vai dar certo.
— Vai dar sim, cala a boca.
Não demorou muito para elas saírem. Provavelmente só estavam pegando algo que esqueceram mais cedo quando se arrumaram. Helena ficou para trás pensando que deveria ter notado como a Diana era falsa antes. Pela primeira vez, entendeu porque a menina pegou o papel principal e ela não, Diana era uma ótima atriz.
Respirando fundo para manter a calma, Helena terminou de aplicar a maquiagem e saiu do camarim tranquilamente, procurando por Paulo sem fazer muito alarde. Todos sabiam que eles eram namorados, então nunca se espantavam quando um buscava pelo outro.
Helena encontrou Paulo ao lado do palco, olhando nervosamente por uma fresta na cortina enquanto Diana tentava ajeitar a barra da roupa dele, onde terminava o corpo de cavalo. Antes de interferir, como teria feito – e fez – nos dias de ensaio, Helena parou para observar os dois. Ela sabia que o namorado gostava muito dela, mas queria ter certeza de que, se Diana realmente tivesse intenção de beijá-lo, ele não teria um inclinação para aceitar ou aprofundar o beijo.
Naquele momento, Helena sorriu como não sorria há um mês. Ela já tinha visto o namorado ignorar a outra menina, mas nunca sem que ele soubesse que ela mesma estava por perto e de olho. Foi engraçado observar a tentativa de Diana de se aproximar e chamar a atenção de Paulo, enquanto este parecia nem notar que aquela estava ali.
Decidida a não brigar com o namorado que não entenderia seu ataque de ciúmes, Helena o chamou em voz alta, fazendo Paulo se virar imediatamente para olhar em sua direção. Ele estava tão distraído com o público do outro lado da cortina que realmente não tinha reparado em Diana ao lado dele, tanto que esbarrou na menina e quase a derrubou quando se virou para ver Helena se aproximando.
— Ah, desculpa, Diana — ele sorriu para a menina enquanto a segurava para ela não cair. — Não percebi que tava aqui. Veio falar alguma coisa da peça? A professora já tá chamando a gente?
— Ah não — ela respondeu sem graça. — Eu vim perguntar se você tá muito nervoso.
— Chega tô suando frio — ele riu e se virou de novo para Helena, mostrando os dentes em um sorriso caloroso. — Como você não parece nervosa?
— É porque eu nasci pra brilhar — Helena respondeu enquanto aceitava o abraço do namorado e lhe dava um beijo no rosto.
— Isso eu não posso negar.
— E você, Diana? Tá nervosa? — Helena perguntou se virando para a menina sem sair do abraço do namorado.
— Um pouco, sim.
— Não se preocupa, vai dar tudo certo.
Diana não ficou ali muito tempo, apenas assentiu e saiu de perto dos dois. Helena ficou observando a garota ir para o outro lado dos bastidores, mas não perdeu o sorriso em nenhum momento.
— Veio me fazer companhia antes que eu comece a pagar mico nesse palco? — Paulo perguntou, retirando Helena de seus pensamentos.
— É, eu sabia que você ia tá nervoso.
— Foi só isso mesmo? Você sempre implica comigo por isso, já que acredita que eu me saio bem em tudo.
— E você se sai bem mesmo, por isso você é um príncipe e eu sou só uma fada.
— Não importa o que ninguém diga, minha princesa é você.
— Acho bom mesmo.
Não demorou muito para a professora convocar todos e mandar que tomassem os seus lugares. Todos atuaram muito bem, ninguém esqueceu nenhuma fala. As crianças na plateia riam e aplaudiam na medida em que gostavam das cenas interpretadas pelos atores. Helena entrou no palco e deu seu pequeno show de magia no Campeonato Mágico de Miraco – o reino em que se passava a história. Os irmãos centauros aplaudiram, assim como todas as crianças. Logo depois de Helena sair do palco, foi a vez de Diana entrar e começar sua atuação.
Mais da metade da história se passava apenas com Arion e Naeena, ou seja, Paulo e Diana. Helena ficou na ponta do palco observando os dois e decidiu aceitar que seu namorado era mesmo muito bom em tudo que fazia, inclusive atuar. Teve até que aceitar que Diana também era boa naquilo. Quando chegou no final da história, que todos voltaram ao palco para o casamento de Arion e Naeena, Diana tentou roubar um beijo de Paulo, mas o rapaz tinha ótimos reflexos e, na hora em que Diana se aproximou, ele a levantou pela cintura e a rodou no ar. A professora achou que aquele era o melhor final que conseguiria e mandou fecharem as cortinas.
Com as cortinas baixas e longe dos olhos do público, Paulo soltou Diana de qualquer jeito e a garota quase caiu. Os olhos de Paulo imediatamente procuraram os de Helena. Ela percebeu que ele estava preocupado que talvez ela não entendesse que ele não queria nada com Diana, mas quando ele relaxou ao vê-la, Helena teve certeza de que Paulo notou como ela não estava chateada.
Quando as cortinas voltaram a se abrir, Paulo pegou a mão de Diana relutantemente para fazer reverência e se despedir do público que os aplaudia de pé. Felizmente, aquela despedida não durou muito e as cortinas fecharam de novo. Paulo correu até Helena e a beijou, sem se importar com quem quer que estivesse olhando.
Assim que o beijo acabou – por falta de fôlego dos dois apaixonados –, Paulo e Helena sorriram um para o outro.
— Feliz? — ele perguntou.
— Mais ainda por ela não ter conseguido o que queria.
— Você sabia que ela ia tentar me beijar?
— Ouvi quando ela falou sobre isso mais cedo no camarim.
— E não pensou em me avisar?
— E parecer que eu estava com ciúmes? Por favor, eu sabia que você não ia beijar ela.
— Estava mesmo disposta a assumir todos os riscos nessa aventura, não é?
— Não mesmo — ela riu, seguida de Paulo. Ambos sabiam que aquilo não tinha nada a ver com o que Helena queria. — Mas valeu a pena.
— Mesmo?
— Claro! Agora eu já sei que não devo me precipitar ao escolher nossas aventuras.
— Fico feliz em saber disso, mas preciso te lembrar que ainda temos que atuar amanhã.
— E se a gente fugir?
— Está com medo agora?
— Haha! Nunca, meu bem.
Eles riram mais uma vez enquanto se beijavam de novo. O mais engraçado foi que ninguém achou estranho uma fada e um centauro se agarrando no meio do palco.
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