XEQUE-MATE
PRÓLOGO
Desde quando o céu foi azul, a grama verde e as rosas vermelhas?... Enxadland, um mundo colorido que acabou se tornando palco da guerra entre os tons, esses que não mais existem. Onde a harmonia já se perdeu, no qual as cores se esvaíram com a alegria e amizade entre as nações, os reinos Preto e Branco guerreiam pela prosperidade efetiva. Dezenas de anos se passaram desde o começo da disputa épica e as peças repetem os mesmos ataques sem descanso.
No entanto, dado momento de decisão final, torres ruirão, peões serão sacrificados, rainhas farão de tudo por seus povos, mas só um rei estará de pé no final. Quem conseguirá vencer? Quantos morrerão com honra? Quem dominará Enxadland? Qual nação alcançará o grande Xeque-Mate?
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Distanciados por quilômetros, esses sendo de florestas, montanhas, rios e ruínas, em dois reinos diferentes, o mesmo discurso era feito pelos reis preto e branco. Em frente aos seus respectivos castelos que já não passavam de pedregulhos, tentavam encorajar os poucos viventes que restaram da grande Guerra das Casas.
— Chegou a hora de decidir qual será a cor a dominar Enxadland! — bradava em meio as exclamações dos ouvintes. — Já sofremos baixas enormes e guardaremos na lembrança a bravura de cada um de nossos irmãos, porém, deixaremos o luto para depois do triunfo. Não nos restou muito mais que apenas: oito corajosos soldados, dois dragões ferozes, nossos dois bruxos poderosos, nossa própria fortaleza e minha querida rainha. — Olhou-a com amor e dirigiu seu olhar para os soldados em seguida. — A vitória nos espera, coragem e prosperaremos!
Com isso, começaram avançar visando a batalha final. Horas de marcha dividiam as forças que se dispersavam pelo território em busca de alcançar um espaço maior. Momentos depois, já se constatava o ecoar de gritos e encontros de espadas que faziam reverberar suas forças.
— Desista! — exultou um homem de armadura alva, tão branca quanto as folhas das árvores ao redor dele.
— Nunca! — retaliou o soldado de vestes pretas como os troncos da floresta.
Os dois disputavam força com golpes constantes de espada, atacavam em sincronia, assim como defendiam e desviavam. Ali, no centro da clareira florestal, ficariam eternamente naquele embate, sem avançar e muito menos recuar.
— Nós somos a cor superior e venceremos essa guerra! — O albino gritou, contornando o avanço inimigo pela direita e girando sua espada para que o acertasse no peito com mais precisão.
— Se engana ao pensar assim — retrucou seu adversário, defendendo-se agilmente com o escudo da mão esquerda. — Infelizmente, não poderei te mostrar que estás errado, pois jazerá sob minha espada.
O preto aproveitou uma abertura do inimigo e o derrubou com uma rasteira repentina. Não repreendeu sua vontade própria de humilhá-lo para os céus claros e para a grama rala de tons rubros, pisoteando o peitoral de sua armadura.
— Quem é superior agor...?!
Antes mesmo que sua frase terminasse, sua língua afiada sentiu o gosto ferroso escorrer junto com o sangue por seus lábios. Só aí percebeu a espada branca cravada em seu coração, sugando sua vida. Outro oponente havia se aproximado sorrateiramente pela diagonal.
Depois que o matou, o corpo negro se desfez em cinzas sombrias que flutuaram e foram engolidas por completo pelo soldado lúrido que se deliciava com a absorção.
— Estava tudo sob controle — relatou o branco ainda deitado.
— Levante-se logo, ainda temos uma guerra para vencer. — Estendeu-lhe a mão e o levantou com dificuldade. — Soube que um de nossos bruxos foi absorvido.
— Temos que tomar cuidado com o...
Um raio obscuro o acertou em cheio, vindo das nuvens trevosas que escondiam a clareza do dia. A medida que as lágrimas desciam pelo rosto do homem de pé, as cinzas lívidas subiam pelos ares, advindas do corpo do soldado.
Um portal surgiu bem ali e um bruxo de vestes tão escuras quanto a noite apareceu, abriu a boca em seguida e sugou todas aquelas partículas alvas que pareciam revitalizar suas forças.
— Não me viu chegando? — inquiriu o recém-chegado com um tom asqueroso.
— Morra! — O soldado ergueu a espada acima de seu corpo, no entanto, antes que desse o primeiro passo, seu corpo foi parado pelo susto da explosão que ecoou vinda das montanhas, à quilômetros dali.
— Agora não falta muito para que o mundo seja um eterno breu — comentou o mago, relaxado, girando o cajado entre os dedos.
— Vocês são monstros! — exultou o homem que avançava novamente.
Todavia, antes que ao menos se aproximasse do adversário, um verdadeiro monstro o abocanhou. Um dragão negro o engoliu sem nenhuma dificuldade, depois de aterrissar, vindo pelas costas do inimigo.
— Precisamos tirar as fortalezas do caminho — afirmou o bruxo, recebendo um rugido alto como resposta, o qual entendeu como confirmação. — Sabe onde estão?
Nem o rugido desesperado do reptiliano e nem seu bater de asas frenético foram rápidos o suficiente para alertar aquele à sua frente sobre o perigo. Minimizando a altura do dragão de 7 metros, um punho de pedregulho surgiu do céu e atingiu o mago em cheio. Um golem de pedra chegou quase despercebido, impondo sua presença que se sobressaía às árvores ao seu redor.
A besta escamosa começou a baforar uma labareda de chamas sombrias, mas, não importava o quanto tentasse, nada destruía a defesa impenetrável do golem de quartzo, como uma fortaleza ambulante. Dando início a um embate colossal, no qual o monstro alado voava rodeando o inimigo gigantesco e o atacava com fogo, enquanto o outro tentava o acertar com seus socos não tão velozes.
Em meio a labuta da disputa, uma coroa reluzente chamou atenção para a figura que iluminava o ambiente, a rainha branca exibiu sua graça de cima do golem. Precisou que menos de 5 segundos para mirar a fera alada com sua besta, depois atirou uma flecha com precisão e foi o necessário para abater o grande dragão. O oponente rubro se despedaçou e rodopiou no ar como um vórtice que foi engolido pela mulher de semblante frio.
— Rainha! — Ela virou-se e percebeu um bruxo aliado que se teleportou para perto dela, ali em cima do golem. — Nosso rei foi alcançado pelos pretos.
— Continue avançando... — A fala da mulher foi interrompida por uma explosão vinda da mesma direção de seu reino. — Vou cuidar disso! — O bruxo sumiu repentinamente e a torre de pedras deu meia volta em direção ao rei branco.
À quilômetros daquela floresta, num campo aberto e gramado com vista para o castelo límpido, o monarca de reinado alvo avançava correndo em direção a rainha preta, que o mirava com uma besta.
Tendo um ataque de curta distância, não teve chance contra as flechas que já percorriam o ar em alta velocidade. Seria morte na certa.
— Roque!* — gritou o rei.
O reverberar de sua exclamação fez uma das torres de seu castelo levantar-se como um golem de pedras e avançar rapidamente, tomando a frente do ataque e o defendendo das flechas fúteis.
— Covarde! — A rainha exultou, ainda atirando contra o inimigo que se aproximava.
— Pode deixar comigo... — Um guerreiro umbroso apareceu ao lado da mulher, arfando de cansaço.
Ele então começou ganhar altura e o chão começou unir-se a ele para lhe dar mais massa, pedras moldavam um gigante corpo humanoide e um golem obscuro foi criado.
Avançou com violência, fazendo o chão estremecer juntamente com seu oponente, o qual se mostrou forte à altura, dado o impacto que sofreram no encontro dos dois colossais. No entanto, apenas a fortaleza fosca se saiu vencedora e deliciou sua vitória quando os pedregulhos do adversário se desmoronaram, sendo absorvidos para lhe encher de força.
— AAA! — O eco hostil reivindicou os olhares para o rei lúrido que bradava e espada, saindo da poeira escura causada pela queda de seu aliado.
O homem não hesitou e botou todas suas esperanças na arma que jogou em direção ao golem que aparentava ser feito de obsidiana. Não estava nem perto de ser o movimento final, mas a tensão de ver a espada rodopiando no ar era eletrizante, parecia voar em câmera lenta em direção ao que seria o peito do colosso.
A lâmina bem afiada aparentou tomar um impulso inusitado e o atravessou sem dificuldades, fazendo-o despedaçar violentamente. O rei quase não teve tempo de absorver todo aquele adversário gigante, pois já desviava agilmente das flechas sussurrantes lançadas pela rainha preta.
— Seu reinado está prestes a acabar! — gritou a mulher, com muita habilidade ao armar e atirar flechas com sua besta.
— Veremos...
Não teve tempo para retrucar e um novo adversário já apareceu ao lado daquela que o alvejava. Era um bruxo sombrio, o qual mirou com precisão seu oponente e lançou um feixe de luz negra, sendo esse defendido pelo escudo mágico que surgiu ao redor do rei.
Não conseguiria se manter naquela situação, percebendo seus dois inimigos se aproximando cada vez mais. Foi quando uma flecha branca zumbiu dos céus e acertou em cheio a cabeça do mago. A rainha voltava para defender seu reino em cima do golem de quartzo, que dava passadas enormes à uma velocidade impressionante.
No entanto, antes mesmo que se aproximasse da mulher umbral, essa mostrou toda raiva nas flechas obscuras que partiram com uma nova vítima. O colossal foi atingido seguidas vezes bem acima do peito de pedras e lá encontrou sua destruição, desabando aos montes e derrubando a rainha lívida de cima da sua fortaleza.
— Desgraçada! — A senhora albina pulava de uma pedra à outra entre as que desmoronavam, na tentativa de sofrer o quanto menos possível. Também desviava de algumas que a ameaçavam.
Aquela que vestia a noite sem estrelas olhou-a quando ela finalmente alcançou o chão. Depois de engolir as partículas do adversário, falou com um olhar sombrio fulminante:
— A queda de suas fortalezas será o marco para a ascensão do...
Seu pronuncio foi cortado pela lâmina que atravessou suas costas e retirou sua vida friamente, roubando-lhe a vitalidade de forma tão efêmera, que nem a sentiu se esvaindo. Sua energia vital escoava assim como seu corpo se desfazia em cinzas que circundavam o ar e voltavam em direção a boca do monarca branco, que a devorou com um sorriso satisfeito.
Inebriado pelo calor interno que aquilo lhe trouxe, nem percebeu sua amada ser apunhalada tão covardemente quanto o fez há pouco. Porém, logo constatou o rei preto à sua frente, que expressava em seu semblante algo que oscilava entre ódio e excitação. Um líquido claro e viscoso escorria pela espada negra, era o sangue de sua amada, mas esse logo se desfez em pó, assim como o corpo dela, que foi também absorvido.
— Xeque... — Os reis finalmente estavam um à frente do outro, seguravam firme suas espadas, assim como empunhavam a coragem e carregavam nos ombros o futuro de seus reinos.
Dispararam quase como um projetil em direção ao oponente e num instante suas lâminas brigavam enquanto sintetizavam faíscas cinzas. Como uma dança em perfeita harmonia, eles tentavam matar de forma tão sincrônica quanto se defendiam do mesmo ataque feito pelo adversário. O ódio os levaria a um embate eterno, uma vez que rei não poderia tirar a vida de seu igual numa batalha e, sem outra peça naquele campo mortal, estavam fadados a passar seus últimos anos assim.
A vingança do destino. Tendo colocado fortalezas contra as outras; por ter feito bruxos matarem centenas; depois de obrigar dragões a aniquilarem milhares; após incentivar soldados a guerrearem contra quem não tinham conhecimento... O carma os levou até ali, diante do último inimigo, sendo esse invencível. O inimigo seria sua última companhia e a lâmina desse seria sua última visão.
No entanto, tudo poderia acabar de outra forma, pois, à quilômetros dali, um último peão branco girava sua espada, na tentativa de arrancar uma flor da roseira alta. Conseguiu com êxito e a carregou até a beira do lago de água cristalina. Lá encontrou seu inimigo, um guerreiro preto, o qual percebeu sua aproximação e levantou-se com pressa, correndo para atacá-lo.
Findada a distância entre eles, usaram todas suas forças para que seus músculos não cedessem ao abraçar aquele ao qual tanto desejaram ver. Cores distintas separadas por reinos contrários, mas que encontravam sua semelhança em um único sentimento, o amor.
— Para você — ofereceu o albino, mostrando a rosa que murchava e já perdia algumas de suas pétalas.
— Obrigado — agradeceu sorrindo, entendendo a mensagem daquele simples gesto.
Não era uma bela rosa branca em seu auge de vitalidade, muito menos uma flor que já havia definhado em sua cor preta. Era uma rosa que murchava, que transitava entre os dois e misturava as duas cores. Tão misturada quanto os lábios daqueles que não se preocupavam em mostrar seu amor e tentavam, a cada segundo, achar uma forma de se tornar apenas um, como uma flor.
Descobriram então, que não eram opostos como amor e ódio, noite e dia, ou fogo e gelo, não. Eles se tornaram complementares e foi dessa forma que uma explosão dentro deles os fez mudar do seu interior até exteriorizar cada sentimento em forma de cor. Suas colorações tomaram vida a medida que não eram mais preto e branco apenas, mas multicoloridos. Se libertaram de seus tons monótonos.
Abraçando os dois calorosamente, a natureza seguiu os mesmos passos. O rio tomou uma cor rosada cintilante, assim como o céu ficou laranja; a grama tão azul quanto os olhos apaixonados; as folhas das árvores não tinham padrão em seus tons, assim como os arco-íris que sugiram no firmamento do céu estrelado.
— O que será que vai acontecer com os reis? — perguntou o homem que antes tinha a cor branca, tomando espaço de seu amado.
— Bem... — Olhou para a flor que perdia seus tons claros e escuros gradativamente, adotando a cor vermelha escarlate como sangue. — Xeque-Mate.
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*Roque: movimento no xadrez usado para mover uma torre e proteger o rei.
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