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Blitz - 4

Wulfric e Blitz caminharam pela maior parte de uma hora. Atravessaram a floresta, passaram por um estacionamento deserto e adentraram ainda outra floresta. Atravessaram clareiras extensas e um riacho de águas calmas e rasas. Blitz achou que Wulfric perderia o rastro ao atravessar a água, mas ele continuou, com patas e pelos molhados, o que deu a entender que mana não perdia seu cheiro tão facilmente.

Quando o contorno azulado da lua pôde ser visto através da neblina cinza-escuro, os jovens chegaram a uma antiga construção no coração da mata.

O pequeno vira-latas soltou um único latido e correu para trás de uma árvore cujo tronco mal podia ser abraçado por uma pessoa. Blitz, entendendo o que aquilo significava, jogou as roupas que carregara por todo o caminho atrás da grande árvore e esperou.

Wulfric apareceu minutos depois, ainda colocando sua jaqueta e com um dos pares de tênis desamarrado.

– A trilha acaba aqui – ele disse ao arrumar a gola da jaqueta. – O cheiro se espalha por toda a construção, então acho que é seguro dizer que esse é o lugar. – O garoto apontou.

O prédio o qual ambos observavam era mais largo do que alto. Ocupava uma grande área da clareira na floresta e possuía quatro andares. Tinha uma aparência mais moderna se comparada ao galpão de onde vieram, mas não menos macabra.

A forma retangular de sua fachada seria algo normal de se ver, não fosse o limo que maculava suas paredes, antes brancas, agora descascando ao relento. Algumas de suas janelas ainda conservavam suas armações e seu corpo de vidro, mas as outras eram apenas buracos negros na velha construção.

– Eu não sei você – Wulfric continuou –, mas eu já vi prédios sinistros e abandonados o suficiente por hoje.

– Não dá pra evitar, estamos em Linsel afinal. – Blitz continuou fitando a estrutura. Já tinha ouvido falar daquele lugar. – Isso costumava ser um sanatório.

– É claro que costumava...

– Vamos – ela disse ao caminhar em direção à entrada do prédio.

A jovem tentou abrir a porta dupla da frente, encontrando resistência dos puxadores de latão.

– Trancada.

– Você não consegue abri-la com sua magia?

– E como eletrificar uma porta de madeira iria nos ajudar mesmo?

Wulfric deu de ombros, mas tentou abrir a porta também, empurrando e puxando com toda a sua força, mas a madeira maciça nem se moveu.

– Vamos dar a volta e procurar outra entrada – Blitz falou.

– Espere aí – o jovem disse ao caminhar até uma janela gradeada.

Abaixou-se para checar algo e Blitz seguiu seu olhar até um pequeno duto de ventilação ao nível do chão. O buraco não era maior que dois palmos e grades de metal bloqueavam sua entrada.

– Olha só – Blitz disse –, eu sei que a sua forma de cachorro não é lá muito grande, mas eu não acho que você consiga passar por aí.

– Ha, ha. Engraçado. – Ele olhou para a ventilação. – Feche os olhos.

– O quê? Por quê?

– Porque eu não gosto que outras pessoas vejam eu me transformar.

Blitz cruzou os braços.

– Olha, se vamos ser parceiros pelo menos até resolver esse caso, eu não posso ficar fechando os olhos ou você se escondendo toda vez que precisarmos de um vira-latas pra farejar algo ou buscar o jornal.

Wulfric pareceu pensar por um segundo antes de estalar a língua e dizer:

– Tá, tanto faz...

O jovem olhou para a passagem na parede e se concentrou. Um segundo se passou antes que sua cabeça começasse a diminuir, como um balão murchando rapidamente. Seus braços e pernas encolheram ao mesmo tempo que se transformavam e desapareciam dentro de suas roupas. O som que acompanhava a mudança era o característico barulho abafado que Blitz ouvira antes.

Por um instante, a garota pensou que Wulfric havia desaparecido por completo. Ela se abaixou, erguendo a jaqueta do garoto e chamando:

– Wulfric?

Um pequeno camundongo negro se esgueirou para fora da camiseta caída no chão e olhou para Blitz.

A jovem arregalou os olhos ao mesmo tempo que deixava escapar um grito agudo e feminino de seus lábios. Afastou-se com tanta pressa que não pôde evitar se desequilibrar, caindo sentada no concreto frio.

– Que merda, Wulfric! Caralho! – ela xingou, ainda afastando-se do roedor.

O pequeno camundongo pareceu rir antes de passar pela grade de ventilação com um salto preciso.

Blitz levantou-se, batendo a poeira do vestido, ao mesmo tempo que a porta estralava e se abria parcialmente com um rangido. Uma mão pálida esticou-se dali.

– Roupas – Wulfric pediu.

Blitz tocou a mão do jovem e uma faísca azul estalou no mesmo instante.

– Ai! – ele exclamou, recolhendo o braço. – Não seja uma má perdedora.

– Vá se foder.

A garota jogou as roupas pela abertura com força desnecessária.

– Eu realmente não esperava essa reação vinda de você – Wulfric disse enquanto se vestia.

– O que você queria? Você se transformou em um rato! – ralhou Blitz.

– Não era um rato, era um camundongo.

– É a mesma coisa!

Wulfric colocou o rosto para fora.

– Não é não. Camundongos são fofos – disse sorrindo.

– Os dois são nojentos. – A garota cruzou os braços.

Wulfric abriu a porta por completo, revelando que já se vestira.

– Tenho duas más notícias – começou. – A primeira é que não precisávamos ter feito tudo isso. Tem uma abertura na parede ali ao lado. Se tivéssemos explorado a lateral do prédio, teríamos visto.

– Se alguém pelo menos tivesse pensado nisso antes... – O sarcasmo quase escorria pelos lábios de Blitz.

– A segunda má noticia – Wulfric continuou, ignorando a garota – é que eu não acho que essa abertura tenha sido feita por... meios naturais.

Blitz entrou no prédio e olhou para onde Wulfric apontava.

Um grande buraco se abria na parede. Pedaços de tijolos quebrados e da cobertura de cimento sujavam todo o chão. O contorno da lua coberta pela neblina podia ser visto através da abertura e seus fracos raios iluminavam o local.

– Parece ser recente – Blitz deduziu. Depois olhou para cima.

Os mesmos tipos de arranhões que ela vira no galpão marcavam o teto do sanatório abandonado junto à abertura. Era como se algo tivesse passado por ali sem se dar conta da existência da parede. Blitz tinha de admitir que a possibilidade de aquilo ter sido feito por ghouls era praticamente nula.

– Eu estou com um mal pressentimento – ela comentou em voz baixa.

– Eu nem imagino porquê... – Wulfric disse ao olhar à sua volta.

Blitz o imitou, reparando finalmente no lugar. O hall de entrada devia ter sido algo a ser admirado um dia. Agora, poeira cobria todos os móveis e punhados de entulho espalhavam-se pelos cantos. No balcão de atendimento ainda podiam ser vistas revistas e folhas de papéis amareladas, fadadas a ser devoradas eventualmente pelas traças. Nos cantos das paredes, macas e cadeiras de rodas se empilhavam umas sobre as outras. Um elevador fora de serviço e uma escada logo ao seu lado levavam para os andares de cima. Portas abriam-se para corredores ou outros cômodos. A única iluminação era brilho azul apagado da lua que entrava pelas janelas e pelo grande buraco na parede.

– Por onde começamos? – Wulfric perguntou.

– Pelo térreo – a garota disse, prendendo a respiração para evitar um espirro. – Subimos se não acharmos nada.

– Ok. Mas já vou avisando: nós não vamos nos separar, nem pens--

O garoto parou de falar de uma vez, franzindo a testa. Virou o rosto para os lados, como se procurasse por algo, mas sem focar os olhos em nada.

– O que foi? – Blitz começou a ficar preocupada.

O jovem apenas colocou o dedo na boca, pedindo silêncio. Depois de alguns segundos, terror surgiu em seu rosto.

– Tem alguém no prédio – disse em voz baixa. – Eu ouço um choro.

– O quê?

– Lá em cima – Wulfric disse e correu para as escadas.

– Wulfric! Me espere! – Blitz chamou, sem resultado. – Merda! – amaldiçoou e pôs-se a correr, subindo as escadas atrás do rapaz.

Seu mal pressentimento continuava ali.


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