07. O Coelho é o Tempo
1962.
Estava ali, imóvel naquele carro, após passar vários minutos gritando de medo daquele monstro do meu guarda-roupa. Comecei a olhar para os lados, esperando algum sinal de movimento, já que os policiais dentro do carro tinham instantaneamente morrido na queda. Novamente comecei a escutar passos. Se aproximaram e comecei a ouvi-lo ― o que quer que fosse ― mexendo em algo. Ao chegar na frente do carro, ele se abaixou e olhou para mim, mas eu não vi seu rosto direito, porém, vi que ele segurava um coração em sua mão, provavelmente do cervo que morrera agora a pouco. Ele ofereceu, mas logo recusei, colocando a mão no cinto para que ele percebesse que eu precisava de ajuda. Magicamente, ele mexeu seu dedo e meu cinto soltou me largando no chão (ou no teto do carro). Saí me arrastando dali enquanto o ouvia comer aquele coração. Quando me vi de pé, me virei e olhei para ele, e estranhei a aparência do mesmo.
– Qual seu nome? – perguntei confusa.
Ele não respondeu, estava muito ocupado comendo aquele coração.
– Qual seu nome? – perguntei aumentando meu tom de voz.
– Gregório. – disse entre os dentes, quase que sussurrando. – Gregório Bolce.
***
Segui ele por entre a selva, tomando cuidado para não pisar no cervo que ele carregava. Estava com muito medo, ele poderia estar me levando para ser devorada. Não conseguia me imaginar comendo um coração, principalmente cru. Apesar de ser ligeiramente perigoso, não podia correr o risco de ser encontrada por Constance e ser acusada de mais dois assassinatos. Passados alguns minutos desde que saí de perto do carro, me aproximei de uma linda varanda que dava espaço à um campo aberto com alguns varais, uma churrasqueira improvisada e umas cadeiras bem desgastadas.
Pelo visto, ele morava ali.
Fui convidada a entrar e, quando subi as escadas que levavam à porta, senti um leve arrepio devido ao vento que por ali passava. Gregório abriu a porta e como um devido cavalheiro, estendeu o braço, me guiando para dentro. Aquela pequena cabana de madeira não era acolhedora. Seu cheiro era repugnante e muitos móveis eram de segunda mão.
Eu realmente não estava acostumada com coisas pobres.
Sentei-me em um dos sofás que ele dispunha. Não me arrisquei a perguntar o tipo de tecido que aquilo tinha sido construído, mas logo que afundei naquele estofado, tive mais do que certeza que aquele lugar era pior do que o sanatório.
– Quer alguma coisa? – perguntou ele sério, ainda mostrando uma certa dificuldade com as palavras.
– Não quero não, muito obrigado.
Ele pareceu ter ficado chateado, mas acabei por continuar ali naquele sofá sem forro. Alguns segundos depois, ele decidiu ir lá para fora. Quando voltou, veio com um prato com bananas. Não sabia exatamente o motivo de ele as ter trazido já que tinha dito que não estava com fome.
– Coma. – disse ele me oferecendo uma.
– Não quero. – respondi esperando que ele desistisse e levasse as bananas de volta, mas ele não o fez.
– Coma.
Seu tom mais firme, me deixou um pouco amedrontada. Peguei então uma e, imediatamente minha barriga roncou. Descasquei-a e dei uma enorme mordida.
– Está bom?
Balancei a cabeça em resposta, enquanto devorava a segunda banana. Ele então deixou o prato e foi até o interruptor, acendendo as luzes da cabana devido ao fato de que tinha começado a escurecer.
Olhei então para o rosto dele tentando procurar algo familiar, mas o cabelo me impedia de ver os traços do mesmo. A cabana era bem suja, e a iluminação só deixava mais nítidos a poeira e a imundice dos móveis.
– Quero dormir. – disse tentando evitar mais qualquer contato com aquele homem. – Estou com sono.
Ele encarou algum objeto, olhando-o atentamente antes de me encarar e começar a andar pela cabana. Eu o segui para encontrar meu quarto, mas sentia que ele não era confiável. Apesar de ter me salvado, estava com muito medo dele acabar me trazendo dor como Constance havia feito. Quando chegamos à um pequeno cômodo no final do corredor, ele abriu a porta, fazendo ranger as velhas madeiras da mesma, e me mostrou uma cama comum, com um colchão sem espuma, provavelmente a sensação das grades era mais perceptível do que as do próprio colchão. Gregório então me disse que eu poderia dormir ali, e que amanhã ele me levaria aonde eu quisesse.
– Obrigado. – agradeci antes de ele fechar a porta atrás de mim, me dando privacidade.
Aproveitando que estava sozinha, tirei meu vestido e vi uma marca na minha barriga, abaixo de uma das minhas costelas. Tentei tocar, mas logo veio a dor e eu fiquei assustada por não ter visto aquilo antes. Fui ao guarda-roupa encontrar alguma coisa para tapar o sangramento, mas, antes de abri-lo, lembrei do monstro e me afastei do mesmo. Uma sensação de enjoo me veio e comecei a cambalear. Então sentei na cama, e logo em seguida, vi um coelho pulando pelo quarto. Ele pulava muito rápido, quase não conseguia acompanha-lo. De repente, ele pulou pela janela do quarto e eu me levantei para ver aonde ele iria. Ao longe, perto de onde o carro capotara, ele parou, e então voltou a saltar rapidamente. Saí de perto da janela e fui até minha cama, tratando de colocar meu vestido e deitar, antes de pensar em quanta loucura tinha passado. O tempo se passou, e eu olhava para o teto tentando encontrar algo que me confortara, porém, nada me veio, até que de repente, o gato risonho apareceu, me encarando com aquele sorriso demoníaco. O grito que dei foi assustador, mas não me contive, fechei os olhos e gritei ainda mais alto do que tinha gritado antes, esperando-o ir embora.
Gregório então entrou no quarto e foi até a minha presença, me cutucando na tentativa de me acordar daquele pesadelo. Ele tentou ainda mais, dessa vez chamando pelo meu nome. Ao ouvir e abrir os olhos, Gregório encarou meu rosto e viu o pavor se apossando de mim. Não queria que fosse verdade, mas estava claro de que estava ficando mais louca do que no hospício. Gregório ficou ao meu lado, me abraçando enquanto eu torcia para dormir o mais rápido possível.
***
Quando acordei, Gregório já saíra da cama. Olhei para os lados e não vi ninguém. Fui então até a janela e vi que ainda estava de noite, porém, uma luz vinda de um lugar perto de uma árvore na frente da cabana tinha me intrigado. Levantei e abri a porta devagar. As madeiras rangeram e então vi o silêncio na imensa escuridão daquela cabana. Andei até a porta, devagar para não acordar Gregório, por achar que ele estivesse dormindo.
Ao chegar perto da luz, senti um vento gélido vindo da floresta. A fonte da luz, no entanto, vinha de uma porta, abaixo dos enormes galhos daquela árvore. Com medo, mas ainda sim curiosa, abri devagar as madeiras e olhei dentro daquele lugar, tinha somente uma escada que levava a uma espécie de porão. Apesar de querer muito, não me arrisquei a descer. Fechei a porta e voltei para a cabana, tomando todo o cuidado para não acordar Gregório. Estava bastante curiosa, mas teria que esperar até o dia seguinte para ver o que tinha naquele misterioso porão.
***
Acordei com Gregório entrando no meu quarto e trazendo um prato e um copo. Ali tinha algum tipo de carne malpassada e um pão velho.
– Bom dia. – disse alegre.
– Bom dia. – respondeu ele já me entregando os dois antes de se sentar ao meu lado na minha cama. – Dormiu bem?
Respondi que sim balançando a cabeça, e então comi a carne que estava no meu prato.
– Gregório, caçar, agora. – disse ele mostrando ainda ter dificuldades com as palavras.
– Quando você volta?
– Noite. – respondeu rapidamente. – Mas deixo comida.
Sorri por ele ser tão cuidadoso.
– Obrigado.
Gregório então se levantou e saiu do meu quarto, se certificando de que eu ficaria segura. Tomei um gole do líquido que estava no copo e fiquei surpresa por ser suco. Olhei então pela janela e o vi sair com uma faca em sua mão e um saco preto. Pensei muito bem antes de levantar da cama, mas assim que o fiz fui para fora da cabana em direção ao porão que ficava atrás de uma árvore próxima à cabana.
Abri a porta no chão e então desci as escadas. Aquele lugar era gélido, assim como os ventos que sopraram em direção ao meu rosto noite passada. Caminhei alguns passos à frente e vi que o lugar não estava iluminado como ontem, então decidi procurar algum interruptor nas paredes do local, porém, sem sucesso. Subi as escadas novamente e fechei a porta. Em seguida fui até a cabana procurar algo bem iluminador como uma lanterna ou um lampião. Por sorte, Gregório tinha uma lanterna na mesinha ao lado do sofá. Peguei-a e bati várias vezes na minha mão, torcendo para a mesma ligar. Assim que a liguei, saí da cabana e voltei ao então porão. Deixei a porta aberta para eu poder sair, e então comecei a andar, verificando cada centímetro dali com a lanterna iluminando os meus passos.
Cheguei aos poucos em um lugar cheio de sangue no chão. Comecei a me sentir arrepiada, mas continuei vasculhando. Apontei minha lanterna para uma enorme poça de sangue que formava à minha frente. De repente, uma gota caiu nessa poça e, em um impulso de medo, apontei a lanterna para cima e me deparei com o corpo de um garoto pendurado. O mesmo, porém, não estava morto como eu achava. Ele mexeu a cabeça para me encarar. Assim que meus olhos encontraram os seus, ele chorou.
– Me ajude! – gritou ele enquanto chorava.
***
Não sabia o que fazer, aquele garoto estava ali, amarrado ao teto pelos pulsos, sangrando em lugares em que lhe foram tiradas camadas de pele, chorando enquanto implorava para que eu, de alguma forma, o tirasse imediatamente dali.
Disse a ele para que ficasse quieto e então saí dali e voltei a subir pela escada, mas, ao chegar lá em cima, vi que a porta estava fechada. Ao tentar empurrar para cima, percebi que não havia como fugir facilmente dali.
Droga! Mais uma vez eu me envolvi em problemas por minha curiosidade e com certeza vou me dar muito mal.
Voltei ao garoto.
– Sabe como abrir a porta? – perguntei na esperança de que ele soubesse qualquer informação que fosse útil para salvar a vida de ambos.
– Não tem como abrir por dentro, já tentei. – disse ele tentando não relaxar os braços. – Estou aqui por causa dele.
– Gregório?
– Não diga o nome.
– Mas ele me salvou do acidente, ele não faria isso comigo.
O garoto deu uma risada sarcástica, como se não acreditasse no quão ingênua eu era.
– Eu também não acreditei que ele faria isso comigo, mas olha onde estou.
– Gregório foi gentil comigo, você deve o ter irritado.
– Para de defender esse homem, garota tola! Ele te mataria se não quisesse curtir com você primeiro.
Olhava para ele incrédula.
– O acidente? Pode ter certeza de que foi ele que provocou.
A cada palavra, sentia que estava caindo em uma armadilha mais perigosa que a outra.
– Ele disse que iria te levar para onde quisesse hoje, não foi? – perguntou antes de gemer de dor.
– Isso não tem nada a ver. Ele ainda pode me levar.
– Se continuar acreditando nisso, terei que te chamar de garota burra. Gregório pode até não saber falar direito, mas de uma coisa eu tenho certeza, você vai estar aonde estou mais cedo do que imagina.
Fui em direção à porta daquele porão e tentei empurrar para cima com toda a minha força. Ao ver que ela não se abriria, desci novamente, sentei-me no chão e comecei a chorar. Depois de alguns segundos com o rosto nos joelhos, levantei meu rosto e vi que as luzes dali se acenderam.
– Se esconda! – gritou ele.
– Qual o seu nome? – perguntei antes de sair correndo.
– Kyle. – respondeu ele fechando os olhos.
Me escondi atrás de uma mesa de ferramentas, me esgueirando um pouco à esquerda para olhar Kyle. Gregório estava ali, de pé em frente à Kyle, que gemia de dor.
– Por favor, me solta. – disse ele a Gregório.
– Não. – respondeu ele indo em direção à mesa de ferramentas. – Kyle machucar Gregório.
– Não machuquei você. – disse Kyle, que me deixara mais confusa com relação a Gregório.
– Machucou coração. Doeu.
Gregório estava apaixonado pelo Kyle? Isso é confuso.
– Sinto muito. – disse Kyle ao encará-lo de frente a ele. – Eu não gosto de você. E Alice também não gosta.
Gregório olhou com raiva para Kyle e, assim que escolheu a ferramenta exata, voltou ao encontro dele.
– Eu não quis dizer isso.
– Alice ama Gregório! – gritou ele antes de enfiar a serra na barriga de seu prisioneiro.
Kyle gritou de dor enquanto eu fechava os olhos para não simpatizar com aquela cena. Gregório sorria ao ver o sofrimento de sua vítima, e parecia estar cada vez mais orgulhoso do que estava fazendo.
– Para! – gritou Kyle. – Eu prometo fazer o que quiser!
Gregório o encarou, olhou fixamente em seus olhos procurando sinais de sinceridade. Quando o garoto começou a chorar, Gregório foi até ele e secou as lágrimas que caíam pelo rosto. Em seguida, Kyle se aproximou do rosto de Gregório e o beijou. Eu fiquei chocada com aquela cena. Não imaginava que eles sentiam a mesma coisa um pelo outro, mas percebi que Kyle só estava fazendo aquilo para sobreviver. Gregório cessou o beijo e foi até a mesa de ferramentas, onde pegou uma faca e cortou as cordas que prendiam Kyle no teto. Ele caiu gemendo de dor, e foi levantado, continuando a beijá-lo. Kyle então o levou para as mesas de ferramentas. Gregório não parou os beijos. Colocou Kyle na mesa e então abriu as pernas dele. O garoto então parou o beijo e pegou algo pesado na mesa, fazendo questão de bater com força na cabeça de Gregório.
– Vamos Alice! – gritou Kyle me estendendo a mão.
Peguei na mesma e então corremos em direção à saída. Kyle subiu primeiro, pois demoraria um pouco devido as torturas. Assim que comecei a subir, Kyle gritou, me fazendo olhar para baixo e ver Gregório, que tentava desesperadamente puxar meu pé. Comecei a chutar ele, mas o mesmo era persistente. Quando estava na porta, peguei a mão de Kyle, mas não adiantou nada, Gregório havia conseguido pegar meu pé, e, como naqueles filmes de terror, eu fui puxada para dentro do porão, certa de que eu não sairia dali. Não viva, pelo menos.
***
Assim que caí no chão, devido ao fato de eu ter sido puxada por um psicopata como Gregório, tentei com todas as minhas forças chutar ele. Suas mãos lutavam, parando aos poucos tanto as minhas mãos quanto as minhas pernas. Ele já estava tomando todo o controle do meu corpo, e já não sabia mais como lutar.
– Para! – gritei.
Gregório não respondia, usava cada vez mais a sua força para me neutralizar. Quando finalmente desisti e deixei ele vencer, fechei os olhos e imaginei uma forma mais fácil de escapar dele.
– Eu te amo. – disse tentando uma tática similar à de Kyle.
– Mentirosa!!!! – gritou Gregório me assustando.
Ele não poderia ser dobrado agora.
Pegou-me pela cintura e me carregou até o lugar onde Kyle havia sido posto. Só esperava que ele não tentasse fazer as mesmas coisas que ele fez com Kyle. Pegou uma corda firme e fez alguns nós, amarrando bem. Em seguida, me amarrou no mesmo lugar e na mesma posição dele.
– Gregório cansado salvar pessoas não amam.
– Mas eu te amo. – respondi na esperança de soar sincero, mesmo não tendo entendido nada que ele tenha dito.
– Para de mentir! – gritou ele.
Gregório foi então até a mesa de ferramentas. Não consegui enxergar nada, até ele parar na minha frente e me mostrar uma furadeira.
– Não! – disse desesperada. – Por favor não.
– Garotas devem aprender não brincar com coração de Gregório.
Respirei ofegante, transpirando nervosismo enquanto ele ligava a mesma na tomada. Comecei a pensar no que teria acontecido se eu ainda estivesse no sanatório. Provavelmente eu só seria importunada pela Constance, que eu temia mais do que qualquer um. Porém, naquele momento, eu sentia muito mais medo daquela furadeira do que de Constance. Quando ele a ligou, ouvi o som daquele metal girando e gritei antes dele colocar a mesma no meu braço esquerdo, causando uma dor indescritível, uma dor que ultrapassava limites de outras dores, uma dor que eu nunca tinha sentido. Meus gritos ficavam mais alto a cada segundo, e sentir aquilo me perfurando era horrível. Gregório continuava com sua tortura e após alguns segundos, desmaiei.
***
Acordei com meu braço pingando. Olhei para o mesmo, incrédula por não ter morrido ainda. Comecei então a pensar em Kyle. Não acreditei que ele seria do tipo que me largaria só para se salvar, mas minhas paranoias, só me deixavam mais ciente de que não tinha amigos, ou pelo menos, não aqui. Gregório me olhou enquanto pegava algo metálico e vermelho. Não conseguia imaginar mais nada, nem mesmo raciocinar direito. Ele então veio até a minha direção e segurou meu queixo para olhar diretamente nos meus olhos.
– Você precisa viver. – disse ele colocando aquela peça metálica no lugar onde perfurou meu braço.
Gritei ao sentir minha pele queimar. Minha sonolência tinha ido totalmente embora, e eu só conseguia sentir mais dor do que eu já tinha sentido. Ele então tirou o metal de meu braço e voltou a colocá-lo em uma fonte de fogo.
– Precisa dois lados. – disse ele indicando que faria aquilo de novo.
Fechei meus olhos e só esperei sentir o fogo consumir minha pele. Quando fui surpreendida pelo mesmo, gritei alto, torcendo para que aquilo acabasse logo.
***
– Droga! – disse alguém me acordando.
Abri meus olhos lentamente e encarei Kyle examinando meu braço.
– Ele foi bem mais longe dessa vez. Não imaginei que ele faria isso com você.
Tentei falar, mas eu estava muito fraca para qualquer coisa. De repente, ouvi o som de uma faca cortando as cordas que me prendiam. Cai no chão em cima do meu sangue fresco, e comecei a sentir uma dormência em meus braços, seguidos pela dor do esquerdo ter sido furado.
– Alice levanta. – disse Kyle. – Não temos muito tempo, ele vai voltar em breve.
Comecei então a me mexer, ainda lenta por não conseguir assimilar tudo que Kyle me dizia. Levantei-me e fui atrás de Kyle, parecendo estar desnorteada. Kyle me guiou até a escada, onde subi aos poucos, tratando de não esforçar muito o meu braço. Quando cheguei lá em cima, cai no meio da grama e das folhas. Encostei-me na árvore e descansei um pouco para tentar recobrar o meu sentido original. Apesar de tentar, era difícil, ainda mais com Kyle me obrigando a correr. Passamos por diversas árvores, e eu sabia que estávamos chegando perto de algo, mas fomos surpreendidos por uma faca, que veio voando até atingir um dos pinheiros ao nosso lado. Recobrei um pouco mais da consciência e percebi que Gregório estava atrás da gente.
– Corre Alice! – gritou Kyle, me puxando pelo braço direito, tentando me manter viva.
– Você não o matou? – perguntei incrédula.
– Não tinha tempo.
Soltei-me de Kyle, que continuou correndo enquanto eu diminuía meus passos até parar por completo. Ele percebeu o que eu tinha feito e veio até eu, desesperado por Gregório estar se aproximando.
– Alice, vamos! – gritou ele.
– Não posso Kyle. – respondi tirando sua mão do meu braço. – Se quiser ir pode ir, mas eu tenho que matar ele.
Eu estava determinada. Kyle, pelo contrário, estava com muito medo de acabar nos braços de Gregório novamente. Ele então foi em direção aos arbustos ali perto. Esperei um tempo até que Gregório me encontrasse.
– Você fugiu. – disse ele ao ficar de frente comigo.
– Não vai acontecer de novo. – respondi de modo meigo e confiável.
Olhei para a mão dele e vi a furadeira. Ele parecia estar preparado para atacar, mas ao invés disso, eu o beijei. Gregório me abraçou enquanto o beijava. Precisava de alguma forma pegar aquela furadeira. Continuei beijando, até ele me soltar e cessar o beijo. Eu então sorri para ele.
– Eu te amo. – disse a ele, antes de voltar a me beijar.
Assim que senti sua língua na minha boca, tive uma ideia. Peguei-a com os dentes, cerrando-os na ponta da mesma e puxando com tudo para fora. Eu ouvia as tentativas de gritar dele, mas eram fúteis. Quando a língua foi totalmente arrancada e minha boca encharcada de sangue, cuspi ela e olhei para o chão, onde a furadeira tinha caído. Fui até ela e a peguei. Gregório tentou me atacar, então liguei a furadeira, apontei-a para cima e fechei os olhos. Quando os abri novamente, Gregório estava com um buraco enorme na cavidade ocular, em um tamanho absurdo se comparado ao meu braço. Ele caiu no chão e eu larguei a furadeira junto ao seu corpo.
– Porra Alice! – gritou Kyle, que tinha saído da moita em que tinha se escondido. – Você é insana!
Olhei para ele com um leve olhar de felicidade com arrependimento.
– Eu sou só vítima das consequências. – respondi andando no caminho em que eu e Kyle havíamos corrido antes.
Aproximamo-nos da estrada, e eu senti um calafrio ao ver o carro que matara os dois policiais. Olhei para Kyle, e nós dois começamos a andar pela estrada na direção oposta à de Creedmoor. Eu estava finalmente livre, não tinha obrigação nenhuma de voltar naquele lugar em que me deram como louca. De repente, alguém acertou algo na minha cabeça. Quando caí, olhei para cima procurando um rosto familiar e vi Kyle com uma pedra na mão.
– Por quê? – perguntei, esperando que ele fosse me matar naquele momento.
– Creedmoor. – respondeu ele me preocupando. – Temos que voltar.
Em seguida, ele acertou a pedra no meu rosto, me fazendo desmaiar.
1963.
– Você sabia naquele momento que o Kyle era maníaco? – perguntou Beatrice.
– Não sabia. – respondeu Alice. – Mas afinal, quem sabia? Ele não demonstrava ter algum transtorno de bipolaridade.
– Nem você apresentava traços de esquizofrenia.
Alice olhou para ela e, antes que pudesse dar uma resposta grosseira, Noah entrou no quarto, assustando a garota.
– Vim trazer o remédio dela, preciso de privacidade. – disse ele ordenando que Beatrice saísse do quarto.
– A gente continua isso mais tarde. – comentou Beatrice, que segurou a mão de Alice antes de sair do quarto.
Alice olhou para Noah com medo. O mesmo deu o copinho para ela, que engoliu rapidamente os remédios.
– Cuidado querida. – disse ele passando a mão no cabelo dela. – Não quer mata-lo, não é?
Alice então olhou para a sua barriga, que estava enorme.
– Não... – ela parou e pensou antes de responder. – Não quero matar o nosso filho.
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