Irrevocably gone - Parte I
Uma garotinha de cinco anos corria apressada até a sua cama, subindo com um salto ágil e se enrolando debaixo das cobertas até o queixo. Os cabelos negros dela – iguais de sua mãe – estavam revoltos por ter acabado de sair do banho. Ao avistar a mulher se aproximar, encolhia-se mais ainda roçando o corpo no colchão macio.
— Mamãe, mamãe! Conta uma história, por favor.
— Claro, querida. — A mulher dizia gentilmente, puxando a cadeira de madeira para o lado da cama e pegando um livro. — Vou contar a história da Bela Adormecida.
— Essa não, mamãe. Eu quero algo diferente. — Pedia fazendo um biquinho fofo em seus lábios pequenos.
— Eu tenho uma que você vai gostar.
— Eba! — A criança exclama alegre.
Um sorriso surge nos lábios da mulher que, ao ver a animação de sua filha, cruza as pernas e observa a lua cheia através da janela.
— Aconteceu há muito tempo atrás. — Ela dizia em um tom nostálgico. — Onde ainda havia conflitos entre os reinos.
xxx
E se foi a princesa que salvou o dragão?
As criaturas mágicas que habitam no mundo vivem em harmonia; fadas, bruxas, dragões, elvos e até mesmo os demônios – ao menos alguns deles – conviviam com as diferenças. Para evitar qualquer conflito, o território foi dividido pela raça em reinos e cada um deveria respeitar as regras do outro. Dentre eles, havia o Reino Kami no doragon formado pelos dacronianos, seres com fortes ligações aos répteis voadores.
Antigamente, os dragões usavam a forma humana para enganar jovens e conseguir reproduzir a sua raça. Dessa união, nasceram os dacronianos: uma mistura de humanos em sua aparência e possuem poderes de dragões, além de poderem se transformar em seus ancestrais. Essa raça é dividida em quatro clãs, onde o critério seletivo baseava-se nos elementos que cada dragão controlava.
O clã Hariken é formado por dacronianos que dominam o elemento ar, transformando-se em dragões de bela coloração clara e asas majestosas. Respeitados por todos, os Hariken's são conhecidos por suas incríveis habilidades de cura e estratégia. Ao lado do território deles, havia uma imensa ilha onde habitava o clã Aranami, composto por indivíduos que manipulam a água e são conhecidos por seu temperamento calmo, além de ótimas técnicas medicinais. A forma dragão dele equiparava-se à monstros marinhos.
O clã Jishin possuía poucos membros e viviam de colheita. A afinidade deles é com o elemento terra e podem proporcionar terremotos ou avalanches com enorme facilidade. Seu território era do outro lado dos Hariken's e ambos tinham uma boa convivência. Ao se transformarem, tornam-se dragões de coloração acinzentada e suas escamas são repletas de espinhos.
Por final, havia o clã Eien no hono e é conhecido como o mais perigoso dentre eles. Com uma personalidade forte, os draconianos que moram nessa região possuem incríveis habilidades em lutas corporais e podem queimar seus oponentes com facilidade por dominarem o elemento fogo. Na forma dragão, mostram toda sua graciosidade com escamas cintilantes vermelhas e enormes asas da mesma cor. Os membros desse clã são difíceis de lidar por causa do seu temperamento agressivo, mas também são pessoas justas e honestas pois seguem à finco o código de guerreiros – um conjunto de regras criadas por eles mesmos para organizar a sociedade.
Os quatro clãs viviam lado à lado, coexistindo em completa harmonia por causa do Reino Kami no doragon. Ele ficava no centro, comandado pelo Rei Ruschel. Um homem de sabedoria e compromisso inigualável, cuidando para que todos os clãs e seu território possuíssem riquezas e recursos em abundância. Ruschel é um draconiano de uma raça especial, chamada Raitosukeru, descendentes de dragões divinos que dominam o elemento Luz.
Além deles, possuíam a sexta e última raça, Dakuu okazu. Esse tipo de dragão existia entre as trevas, causando a guerra entre os reinos e sendo responsáveis por a exterminação de diversas raças. Uma luta entre eles e os Raitosukeru's ocasionou grandes perdas para ambos os lados, mas os dragões de Luz saíram vitoriosos. Desde então, a raça derrotada perdeu sua existência conforme os anos se passaram e dizem que foram extintos. Em contrapartida, os Raitosukeru's perderam quase todos da sua espécie, restando somente um casal. Eles tiveram uma linda filha, responsável por ser a sucessora de sua raça.
A morte da esposa de Ruschel abalou todo o Reino Kami no doragon, principalmente porque ela morreu aos poucos devido a uma misteriosa doença. Entrando em desespero, o rei fez de tudo para proteger sua filha mas, certo dia, ela foi raptada por um membro das bruxas e sumiu para sempre – pelo menos, era o que as lendas diziam.
Porém, alguns anos depois, Ruschel anunciou em público que sua filha ainda estava viva e somente um draconiano de bom coração poderia salvá-la da torre onde se encontrava presa. Foram várias tentativas de chegar até o local, mas o número de mortes só aumentava. Todos os anos, os clãs mandavam um de seus melhores guerreiros para entrar nessa jornada. Como sempre, eles falhavam e morriam antes mesmo de poderem retornar para suas casas. Esse ano, quatro nobres guerreiros estavam dispostos a arriscar suas vidas pela princesa e protegerem todo o reino.
Afinal, se um dia os dragões das trevas voltarem e a espécie da luz estiver extinta, o mundo entrará em colapso e todos os reinos serão sucumbidos ao sofrimento eterno.
— Os guerreiros chegaram, meu senhor. — Anunciava um servo, mantendo a cabeça baixa e os joelhos ao chão.
— Chame-os imediatamente, Parvalon. — Ele dizia com autoridade.
O servo apenas assentia com a cabeça, saindo em passos apressados para fora da sala. O rei batia inquietamente o anel de ouro sobre o braço do trono da mesma propriedade. Os cabelos brancos pelo tempo caíam majestosamente sobre seu rosto, onde havia uma barba para fazer. Os olhos azuis dele analisavam os quatro rapazes que adentravam o salão real. Em um solavanco, o homem ficava de pé e abria os braços enquanto dizia:
— Bem vindos, nobres guerreiros. Sei que foram escolhidos aqui por suas incríveis habilidades e também imagino que já saibam o motivo de estarem nessa missão.
Os quatros concordavam com a cabeça, permitindo que o rei prosseguisse.
— Como todos do reino sabem, minha filha está há dez anos presa em uma terrível torre além das fronteiras daqui. Vocês precisarão enfrentar qualquer tipo de perigo e arriscar suas vidas para salvá-la. A recompensa é toda a riqueza do reino para o clã vencedor. Eu compreendo muito bem a dificuldade da missão. — Dizia de forma amável. — Mas peço que a tragam de volta o quanto antes, sinto falta dela.
Eles continuavam em silêncio com os joelhos ao chão, mantendo a cabeça baixa e atentos às palavras do rei.
— Os perigos que enfrentarão nessa jornada são inevitáveis, mas devo alertar do último deles: Um dragão da linhagem das trevas.
A expressão de espanto dos quatro era perceptível, mesmo mantendo o silêncio.
— Quero que o matem à todo custo. Se um Dakuu okazu ainda existe no mundo, toda a segurança do reino está comprometida. Ele possuí um poder imensurável, por isso peço que unam forças para derrotá-lo. Sejam uma equipe. — Ruschel aconselhava preocupado. — Agora, apresentem-se em nome de seus clãs.
— Erick Boulevard. — O primeiro deles se pronunciava.
Erick Boulevard faz parte do clã dos dragões do ar, Hariken, e é conhecido por todos na sua aldeia pela inteligência acima da média. Mesmo sendo alto, não possuía tantos músculos e apresentava uma masculinidade sutil. Seus cabelos prateados tinham pontas revoltas e eram um pouco abaixo das orelhas. As íris violeta cintilavam através das lentes de seus óculos, refletindo a luz que invadia o local. Erick gostava de se gabar por causa da sua inteligência e espalhar para todos o conhecimento que possuía.
— Richard Flerkins. — Outro dizia ao ficar de pé ao lado de Erick.
O rapaz tinha uma pele levemente bronzeada, cabelos castanhos claro longos com pontas avermelhadas que tocavam os seus ombros. Ele era mais alto que Erick e bem mais musculoso, seu porte atlético era perceptível mesmo por cima da camisa branca que usava. Em seu braço direito havia uma tatuagem, um dragão que circulava toda sua pele. Seus olhos dourados analisavam o ambiente e permanecia com a expressão séria. Richard era muito quieto e odiava diálogos, tanto pela timidez quanto pela falta de confiança em si mesmo.
— Zayn Acalântis.
Um rapaz fica de pé, mostrando seu porte físico mediano e sendo o mais baixo dentre os quatros. Algumas mechas de seu curto cabelo azul caíam sobre o rosto, cobrindo um pouco os olhos da mesma dor. Um cachecol azul e branco estava enrolado em seu pescoço, combinando com o restante de suas roupas. Ele fazia parte do clã Aranami, manipulando o elemento água e vivendo na ilha perto daquela região. Zayn possuía uma personalidade introvertida e baixa autoestima.
— Nathaniel Rocco.
Por fim, o ruivo se pronunciava ao se levantar fitando intensamente o rei com seus olhos verdes. Seu corpo musculoso se destacava dos demais, além das incríveis habilidades em luta. Sua orelha era repleta de piercing's e usava um bracelete prata com o símbolo do seu clã: Eien no hono. O olhar de Nathaniel tinha o poder de intimidar qualquer imponente, além de não sorrir com facilidade. Sua personalidade de bad boy já trouxe muitos problemas para a família e por isso foi expulso de casa, sendo criado pelos mestres de seu clã. Uma tatuagem circulava seu ombro esquerdo, passando pelas costas em um giro e terminando na bochecha direita – perto do olho.
— Boa sorte e que o melhor vença. — Anunciava o rei.
xxx
Os quatro rapazes caminhavam em completo silêncio, prestando atenção no caminho. Eles já haviam saído do território dos draconianos há uma hora e agora estavam na frente de uma densa floresta. A fama daquele local era reconhecido por vários: A floresta onde as almas se perdiam.
Dando pouca importância, o grupo adentra o local sendo "recebido" por uma densa neblina escura.
— Tem algo errado acontecendo aqui. — Alerta Erick. — Por que toda essa neblina?
— E eu lá sei? — Indaga Nathaniel.
— Vamos voltar, é melhor desistir. — Anuncia Zayn com a voz trêmula, dando alguns passos para trás.
Richard permanecia em silêncio, alheio ao diálogo dos demais.
— Nós não podemos desist... — A fala de Erick é interrompida quando o jovem gira entorno do próprio eixo, percebendo que estava sozinho. — Pessoal? Alguém?
Os quatros acabaram se separando ao perderem o foco em meio à densa neblina. Zayn engolia seco, abraçando o próprio corpo assustado e olhando ao redor. Não ousou chamar por ninguém, pois temia que sua voz atraísse qualquer criatura maligna. Ele também permaneceu na forma humana, afinal voar parecia uma péssima ideia no momento.
Do outro lado, Richard continuava sua caminhada com o olhar fixo no horizonte. Não parecia demonstrar medo nem qualquer outra emoção, até ouvir uma voz suave chamando o seu nome. Ao se virar, o moreno deu de cara com a sua falecida mãe pedindo para que a seguisse. Então, ele a obedeceu se distanciando mais ainda dos demais.
Nathaniel resmungava baixinho com as mãos no bolso, parando de andar ao ouvir as vozes de seus pais o chamando de inútil. Ele tapou os ouvidos, claramente incomodado ao relembrar de tais lembranças dolorosas, e saiu correndo para longe dali.
— Isso é péssimo. — Murmura Erick andando em passos lentos.
— Querido, venha para cá.
Aquela voz feminina era familiar. Ao virar o corpo, deu de cara com sua antiga namorada o chamando com um sorriso meigo nos lábios.
— Erick, vamos. — Ela dizia esticando a mão em sua direção.
O albino se aproximou lentamente, esticando sua mão em direção à bela dama até que parou de andar alguns centímetros dela. A jovem continuava a chamá-lo com um sorriso, mas foi em vão. Erick erguia os óculos – que escorregavam pelo seu nariz – com a ponta do dedo indicador e um sorriso confiante surgiu em seus lábios.
— Ela não me chamava de Erick.
A ilusão mudou sua forma, tornando-se uma mulher com o corpo deformado e olhos vermelhos. Uma banshee, pensava o rapaz. A criatura soltou um rugido e sumiu entre as árvores. Naquela região, a neblina ficava menos densa.
Erick deixou um brilho prata percorrer seu corpo, transformando-se em um dragão cinza e gigante. Suas enormes asas bateram contra o ar, dissipando a neblina e aumentando o seu campo de visão. Com um solavanco, ele voou baixo pela região procurando os demais.
Richard mal percebia que caminhava em direção a um penhasco, sendo embalado pela voz suave de sua doce mãe. Quando faltava apenas um passo para uma morte terrível, o moreno escutava um rugido agudo que o tirava de seu transe. O dragão voava majestosamente pelo céu e mostrava os dentes afiados para a ilusão. A mulher sumia como fumaça e a neblina diminuía aos poucos, como havia feito anteriormente.
— Hã? — O moreno abaixava o olhar, recuando alguns passos assustados ao ver a altura. — O que...?
O dragão pousou no chão, soltando uma lufada de ar e seus olhos pratas percorreram o ambiente. Como não havia nenhum sinal dos demais, Erick "cuspiu" uma massa de ar que abriu caminho até a saída de floresta. Logo após, voltou a voar e sumiu entre as altas árvores.
Nathaniel não conseguia ouvir os próprios pensamentos, sendo afetado pelos olhares de desprezo que recebia de seus pais.
— Vão embora! Deixem-me em paz! — Ele gritava com os olhos fechados, até tropeçar no chão e cair de joelhos. Ao erguer o olhar, deu de cara com uma adaga presa ao tronco de uma árvore.
— Vamos, faça isso. Você sempre será um inútil, então dê um jeito na sua vida miserável. — As vozes continuavam a ecoar por todos os cantos da floresta.
O ruivo puxou a adaga para perto, apontando-a para o pulso enquanto um olhar vazio tomava-lhe a face. Porém, não prosseguiu o ato quando uma forte ventania jogou a arma para longe. Seus olhos verdes percorrem o ambiente, dando de cara com um dragão que soltava o ar pela boca, revelando – através da manipulação do ar – qual o caminho da saída.
Os dois não trocaram palavras, apenas olhares, mas um agradecia internamente à ajuda do outro. Então, Nathaniel saía correndo dali sem olhar para trás e ignorando as vozes. Algo em seu interior dizia que tudo não passava de uma ilusão.
Enquanto isso, Zayn estava encolhido em um canto abraçando as pernas. Um estranho vulto o perseguia minutos atrás e já havia perdido completamente a esperança de sair daquele lugar tenebroso. Então, a banshee aproximava a mão – com dedos longos e finos – da cabeça do azulado, a fim de ceifar sua vida o mais rápido possível.
Felizmente, o rugido de Erick assustou a criatura e o dragão pousou na sua frente, abrindo as asas e erguendo as patas como sinal de todo seu poder. A banshee mostrou os dentes, grunhindo descontente. Então, o dragão começou a manipular o ar ao seu redor enquanto batia as asas, criando um redemoinho ao redor do monstro até que ele ficasse completamente impossibilitado de sair e mais enfraquecido.
Em um movimento repentino, o dragão voava em uma velocidade acima do que o olho humano pudesse acompanhar e parava do lado de fora da floresta. Ao girar entorno do próprio eixo, as escamas começavam a brilhar e ele voltava a forma humana.
— Vamos. — Erick dizia como se nada tivesse acontecido.
— O que aconteceu lá dentro? — Questiona Nathaniel confuso.
— Simples, meu caro. — Ele respondia com seu típico tom de arrogância. —Vocês foram alvos de um truque barato, feito por uma banshee.
— E como você não foi afetado também?
Desta vez, era Zayn que perguntava enquanto Richard – como sempre – permanecia calado.
— Eu percebi falhas na ilusão e, de forma rápida, pensei em algum meio para burlar essa armadilha de quinta categoria. Não foi difícil, só precisei usar a manipulação do ar para ter controle sobre as massas de ar ao meu redor. Assim, eu só respiraria aquilo que quisesse respirar.
Era inegável o fato de Erick ser o mais inteligente entre os quatro. Essa breve demonstração foi mais do que o suficiente para que compreendessem o porquê dele ser o escolhido do seu clã.
(...)
A próxima parada era um vasto campo sem grama ou qualquer forma de vida, devido ao solo duro. Uma nuvem cinza circulava o local, onde uma "chuva" de espinhos grandes e pontiagudo caíam sobre o campo. Logo abaixo, havia uma fileira de esqueletos e as orbes vazias de seus crânios fitavam os quatro viajantes.
Erick apoiou a mão no queixo pensativo, elaborando algum plano e tentando descobrir se havia um padrão.
— Podemos esperar ou fugir. — Zayn opinava.
— Fugir está fora de cogitação, seu medroso! — Exclama Nathaniel com uma expressão de poucos amigos.
— O único jeito de passar é por baixo, já que essa nuvem é muito alta. — Deduz Erick. — Mas como atravessar sem ser atingido pelos espinhos?
Richard apenas dava alguns passos para frente, murmurando a palavra "subsolo" com sua voz rouca e grossa. Então, o corpo do rapaz tomava outra forma transformando-se em um enorme dragão marrom. A sua carapaça era desistente e dura, cheia de espinhos – em forma de placa – que subiam e desciam sutilmente. Com uma lufada de ar, a criatura demonstrou a necessidade dos demais a acompanharem.
— O que ele quer? — Nathaniel pergunta confuso.
— Quer que a gente fique atrás de uma de suas grandes carapaças enquanto ela escava o chão. — Dizia Erick, chegando a tal conclusão devido à sua inteligência.
— Eu "tô" fora. — Zayn comenta dando as costas mas era segurado pela gola da camisa. — E-Ei!
— Não temos muito tempo, seu covarde! — Exclama o ruivo.
Então, mesmo a contragosto, Zayn sobe em cima do enorme dragão e os outros dois o acompanham. Eles ficam atrás de um dos espinhos que se abria para a passagem dos três. Dando um impulso e voando alguns metros, o dragão descia em queda livre em direção ao chão. Erick segurava firme em um espinho menor enquanto Nathaniel engolia seco, tentando disfarçar o medo. Zayn abraçava os joelhos murmurando que ia morrer.
O dragão atravessava o chão como se rasgasse uma simples folha de papel. Suas asas duras e pesadas não serviam para voar como os demais seres da sua espécie faziam. Elas quebravam todas as rochas e minérios do solo, criando uma passagem espaçosa para a enorme criatura. Ao sair do outro lado do campo, formando outro buraco, Richard – em sua forma dragão – pousava de forma bruta no chão e soltava um rugido, balançando o corpo e jogando os três rapazes para longe.
— Ser educado não custa nada, idiota! — Dizia Nathaniel irritado.
O dragão apenas soltou o ar de suas narinas como resposta.
— Acho que quebrei a coluna. — Lamentava Zayn. — Eu vou morrer, foi bom conhecer vocês.
— Para de drama. — Erick comentava ao ficar de pé, dando leves tapas em sua roupa e ajeitando os óculos. — Ainda estamos bem longe.
Richard voltava à forma humana, apoiando as mãos dentro do bolso e voltando a andar.
— Eu pensei que o clã Jishin fosse mais simpático. — Nathaniel provocava com um sorriso ladino. — Mas com esse comportamento, não me surpreende que seja o mais fracassado.
Instantaneamente, Richard parava a sua caminhada e o olhava friamente por cima dos ombros. Em passos lentos, o rapaz se aproximava do ruivo e o puxava pela gola da camisa. Ambos possuíam a mesma altura e porte físico, sendo difícil um intimidar o outro. Porém, o olhar frio de Richard fez todos ali sentirem um frio na espinha. Soltando Nathaniel, ele prosseguia andando e evitando contato visual com qualquer um deles.
— Você podia falar menos. — Erick adverte, seguindo o moreno.
— O que? Eu não disse nada demais! Eu só disse a verda-...
— Shi. — Zayn aponta o dedo indicador sobre os próprios lábios. — Fique calado, é o melhor.
Bufando irritado, Nathaniel revira os olhos e seguia os demais.
(...)
— Ótimo! Era só isso que me faltava! — Exclamava Nathaniel apoiando ambas as mãos na cabeça, andando de um lado para outro. — Temos que atravessar o oceano para encontrar a droga da princesa?! Humpf!
Os quatro guerreiros estavam à beira da praia, observando as enormes ondas que se formavam em alto mar. Do outro lado, havia o continente onde habitava a princesa – junto com o último desafio – além do dragão negro.
— Há uma solução para tudo. — Erick dizia na tentativa de acalmá-lo. — Afinal, vocês têm à mim. Eu conseguirei um plano infalível.
Richard dava nos ombros, ainda sem falar nada. Ele odiava com todas as suas forças a água e se molhar não era uma opção ali.
— E enfrentar monstros marinhos faz parte do seu plano? — Questiona Nathaniel e Erick o fuzila com o olhar. — Quer brigar?
— C-Calma, amigos. — Zayn disse nervoso.
— Eu não sou seu amigo! — Exclama o ruivo.
— Zayn pode abrir o mar ao meio e, assim, nós atravessamos. — Erick diz com brilho no olhar, esperançoso no sucesso desse plano. — Você é do clã Aranami, garanto que um pouco de água não é páreo para suas habilidades.
— Eu não farei isso!
— Por que, Zayn?
— Eu vou falhar, eu sei que vou.
Zayn sentava na areia, abraçando as pernas e balançando o corpo.
— Nós precisamos de você, Zayn! — Disse Erick com firmeza em sua voz.
— Eu já disse que não consigo!
— Como assim não consegue?! — Exclama Nathaniel chamando a atenção de todos ali. — Você acha que atravessamos a droga de uma floresta assombrada e um túnel no subsolo para desistir?! Acha que treinamos durante anos para desistir?! Todos nós abrimos mão de algo para estar aqui e sei que com você não é diferente. Então, vai continuar se lamentando por algo que sequer tentou ou vai abrir a droga do mar?
Zayn erguia o olhar surpreso com tais palavras, sentindo as lágrimas escorrerem por seus olhos. Ele sempre teve medo de tudo, pois seus pais eram superprotetores. Porém, quando foi escolhido para o exército dos Aranami não teve outra escolha senão treinar arduamente. Mesmo sendo o mais medroso dos soldados, ele precisou lutar contra o medo para não ser expulso e voltar para casa de "mãos vazias". Por isso, havia determinação em seu olhar quando ficou de pé e caminhou em direção ao mar.
— Certo, eu farei isso.
O garoto de cabelos azuis erguia ambas as mãos em direção ao oceano e, lentamente, a água começa a se mover até abrir como se houvesse uma enorme rachadura no meio. Mesmo sendo pacíficos, os Aranami's eram conhecidos pelo grande desenvolvimento de suas habilidades. Eles podiam manipular o elemento designado sem precisar ficar na real forma. Porém, como um meio de precaução, Zayn se transformava em dragão para aumentar seu nível de poder.
Em sua forma dragão, o rapaz se transformava em um ser de completa elegância. Seu corpo era esguio e azul como a água, as escamas com um brilho sutil. Ele possuía um longo bigode fino preso na ponta de seu nariz achatado. Sua raça draconiana assemelhava-se aos dragões chineses das lendas antigas. Apesar da postura harmônica da criatura, seus dentes pontiagudos e olhos dourados como bolas de luz serviam para amedrontar.
Os três guerreiros começavam a avançar pelo meio do mar, andando sobre a areia do fundo do oceano e olhando os paredões d'água mantidos em pé devido ao poder de Zayn. O dragão os acompanhava logo atrás, percebendo alguns monstros marinhos tentavam atravessar a barreira. O medo o fez recuar, encolhendo seu corpo comprido como forma de reprimir o que sentia.
— Eles não podem passar, não é? — Nathaniel dizia desconfiado.
O dragão rugia baixinho em resposta.
— Eles estão conseguindo fazer a barreira tremer. — Afirma Erick. — O que faremos?
Richard observava tudo apreensivo pois não sabia nadar e, se a barreira se partisse, seria o primeiro a morrer.
Zayn precisava enfrentar o seu medo, por isso atravessou a barreira e começou a nadar em direção aos monstros. Enquanto isso, os demais rapazes apressavam seus passos para cruzar o oceano o mais rápido possível.
Todos os oponentes que o dragão enfrentava eram derrotados facilmente devido à sua força e agilidade na água. Porém, um enorme peixe com dentes afiados surgiu de uma corrente marítima e se movimentou mais rápido do que o previsto. Então, abocanhou o corpo de Zayn e o sangue se espalhou pela água.
— Ele vai morrer! — Exclama Nathaniel preocupado. — Precisamos fazer algo.
— Não há nada que possa ser feito, Nathaniel. Nós não somos preparados para esse tipo de combate, então só nos resta confiar no Zayn.
— Mas, Erick...
— Vamos andar mais rápido.
E assim, os três apressam seus passos ainda preocupados com o dragão que lutava com o monstro marinho. Zayn enroscava seu corpo ao redor do peixe, mordendo as costas dele enquanto ambos giravam na água. Ele recusava-se a fugir como sempre fez durante toda a sua vida, pois agora sentia que tinha determinação para lutar. O combate foi curto mas causou danos para ambos os lados. Por sorte, o peixe gigante recebeu uma mordida em sua cabeça que fora arrancada logo em seguida.
Logo após, o dragão nadava pelo oceano até chegar em terra firme onde os outros guerreiros o aguardavam. A barreira d'água foi quebrada e o mar voltou ao seu estado original. Zayn ficou na forma humana, caindo na areia com o corpo cheio de machucados.
— Precisamos tratá-lo. — Dizia Erick ao se aproximar, erguendo o companheiro em seus ombros. — Mas eu já estudei o mapa dessa região, não podemos parar agora. Temos que atravessar as ruínas da morte.
— Ruínas da morte? Sério? — Nathaniel questiona incrédulo. — Por que nunca passamos pelo desfiladeiro do amor? Ou o jardim da paz?
Zayn tossia cuspindo sangue e todos ficam alarmados com a situação.
— Talvez a princesa possa ajudá-lo. — Dizia Richard.
A situação de quase morte de Zayn e o perigo iminente das ruínas não eram uma causa de espanto, tornando-se meros detalhes comparados ao fato de Richard falar. A voz rouca do rapaz ecoou entre o ambiente e todos os outros o encararam com os olhos arregalados, até mesmo Zayn que estava morrendo demonstrou surpresa. Richard deu nos ombros, colocando as mãos no bolso como se não tivesse dito nada demais.
— O que ele quis dizer?
— A princesa é da linhagem Raitosukeru, um dragão da luz. — Erick comenta com brilho no olhar, entendendo a intenção de Richard. — Ou seja...
— Eles possuem o poder da cura através da luz. — Conclui o ruivo. — Então, vamos logo!
Zayn ficou nas costas de Richard por ser o mais forte fisicamente entre os três. Erick seguiu na frente do grupo, analisando o mapa entre suas mãos. Nathaniel estava com uma espada em sua mão, atento à qualquer perigo. Eles passavam por ruínas de estilo greco-romano, pedaços de rochas utilizadas nas construções eram encontrados por todo o território.
De forma súbita, uma voz suave ecoou entre as ruínas e os guerreiros perceberam algum ser rastejando-se pelo local. Então, todos travam de medo ao verem uma mulher metamorfo de cobra e humano. Ela não possuía cabelo, no lugar havia várias serpentes que se moviam por vontade própria.
— É a Medusa. — Erick dizia fechando os olhos e os demais fazem o mesmo. — Tomem cuidado!
— O que faremos? — Questiona Nathaniel preocupado.
Antes de obter uma resposta, a Medusa batia sua enorme cauda contra a barriga de Richard, fazendo-o voar para longe junto com Zayn que estava em suas costas. Ela jogava uma rocha contra Erick e ele rolava no chão com alguns ferimentos. Como a mulher podia se mover conforme sua vontade, aproveitava que os guerreiros estavam de olhos fechados para brincar com o medo deles.
O corpo do ruivo se retrai, temendo ser o próximo. Quando a cauda da criatura vai em sua direção, ele jogava o corpo para o lado desviando do golpe.
— Como você conseguiu?!
Medusa parecia irritada com a agilidade de seu oponente.
— Meu clã é especialista em ataques furtivos, estamos preparados para qualquer situação.
— Você não é páreo para mim!
A criatura tentava golpeá-lo com a cauda novamente, mas Nathaniel desviava com a mesma destreza que antes. Porém, desta vez, a ponta da cauda foi capaz de tocar sua mão e o fazer largar a espada para longe. Ele sentia que podia passar horas assim, mas lembrou do estado de Zayn e a necessidade de terminar logo com o combate falou mais alto.
— Você sabe, não é?! É como diz o ditado... — Nathaniel começava a dizer, usando um tom provocativo em sua voz.
— Que ditado? — Ela franze o cenho confusa.
— Quem brinca com fogo, acaba se queimando.
O corpo do ruivo mudava de forma, transformando-se em um dragão de escamas vermelhas e um enorme par de asas. Os músculos de suas patas eram visíveis e sua longa cauda balançava para os lados. Ele abriu a boca, expondo a fileira alinhada de dentes afiados e cuspindo uma rajada de fogo. De forma instantânea, Medusa foi reduzida à pó devido ao nível de poder utilizado.
Zayn estava desacordado e Richard dava leves batidas em sua bochecha, mas o azulado só fazia resmungar. Erick puxava os dois para se aproximarem do dragão vermelho, esse abaixava o corpo para que os demais subissem em suas costas. Após tal feito, Nathaniel começava a voar e atravessava as ruínas da morte – que agora não matariam ninguém – em questão de segundos. Suas belas asas vermelhas cortavam o ar, voando rapidamente pelo céu de forma elegante.
Porém, ao avistar um castelo em ruínas, ele precisou pousar no chão e voltar para a forma humana. O ambiente estava deserto, as paredes cobertas por musgo e algumas plantas rasteiras. Não havia nenhum sinal de porta ou janela, somente uma torre alta com uma pequena abertura no topo.
— É aqui... — Erick murmura ajeitando os óculos. — Prontos?
— Prontos não estamos. — Nathaniel resmunga. — Mas não há outra opção.
— Eu vou ficar aqui... – Zayn murmura com a voz fraca. — Eu não consigo avançar.
— Ninguém fica para trás. — Rebate o ruivo com um olhar sério. — Ninguém.
Richard acena com a cabeça concordando.
O diálogo deles era interrompido por um rugido estrondoso. O chão começa a tremer e toda a escuridão ao redor deles torna-se mais tensa. O ar fica pesado, difícil até mesmo de respirar. Os passos se aproximam e todos sentem os pêlos se eriçarem ao se depararem com um par de olhos dourados dentro da densa neblina que rodeava o local.
— Preparem-se... — Erick começava a dizer.
— Pois esse é... — Richard ousava falar sem tirar os olhos da critatura.
— O nosso último... — Zayn comenta cuspindo um pouco de sangue.
— Desafio. — Completa Nathaniel.
Então, a misteriosa criatura avançava contra os guerreiros.
xxx
— Agora é hora de dormir!
A mulher dizia ao perceber que o tempo havia passado tão rápido, mas a pequena criança continuava com seus olhos fixos nela. Não havia nenhum sinal de sonolência.
— Mas, mamãe... Isso é injusto. Eu não vou conseguir dormir se não souber o final.
— O seu pai chegará daqui à pouco do trabalho e ele vai te dar uma bronca por ficar acordada até tarde. — Ela adverte. A pequena fazia um biquinho de triste e ela suspira alto. — Tudo bem, tudo bem.
— Uhul!
— Então, a tal misteriosa criatura avança contra nossos nobres guerreiros...
— E que criatura era essa, mamãe?
— A mais tenebrosa do reino dos dragões: Um Dakuu okazu, um dragão das trevas.
xxx
Conceitos:
Hariken: Furacão
Aranami: Onda áspera
Jishin: Terremoto
Eien no hono: Chamas eternas
Kami no doragon: Mordida de dragão
Ilustrações:
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro