O céu estava verde.

Nem era como já tinha visto antes, aquela ilusão estranha que acontecia quando vinha trovoada que tornava as nuvens num cinzento esverdeado igual a quem ia vomitar eletricidade, ou, pior, como havia antes de vir um tornado. Não, isto não era uma ilusão causada pela forma das nuvens, qualquer coisa imperceptível de física que fazia com que a luz do sol parecesse menos azul que o costume. Era impossível que assim fosse, porque não havia nem uma única nuvem no céu de verão. E mesmo assim, o céu estava verde.

Tirou o telemóvel e tirou uma foto, só mesmo para confirmar se o que estava a ver não era uma alucinação nem uma ilusão de óptica. Beliscou-se para garantir que não estava a dormir, e depois mandou a foto para uma das pessoas que conhecia no estrangeiro. Se calhar aquilo era só um fenómeno local?

Abriu o browser do telemóvel e pesquisou por respostas no navegador pré-definido. Depois viu que estava no Yahoo ou no Bing ou em coisa do género, e voltou atrás para garantir que estava a usar o Google, acabando numa lista exatamente igual de websites noticiosos e uma lista ligeiramente diferente de publicidades. Saiu da varanda para onde tinha ido, sem pensar, no seu estado de choque, e ligou a televisão enquanto lia os artigos que lhe apareciam.

Porque é que o céu está verde? — perguntava uma repórter a um homem de bata branca que a legenda identificou como professor de Ótica numa universidade qualquer.

Bem, pelo menos agora tinha a confirmação de que aquilo estava mesmo a acontecer e não estava somente na sua cabeça. O que, mesmo sendo boas notícias, traziam consigo um novo monte de perguntas.

– A verdade é que ainda não sabemos, – explicou o entrevistado. – Há várias teorias, neste momento, e ainda não houve tempo de fazer testes que as desprovem. Temos que ir pelo processo de eliminação e, por enquanto, ainda não há certezas nenhumas.

Mudou de canal, e viu uma mulher de fato frente a um pódio, a falar. Ministra do Ambiente ou coisa que tal; nunca tinha acompanhado políticas e não reconhecia a cara da rapariga de lado nenhum.

– Ainda há muitas incógnitas. Para já, temos apenas a certeza de que isto não é motivo para alarme.

Os repórteres não pareceram gostar daquela resposta, e a sala de conferência foi inundada por flashes de câmaras e pelo som da multidão a tentar fazer as suas perguntas serem ouvidas sobre as dos outros.

E havia mesmo muitas teorias a serem espalhadas, se havia! O FaceBook estava coberto de teorias da conspiração, como sempre. Uns sugeriam que a mudança da cor do céu se devia ao facto de a terra, sendo plana, se tinha virado de pernas para o ar durante a noite. Outros responsabilizavam Aliens, ou diziam que Deus estava apenas a redecorar a esfera celeste. E claro que havia todo o tipo de fanáticos religiosos a dizer que este era o começo do apocalipse. No Twitter as teorias não eram melhores, mas eram pelo menos acompanhadas por informação em direto de várias partes do mundo, fotos dos telhados de Paris e de Londres contra o novo fundo verde, imagens de zonas rurais, o pânico de pessoas que tinham acabado de acordar e não faziam ideia o que se estava a passar e a expectativa de gente nas Américas a fotografar o céu ainda negro da noite, à espera de saber a cor que o nascer do sol tomaria. Havia um qualquer movimento no Snapchat de mapear as avistações do novo céu para tentar encontrar onde e quando teria começado. O Instagram estava cheio de memes e de humor, de gente a gozar com a situação. A cor verde parecia ser facílima de editar em fotos, o que tinha dado origem a certas imagens hilariantes; outros recoloriam o céu de todos os tons possíveis, escolhendo a que melhor se enquadraria na paisagem ou foto escolhida. No TikTok, contas espalhavam teorias disfarçadas de informação enquanto dançavam sob a luz estranha que enchia o ar. Decidiu nem passar pelo Reddit com receio do que lá haveria.

Havia algumas teorias viáveis que não incluíam magia nem alienígenas. Talvez o céu não tivesse mesmo mudado de cor, era possível que aquilo fosse uma nuvem de pó, similar àquelas vindas do Saara que tornavam o céu laranja. Um fenómeno limitado geograficamente? Outra hipótese sobre a qual se falava era a ideia de um crescimento de cianobactéria a ser atirado ao ar pelo vento e que tivessse continuado a crescer nas nuvens. Ninguém teria visto nuvens verdes a flutuar por aí, dias antes? Ou se calhar aquilo era uma situação de Efeito Mandela ou Berenstain/Berenstein e o céu tivesse sempre sido daquela cor.

Ou talvez o céu tivesse mudado mesmo. Normalmente era azul porque os elementos da atmosfera filtravam a luz do sol, por isso era possível que um desses factores tivesse mudado. Uma erupção vulcânica nas Filipinas estava a ser acusada de "alterar a proporção dos elementos na atmosfera" ou alguma merda assim, como justificação de ter sido tão repentino. Outros temiam que tivesse sido a própria luz do Sol a mudar, o que seria algo possivelmente ainda mais assustador.

Era óbvio que todos lidavam com aquilo de forma diferente. Uns com justificações e teorias para tentar explicar o inexplicável e, dessa forma, se sentirem em controlo. Outros estavam em negação. Uns riam-se daquilo, contando piadas entre si, e outros só se tentavam distrair de outras formas. Havia quem estivesse a criar produtos para vender, quem se estivesse a preparar para o apocalipse e quem, por qualquer razão, estava a continuar a sua vida como se nada se tivesse passado.

Havia menos carros na rua, hoje, e mais pessoas à janela.

Mas desde quanto é que a cor do céu importava? Nunca tinha afetado minimamente a sua vida. E por isso, quando o alarme do telemóvel tocou, voltou à rotina. Pegou nas chaves, no casaco e em tudo o que precisava para sair. Pelo sim pelo não pôs uma máscara na cara antes de trancar a porta do apartamento para seguir para o trabalho. Independente da calamidade que houvesse, tinha de ir na mesma trabalhar... e aquilo nem sequer era uma calamidade, pois não?

Talvez um dia, quando os filhos lhe perguntassem porque é que o céu é verde, fosse a responder com a mesma indiferença que os seus pais usaram quando lhes perguntou a mesma coisa, só com a cor trocada.

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Nota da Autora

Olá!

Oh, o que é isto? Eu não faço a mínima ideia. Estava a tentar adormecer e  veio-me à cabeça, então hoje decidi sentar-me para o escrever. É uma crítica às redes sociais, ou às media todas, tradicionais ou não? Ou uma refleção de como a nossa sociedade tem lidado com a pandemia? Ou o início de um texto maior, onde a invasão por alienígenas ou por magia se torna real? Uma desculpa para fazer edits de memes ou só uma representação surrealista e onírica de uma ideia aleatória e sem sentido?

Quem sabe! É que eu, definitivamente, não sei!

Digam-me lá o que acharam destes meus devaneios. O que é que vocês fariam se acordassem e, ao abrir as persianas, vissem que o céu tinha mudado de cor?