Conto Do Terreiro De Pai João
Em 2018, aconteceu uma coisa extraordinária aqui na casa de umbanda em que eu trabalho. O batuque começou pontual a meia noite. As lamparinas estrategicamente dispostas espalhavam uma luz alaranjada e turva por todo o terreiro.
Naquela noite eu era cambone, exercia essa função a dois anos, por isso que percebi que algo naquela noite não estava normal. Ignorei o pressentimento acreditando que era apenas receio dos acontecidos na cidade, pois, estava virando moda queimar terreiro de macumba, então meu sentido de alerta estava mais aguçado do que o normal.
Os atabaques soaram obedecendo o ritmo que era ditado pelos cuimbeiros.
Foi quando notei que a melodia estava sendo improvisada na hora, já que eu não conhecia aquele ponto.
De repente a vocalista puxa o ponto cantando algo em árabe. Pensei eu "Como assim? Ela não sabe falar em árabe?" Sim, era impossível uma senhora de 73 anos que nunca terminou o ensino médio e que mal sabia escrever soubesse falar algo em árabe.
A vocalista continuou cantando algo inteligível para mim que soava como "Ianti huna que taeal a laa huna cipria ano." Aos poucos os mediuns que giravam começaram a repetir o mantra em coro e o clima do terreiro ficou denso.
As chamas dos candeeiros se encolheram dando espaço ao breu da madrugada, então, o pai de santo cai no chão se contorcendo e gritando seu corpo se contraia em espasmos violentos e a casa silenciou se para dar total atenção aos gritos do pai José.
Então ele se levanta enquanto a música retorna gradativamente, agora, o ritmo é mais lento e baixo. Os cuimbeiros através da música informavam que a incorporação estava completa, pai João agora era receptáculo de alguma entidade e esta iria se apresentar para todos nós do terreiro.
A entidade se pronúncia:
- Saúdo a todos. Apresento-me como Cipriano de Antioquia. Julgo que minha alcunha lhes soe familiar? Pois bem, não é incomum que minha fama preceda os meus feitos, foi assim em vida e prossegue em morte.
Retruco ele:
- Tu veio por ordem de quem?
- Vim pois, proteje-lo-eis. Esta é a minha missão.
Indaguei:
- Prova que você é quem diz ser.
- Como desejas, caro rapaz petulante!
Vi ele vir caminhando em minha direção. Eu estava olhando para pai João mas o rosto transparecia a feição de outra pessoa. Quando ele chega perto de mim, fico paralisado e sinto sua mão deslizar pelo meu rosto e então apago completamente.
Acordei novamente como uma espécie de alma, uma consciência alheia que assistia tudo como flashbacks. As cenas eram nítidas e reais e mostrava um passado distante. Não sei precisar quando foi exatamente ou em qual século aquilo se passava.
Estávamos eu e outro homem andando pela floresta, aparentemente ele estava naquela jornada a mais de três dias. Ele não me viu e continuou persistindo no caminho, seguindo em frente, sempre reto, desviando apenas das árvores que impediam o caminho. Poucos metros a frente ele avistou um casebre perdido no coração da floresta de Pinheiros altos.
Ele aproximou-se e bateu na porta, gritando:
- Curandeira! Por favor ajude minha filha doente!
- Tu não tens filha nenhuma. Voltes para casa, forasteiro narigudo! - Ela bradou com raiva.
- Sois perspicaz - Ele ri - Tenho algo aqui que possa te interessar...
- E, o que seria?
- Um livro vasto de bruxedos de todos os lugares. Sou um bruxo andarilho colecionador de segredos.
A curandeira abre a porta e se mostra sem ter medo algum. Era uma mulher magra, branca e de bochechas rosadas. Sua casa era tão modesta por dentro quanto era por fora.
- O que queres em troca do grimorio que vais me oferecer?
- Quero possuir todos os segredos do mundo.
A moça responde com uma gargalhada alta.
- Para aprender tudo tens que viver mais de mil vidas.
- Então quero que me contes o segredo da longevidade...
- Não serei eu quem te revelará isso, somente o senhor do obscuro é quem pode castigar com tantas vidas quanto tu quiseres. Se tu desejas o vê, apareça acolá na hora morta lhes dando como oferenda, a morte, a vida e a entre vida.
Assim como foi dito o homem o fez...
Ele armou uma arapuca para pegar coelhos esperou pacientemente até capturar sua presa.
O Coelho foi amarrado em dois pedaços de madeiras em formato de cruz e foi lhes furada a garanta em um buraco muito pequeno. Do orifício caia uma gota de sangue que obedecia o compasso dos segundos. E o Coelho ia sangrando enquanto desfalecia, já o homem só observava.
Quando o animal enfim morrera surge da penumbra um ser de aparência peculiar, parecia um misto de homem e servo com grandes cornios e cascos ao enves de pés. A criatura híbrida falou:
- A passagem dos segundos é o que há no entre-meio, vos sois muito esperto. O que desejas?
- Eu desejo a vida eterna! - Disse o homem, muito seguro de si.
- Estas disposto a arcar com as consequências? - indagou a criatura.
- Sim.
- Assim seja feito. - Assente o ser da floresta.
Logo depois o homem cai no sono e a criatura some entre a penumbra. Quando lhes recobra a consciência ele se põe a caminhar pelo mato até reencontrar a casa da curandeira. Chegando lá, constatou que tudo havia virado cinzas.
O caminho até a vila foi de pura angústia, já a chegada só lhes trouxe mais sofrimento. A praça central da vila hostentava o corpo da mulher morta que foi amarrado em duas toras de madeiras em formato de cruz e foi lhes furada a garanta em um buraco onde seu sangue escorria aos poucos.
Depois de vivenciar tudo recobrei a consciência no meu mundo. Eu havia passado dois dias delirando de febre e desacordado.
Após muita reflexão entendi o que a entidade quis me dizer. O espírito desejava que nós, povos de magia, nunca mais enfrentassemos os horrores da caça as bruxas, portanto, ele nos instruiu a derrubar aqueles que depedravam nosso terreiro auxiliando tanto no astral como no mundo físico. Aos poucos, os culpados foram presos pela justiça terrena mas isso só foi possível graças a influência da tal entidade que se identificava como São Cipriano.
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