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[ A CRIADA SEM NOME ]

Conto, A Criada Sem Nome

[Revisado, mas se acharem erros, por favor, avisem]

ELA ESTAVA AJOELHADA no chão há uns bons vinte minutos, os braços de mãos dadas se viam apoiados no encosto do banco da frente. Fazia calor, a noite estava limpa, seus dedos e testa estavam ficando preguentos, os ventiladores fixados nos cantos da igreja haviam queimado naquele mês, um por um devido a queda de energia corriqueira; e não havia dinheiro para o concerto. Nem para a luz do banheiro, e nem para uma nova mão de cal nas paredes. Não parecia que a população daquele lugar doava muito quando a sacola de pano vermelho passava. Abriu um dos olhos, fitando o lado direito. Depois a frente, e o lado esquerdo. Não tinha mais ninguém debaixo do teto santo, apenas ela, exalando cheiro de perfume de café. A missa havia terminado e os cristãos haviam se ido. Era domingo, e como costume daquela vila, era dia de se juntar com os parentes depois da palavra de Deus para celebrar a vida e a comunhão. Na sua casa não era diferente, mas assim que cerimônia eucarística terminou, já eram quase oito e meia da noite, Abigail pediu ao seu pai para ficar mais um pouco. Prometeu estar em casa até das nove, antes ajudaria o padre a fechar a igreja e também pediria uma reza braba por ainda estar sentindo falta da escola. O que não era mentira, tirando a parte de ter que acordar cedo e ir de carroça com seu irmão por um caminho íngreme. A verdade é que não havia estimativa para um futuro amplo onde morava, era um lugar pequeno e longe tudo, ainda que aconchegante. Não que fossem pobres, mas, ali, o pouco era suficiente, e o que sobrava era partilhado com os demais. No mais, suas únicas opções de amanhã eram ou casar e ser dona de casa ou ser uma solteirona e ser dona de casa. E não era o que queria. E agora, no início da vida adulta, a questão ficava mais cortante. Fechou as vistas de novo e lançou suas últimas suplicas de perdão em reza. Queria era um futuro promissor, isso sim, e não apenas ser elogiada por sua beleza estonteante ou ser galanteada por meio mundo. Ouvira dizer que, depois do fim da Segunda Guerra Mundial, os centros urbanos estavam mais abertos a abraçar o poder feminino. Quando os conflitos acabaram, as que estavam a frente da família devido os maridos se ausentarem para a guerra, foram chamadas de volta para suas atividades domésticas; isso causou um sentimento de perda de autonomia e liberdade nas mulheres, e uma sede de ter voz mesmo com o parceiro do lado. O que, segundo lia, estava começando a acontecer. Viram que, sem os homens, também somos capazes. E ô se somos. Abgail queria porque queria fazer parte desse processo, não limitava seu futuro a ser mais uma camponesa indefesa cheia de filhos. Não via-se vinte e quatro horas ariando panelas e varrendo o quintal. E por conta de tal pensamento audaz, faria o que faria com a ajuda do padre e o auxílio de Deus. Também não era como se houvesse decidido tal questão instantemente, faziam-se anos que era tentada a dar um pulo por sobre a janela para um amanhã alentador. E, finalmente, este salto estava prestes a acontecer.

      — Estás preparada, menina Abgail? — perguntou o padre tocando seu ombro. Abgail olhou para cima depois de se recompor do pequeno susto. O homem de batina preta com trinta e três botões era alto e forte, tinha a voz grossa e os ombros largos. Os cabelos brancos dele entregavam sua quase meia idade. A jovem se sentou no banco de madeira polida e limpou os joelhos do vestido, não tirava a atenção do rosto quadrado do padre Gideão. Fez que sim timidamente com a cabeça. Então, o membro do clero e a jovem moça foram os dois fechar as portas e as janelas da igreja em total silêncio. Quando terminaram, ele desligou as luzes e acendeu algumas velas. Ficaram bem de frente ao altar e as velas em cima dele, em fileira.

      — Podemos fazer isso sem a luz do fogo? — ela pediu percebendo a face da estátua da Virgem Maria fitando-a.

      O padre negou com um sorriso sereno e disse: — O Espírito Santo precisa observar bem todo o nosso sacrifício. Não queremos que nada dê errado, não é?

      Assim sendo, ela tirou toda a roupa, quase desistindo, e iniciaram o que tinha que ser feito. Enquanto o padre Gideão recitava versículos da Bíblia em latim, desabotoando as próprias vestes, Abgail se virou de costas no chão, já despida, em cima do vestido azul celeste, e pensou: "É pelo meu futuro. É para a minha benção. E eu quero viver na capital, onde eu posso fazer a diferença! Ele disse que Deus vai me ouvir e me preparar uma linda caminhada se eu obedecer. Então, que seja feita sua vontade."

      Durou menos que dez minutos. Também não houveram beijos pois, segundo o padre, beijo seria pecado. Quando chegou em casa, o jantar nem havia sido servido ainda. Mesmo assim, nem teve pretenção de tocar no prato. A fome havia se ido e nunca mais voltado.

O quarto de Abgail era bastante amplo, todo de madeira, esverdeado, e cheio de desenhos espalhados pelas paredes. Ela amava desenhar as flores, as árvores, as pessoas, as casas... Amava. No passado. Nunca mais teve ânimo para a arte, no entanto. Presentemente, vivia deitada, mofina, esperando a mudança que nunca vinha. O que estava faltando? Quantas vezes mais precisaria se sujeitar aquilo? Novamente, estavam no primeiro dia da semana. Domingo. E novamente o padre Gideão a esperaria para fechar a igreja, pela sexta vez consecutiva. Ou era sétima? Tinha virado uma rotina infeliz e uma esperança inalcançável. O que teria que esperar? Quando viria-lhe a oportunidade para agarra-la com unhas e dentes? Nada. Tudo a mesma coisa. A monotonia a abraçava sem pretenção de largar. Se sentia muitas vezes enganada, mas ao mesmo tempo se repreendia. Um homem de Deus não passaria-lhe a perna. Isso não.

      — Afrodite, Afrodite — chamou seu pai pelo apelido que lhe dera desde quando criança. "Tu é a mais bonita da cidade, não tem comparação", orgulhava-se ele. — Vamos, levante desta cama. Está na hora do café da manhã!

      — Me falta fome, papai — respondeu ela se virando enquanto agarrava o travesseiro. Olhou a janela fechada em meio ao breu. Fazia quanto tempo que não a abria?

      — Isto não foi um pedido, Afrodite — rebateu. — Desça já, em dez minutos te quero na mesa com todos. Hoje sua mãe fez seu bolo preferido. — Ela o havia feito no dia anterior também, e no antes desse. Não era como se fosse uma surpresa. Abgail suspirou fundo e não contrapôs. Se sentou enquanto ouvia seu pai descendo as escadas, passos lentos e fortes. Na realidade, sua mãe preparava as comidas preferidas da filha diariamente, no mínimo em uma das refeições desde que percebera sua falta de apetite. Estavam todos muito preocupados, chegaram força-la a ir ao hospital. Não havia nada de errado. Também a examinaram para saber se estava grávida, o que chegou a ser seu medo. Não estava. O padre sempre finalizava fora. Quando se levantou, sentiu vontade de vomitar. Odiava domingos como nunca. E internamente, se aguentava para não demonstrar o desconforto que sentia. Será se estava sendo ingrata como com sua família? Eles lhe davam de tudo. Seria ela gananciosa por querer mais? Guardar toda a dor sozinha consumia-lhe por demais. Esperava ela ficar melhor daqui a alguns dias e que todo o perrengue valesse a pena.

      No desjejum, mesmo sem vontade, tentou ao máximo engolir os mantimentos apenas para a felicidade dos outros. Bebeu o leite por completo, pelo menos. Enquanto conversavam, decidiu em mentes que mais tarde passaria mal e não iria para a igreja. Talvez seus pais protestassem um pouco por quebrar a tradição, mas não a obrigariam. Para dar ênfase ao mal estar, enquanto ajudava a mãe, disse que não queria ir almoçar na casa compadre Ramon por estar com dor de cabeça, onde lhes foi feito o convite semanas atrás. "Talvez isso seja é falta de vitamina, tu não comes por nada. O médico disse para comer, minha filha." O padre também dizia. Ele era gentil. Nunca havia sido ignorante ou agressivo com ela. Até finalizava sua "benzeção", como chamava, fora, no altar da igreja. Mas, ah!... Era mesmo certo o que estavam fazendo? Abgail já começava a se arrepender amargamente.

      Quando, mais tarde, ficou sozinha em casa, pôs-se a catar as roupas do banheiro e dos quartos para lavar. Estava na vez de seu irmão de completar essa tarefa, mas ela a faria por ele. João era um bom irmão, as vezes sério demais mas um bom irmão. E talvez ocupar a mente a tirasse do poço que a afogava, já que a falta de ocupação sempre levava a maus pensamentos com consequências. E para evitar mais problemas, também daria seu prato de almoço para algum dos cachorros de rua que viviam passeando pela frente de sua residência, dessa forma não precisaria ouvir falatórios e preocupações exageradas. Amava seus pais e por isso não queria dar a eles dor de cabeça desnecessária. Abgail sabia o motivo de sua moleza, e só ela poderia dar fim. Mas, como? Não era como se tivesse volta, ou era? Chorou enquanto esfregava uma calça marrom de algodão.

      O barulho de alguém batendo na porta a alertou, fazendo-a sobressaltar-se. Secou as mãos no vestido, limpou o rosto e foi atender. A mulher de pele preta do outro lado da porta era toda elegante, tinha os cabelos escondidos por um chapéu delicado da mesma cor que o vestido rosa e usava luvas azuis. — Você é a Abgail que todos chamam de Afrodite — ela disse mais como uma afirmação, sua voz era branda e firme. Colocou o guarda-sol um pouco de lado, doando-se aos raios da manhã. Sua pele brilhava a luz do dia fazendo com que sua beleza parecesse ainda mais etérea. Por um momento Abgail esqueceu toda a peleja que vinha sofrendo nas últimas semanas e deixou-se ser hipnotizada pela imagem a sua frente. A mulher riu.

      — Acho que só minha família me chama assim —  disse desviando do olhar da felicidade da mulher. Estava lhe zombando? Na esquina, a Dona Virote fuxicava com a mãe do Theodoro.

      — Está enganada, querida. Bem enganada. Todos nesse cidade pequena te chamam assim. É difícil esconder uma pedra de rubi no meio um monte de feno; mesmo que pequena, todos acham.

      — E o que senhorita deseja?

      Ela deu mais um passo para frente. — Me digas tu, Abgail. O que desejas? — Fez menção de tocar seu rosto. Recuou. — A verdade é que vim de longe te ajudar. A mais bela da cidade. É meu dever cuidar dos rostos bonitos que sofrem em silêncio — riu. — A Santa das Boas Carcaças— nomeou-se. — No entanto, há salvação apenas para os de bom coração. Do que adiantaria se importar com o externo se o interior for desgastado? E seu coração é bom, querida. Tu és bela por fora e por dentro.

      — Do que estás falando?

      — Você me vê como eu realmente sou. — Virou o rosto por sobre os ombros, para as velhas fuxiqueiras. — E mesmo assim me acha linda. Ah, querida Abgail, no tempo em que estamos, a maioria tem repulsa por coisa pouca. Porém é nos pequenos gestos que estão a bondade e o mau caráter. Os dessa casa da mesma forma, me enxergaram de outra jeito. Os dessa cidade também. Tu fostes a única, Abgail. A querida Afrodite do Campo. — Tocou seu rosto, dessa vez não parou no caminho e a jovem não negou o ato. Sua pele era delicada feito seda. — Não tenhas medo do futuro, querida. — Ajeitou seu cabelo. — Eu sei porque sofres. Sei das mentiras que contaram a ti. Sei bem mais do que imagina e bem mais que a ti própria. Porém, tu logo descobrirá tudo. — Tomou a mão de volta, pesarosa. — Esta será tua última quinta-feira neste lugar. A lua irá cantar novamente, como em todas as quintas, e desta vez teus olhos abrirão. Não tenhas medo, repito. Aguente firme. E me aguarde, eu virei te buscar. — E, dando meia volta, a mulher partiu.

      Naquele noite de domingo Abgail não foi para a igreja, e assim que seus pais chegaram disseram que o padre questionou sobre sua ausência e que falou estar triste por ela não ter ido. A garota sentiu repulsa imediatamente e virou o rosto, indo tomar uma água. Também não parava de pensar na enigmática mulher de pele negra que a visitou mais cedo.

      — Será se hoje alguém verá o bicho de fogo? — questionou seu irmão depois de tomar banho. Abgail sentiu a espinha gelar.

      A algumas semanas um boato havia começado a circular pelas redondezas: um monstro em chamas galopava pelos bosques e jardins em quase todas as noites. Partes de sua aparência mudavam de um contador para o outro, mas sempre sendo um quadrúpede em chamas. "O fim dos tempos! O fim dos tempos! Esse é um dos cavalos da Bíblia, eu garanto!!!" Quase ninguém que Abgail conhecia intimamente havia presenciado tal monstruosidade fantasiosa com os próprios olhos, e era cada relato mirabolante que as vezes ela duvidava sobre a veracidade do fato. Quiça fosse somente uma dessas histórias que o povo inventava com algum bom propósito e moral, tal qual a lenda do Papa-Figo que fazia as crianças pararem de desobedecer ou a história da Mãe D'água que puxava os pés de quem banhava nos rios depois do almoço. Qual era a finalidade desta, sendo que maior parte das pessoas que espalhava a história atual era de bebados e falastrões? Mas, ah, a dona da padaria também dizia ter visto o monstro uma vez, e ela não era de mentir, era dessas que falava a verdade mesmo se doesse e até em momentos inoportunos. E também tinha o padre Gideão, contara ele que saiu numa noite quente para rezar com Deus no campo e quando voltou deu de cara com o demônio de quatro patas em chamas. Ultimamente, no entanto, a confiança que a jovem tinha para com as palavras do padre estava se acabando. Mesmo assim, talvez a padeira falasse a verdade. Não era incomum seres sobrenaturais existirem no meio do mato. A natureza emanava uma certa energia desconhecida.

      — Dizem que ele só é visto nas noites e madrugadas de fim de semana — respondeu seu pai. — E domingo é o primeiro dia. Fiquem tranquilos, meus filhos e minha esposa, que nunca ninguém o viu nas ruas também. Ainda assim, ele habita depois do cercado, é o que se ouve. E vai que tudo não passa de mentira.

      Dentro de todas as casas, as pernas tremiam. Tanto que desde que a história passou a tomar uma grande proporção e as pessoas começaram a temer, as jantas corriqueiras de domingo (nas casas de amigos e parentes) pararam de acontecer e, em consenso geral, ninguém mais saia de casa depois das vinte e uma. Muitos até deixaram de frequentar a igreja porque era ela o que limitava a floresta, e duas ou três famílias foram embora da pequeno vilarejo, quem sabe mais? A coisa estava ficando bem feia, e o medo, antes em formato desacreditado e de entretenimento, tornava-se mais e mais denso. Por fim, não houveram relatos sobre o monstro em chamas naquela noite. Mas algo bem no fundo da cabeça de Abgail alertava: "É só na quinta, é só na quinta que a lua canta." Decerto tinha haver com o que aquela mulher lhe falou, mas fazia tempo que ela para de tentar entender não a própria mente.

      Quando chegou no quarto dia da semana a igreja estava fechada de manhã, o padre não abriu para a missa. Não que ela tivesse ido, mas assistiu várias pessoas que voltavam se perguntando aonde estava o padre. Até chegaram a bater na casa dele que era do lado da pequena igreja e nada. Não havia ninguém. Onde estava o padre? Onde estava? Em realidade, ele nunca faltava seus compromissos com Deus, o que deixou todos com uma pulga atrás da orelha.

      O sol se pôs com uma áurea pesada. Da janela, Abgail abraçou o corpo. Quando anoiteceu, preocupados com a ausência do homem de Deus e da palavra naquela noite, entraram na residência do padre Gideão. Encontraram a cozinha bagunçada e rastros de sangue no chão. Foi o estopim para a ira e pavor se instaurarem em uma parcela de seguidores do homem sumido. "Foi o camunhão!!! Foi a mula de fogo!!! Foi o bicho quem levou-o!!!" Nisso, sem mais nem menos, a população se juntou e foi caçar o padre estrelas a dentro, certos de que ele havia sido levado a força por alguém devido os rastros de briga. Junto com sua mãe, Abgail assistia seu pai e seu irmão com homens e mulheres erguendo rastelos, foices, vassouras, pedaços de pau e tochas para o alto em busca do padre. Abraçou aquela que a pariu, tomando colo. Lembrou de quando chegaram naquele pequeno lugar em busca de paz e calmaria, e de uma vida tranquila. Seu pai fora um dos melhores professores do país, de Portugal e das Espanhas. Ao trinta e quatro anos resolveu voltar para onde nasceu com a família, em busca de uma vida calma. No entanto, ultimamente sossego era algo que não tinham.

      Não demorou muito para mais que metade desistir da procura. E, quando o pai e o irmão da jovem chegaram, foram eles se deitar. De longe, ainda era possível ouvir uma parcela de gente procurando o padre Gideão. Abgail só conseguiu tirar a atenção dos gritos lá longe e dormir quando o relógio deu meia-noite. Era quinta-feira.

Abgail acordou tossindo, com a boca sangrando e sendo cutucada por um pedaço de pau. Estava com o corpo doendo, ferido, e toda suja. A luz do sol nascendo fez doer seus olhos. A jovem também se via acorrentada pelos pés e pelas mãos na enorme cruz de concreto de frente a igreja. Seus pulsos ardiam em carne viva. Conseguiu acostumar as vistas e olhar os lados, ao passo que sua audição falhosa também voltava por completo.

      — Olhem só! O monstro acordou! — berrou uma mulher segurando uma tocha apagada. Usou o objeto para os expectadores se afastarem mais. — Aquela que de madrugada é uma mula sem cabeça e que solta fogo pelas ventas, ela acordou! De dia é a mais bela da cidade, de noite é o monstro que apavora a todos! O mal está aonde menos esperamos!!! — Havia muita gente circulando Abgail. Gritavam, jogavam pedras... — Onde está o padre, monstro??? O que fizestes com ele??? — Cheios de ódio, todos repetiram a mesma pergunta.

      Encontrou com certa dificuldade sua família espremida no meio dos que a encurralavam. A menina tentou encontrar o olhar deles, em súplica, mas eles desviaram. Sua mãe chorava, abraçada no filho mais velho. O pai massageava a testa, como sempre fazia quando não tinha respostas. Aguentando a dor, Abgail ergueu o tronco e encostou as costas no símbolo de concreto, como se pudesse se fundir ao mesmo e sumir dali. O que estava acontecendo? Por que estavam fazendo aquilo com ela? Não teve tempo de pensar muito ou de gritar por socorro, um caminho se abriu no meio da multidão para uma mulher passar. A mulher mais linda que Abgail já tinha visto em toda sua vida. E era a segunda vez que vislumbrava-a. A primeira foi quando a mesma bateu em sua porta.

      — Quem é você? — quiseram saber.

      — A Deusa da Beleza — disse posicionando-se ao lado de Abgail, em pé. — Mas, visualmente, sou quem querem enxergar. Venho sempre quando um dos meus é culpado sem culpa. As vezes até me santificam por isso. Não é de se julgar, não é mesmo?

      — Do que falas, mulher? Saia de perto! Ela pode virar bicho a qualquer momento! Saia de perto! — gritaram.  — Queremos só saber aonde está o padre, depois vamos mandar o demônio de volta ao inferno! — Os outros berraram em consentimento.

      — Eu disse que viria te buscar, querida — relembrou Afrodite olhando para baixo. — Tire as algemas, agora é possível. Se desamarre e levante. — Voltou-se para frente. — Nenhum mal será feito a ela. Que dívidas ela tem a pagar? O seu padre? Ele veio até mim ontem, quando me viu caminhar nas ruas, e tentou o que não devia. Antecipando-o, teve o desfecho merecido. Tomem isso. — Jogou um saco de pano no chão. — É única coisa que terão novamente do santo padre, o verdadeiro monstro deste lugar. Onde ele está agora não precisará mais.

      Logo, Afrodite ajudou Abgail a se erguer e sumiram as duas para sempre daquele lugar em um piscar de olhos. Surgiram em uma terreno plantado de videiras.

      — Não concordo com essa maldição criada, onde apenas a mulher tem castigo. E ainda mais quando se é inocente — falou Afrodite. Andavam as duas no meio do vinhedo. — Tu não tiveras culpa de nada, querida. Foi enganada. Te manipularam pela fé. E daí viras bicho nas madrugadas de quinta. Mas, que culpas tem? "A mulher que se deita com um padre vira a mula sem cabeça." Quem criou essa maldição? Eu gostaria de saber, confesso-lhe. — Parou e colheu uma fruta. — Fiz aquele que te fez mal pagar centavo por centavo. E ele não fazia mal só a ti. Não era um homem de Deus, apenas se escondia na palavra. — Voltou a andar. — Não há mais para aonde ir. E não há como tirar esse peso colocado em ti. Se quiser, tu podes negar o pedido que te fiz para vir comigo. Eu te salvei da ira da cidade, mas não deves sua vida a mim. No entanto, eu gostaria de ter ao meu lado. Eu te farei feliz de novo, minha querida. Este mundo não merece sua pureza.

      Com o coração doendo e a boca ainda com um gosto ácido de sangue, Abgail aceitou a viagem. Não tinha o que fazer ou para quem recorrer. Não via-se mais na cidade grande, mudando o mundo. Não via-se mais sorrindo. Não via-se mais feliz. Então, decidiu acreditar na promessa de Afrodite e seguiu-a como seu braço direito. A partir daí, passou a recordar cada dia menos de sua vida passada, até que chegou um dia que nem mesmo seu nome lembrava e também não lhe era falado. Não se importava, todavia. Não encontrou mais a felicidade também. Nem com uma deusa apaixonando-se por ela, e a ajudando a controlar sua transformação. Virou uma sombra, uma criada sem nome. E seu único desejo passou a ser a morte que não lhe era permitida.

FIM DO CONTO

Willians Guedes.

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