Dama de Preto (ILUSTRADO)
O garoto estava sentado no banco daquela praça há um certo período, se perguntava por quanto mais ficaria lá esperando sua mãe. Ele não sabia porquê estava ali, em sua mente, visões turvas surgiam num esforço ao tentar se lembrar, tudo havia sido muito rápido, tudo que conseguia recordar era de um carro, mas ainda era um borrão na cabeça .
Ele aguardou sua mãe até o anoitecer, quando a lua e as estrelas brilhavam na escuridão e no frio, ele estava pensativo e solitário na praça. Perturbado a procura das lembranças, ele mal percebeu o surgimento de uma mulher vestida de preto.
Ela ajeitou seu modesto vestido rendado e sentou-se próximo ao garoto, ele a observou bem, mesmo que tímido. A mulher possuía um rosto estranhamente angelical, sereno e belo, seu perfume era muito agradável, seus movimentos eram de uma delicadeza exagerada e sua presença desconcertante; apenas eles dois estavam ali e era um incômodo. Seria educado puxar assunto ou talvez não devesse falar com estranhos?
– Oi Mateus – a mulher o cumprimentou. Ele se perguntou como ela sabia seu nome.
– O-oi moça – vasculhou melhor os traços da mulher, na tentativa de lembrar de onde a conhecia, porém, não conseguiu. A mulher o encarava simpática, um sorriso tão meigo traçou seus lábios, seu rosto parecia o de uma boneca de porcelana, era totalmente artificial.
– Imagino o que esteja se perguntando – as mãos delicadas procuraram tocar as do menino, mas por reflexo ele se esquivou. A mulher repõe as mãos sobre as coxas e recomeça. – Deve estar se perguntando "o que aconteceu comigo?".
–Não – ele retrucou. – Me pergunto o que estou fazendo aqui, eu não me lembro de muita coisa.
O rosto de boneca da mulher se contorceu pela dúvida.
– E do que você se lembra?
– Lembro que estava com a minha mãe, então com certeza ele virá me buscar.
A mulher abaixou a cabeça, mechas caíram sobre seu rosto e quando finalmente voltou ao menino, ele percebeu o sorriso falso daquela imagem de porcelana.
– Mateus, sinto muito, mas ela não vem.
E como qualquer criança ele não acreditou.
– Não, ela vem sim, por isso estou esperando ela aqui.
– Não é por isso que está aqui – a mulher balançou a cabeça em negação, se aproximou um pouco mais do garoto, seu rosto de boneca parecia ter rachaduras visto de perto. – Você está aqui porque foi aqui onde tudo aconteceu – falou e rapidamente um temor caiu sobre o menino.
– Do que está falando?
– Você sabe do que estou falando. É só fazer um esforço.
O garoto refletiu mais uma vez, se lembrou de pessoas ao seu redor de vermelho no chão, pôde se lembrar vagarosamente de vozes, vozes tristes.
– Eu... – ficou mais confuso do que nunca, as lembranças fracas poderiam estar o enganando, pensou, e temia completar a frase falando qualquer besteira.
– Eu sei que você sabe, Mateus – ela insistiu apalpando sua mão e o fazendo olhar para ela.
Um rosto quebrado, como o mundo do garoto ficou naquele momento.
– Eu... não.
A mulher acenou com a cabeça.
– Negar só vai piorar tudo. Vem comigo.
Ele soltou a macia palma dela assustado, ela tentou acalmá-lo mas ele recusou qualquer toque.
– Impossível. É mentira! Você está me vendo, não está?
– Apenas eu posso ver você – a mulher respondeu e o menino sentiu um medo profundo.
Ele se levantou devagar do banco e logo após a mulher junto dele. Tentou tocá-lo novamente, mas ele correu.
Amedrontado na noite, o garoto correu o mais rápido que conseguiu, os postes não ajudavam muito na iluminação, mas ele reconheceu quais ruas deveria tomar. Seguiu contente ao reconhecer o caminho de casa. Nenhum sinal da estranha de preto, foi o que o deixou feliz enquanto passava pelas esquinas e reconhecia que estava bem perto de seu lar. Enquanto corria, o menino recordou da cor de um carro, não era branco e sim prata, sim, agora lembrava bem, e um devaneio involuntário surgiu com um grito de desespero horrível e com isso ele para de correr, a sensação era como um dejavi, era angustiante e ele odiou isso. Tentou ignorar o sentimento e voltou a correr até se deparar com a casinha simples rebocada que reconheceu como sua.
Antes que pudesse tocar a porta o vento a fez se abrir, o garoto entrou primeiramente alegre, mas, a cena com a qual se deparou o deixou mais confuso do que antes, ali na sala encontrou os membros de sua família, seus tios, seus primos estavam ali, seus parentes mais próximos estavam reunidos em algum tipo de vigília medonha, o garoto reparou em cada semblante entristecido, cada soluço abafado, cada lágrima que escorria.
– Oi... pessoal? - falou timidamente e ninguém respondeu, sequer lhe deram atenção.
Ele não avistou sua mãe no aposento e se dispôs a procurá-la, vasculhou todos os quartos e, até que a encontrou no seu. Sua mãe sempre brigava com ele quando prometia arrumar o quarto, mas a enrolava ao invés de fazê-lo, o garoto pensou que ela brigaria com ele mais uma vez, mas ela estava deitada em sua cama, encolhida e embrulhada com o lençol favorito do filho. Seu rosto, antes feliz e cheio de amor, estava vermelho e encharcado, ela não parava de encarar um pequeno retrato dela e do menino juntos, ela estava tão feliz na fotografia, agora estava ali soluçando e fungando, era horrível para o garoto ver aquilo.
– Mamãe... – a chamou, mas ela não respondeu.
– Ela não pode ver ou ouvir você – o garoto escutou aquela mesma voz serena por trás de si, virou-se na direção já ouvindo o som da porcelana trincando, era a mulher de preto novamente, mas desta vez sua feição era mais natural e os cacos de seu antigo rosto caíam aos seus pés.
– Eu não entendo... – elevou os olhos já lacrimosos ao rosto angelical da mulher – Por quê?
Ela se inclinou e o encarou com um lindo sorriso.
– Porque você foi um herói.
Ao ouvir as palavras da mulher, um último devaneio tomou conta do garoto: era uma linda tarde de passeio na praça, ele e a mãe tomavam sorvete e conversavam sobre muitas coisas divertidas enquanto caminhavam, então aparece aquele carro prata. Foi tudo muito rápido, o garoto só teve tempo para empurrar a mãe, antes de sentir o impacto.
– Eu fui um herói?
– Foi sim, Matheus.
Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa ele escutou a voz de sua mãe, ela encostou a testa no porta retrato, os lábios já tremiam e ela lutava para dizer algo, mesmo que pausadamente, e o menino escutou quando ela disse.
– Vá com Deus, meu filho.
E ele soube.
– Não se preocupe – a mulher toca seu ombro – É para Deus que você irá.
O garoto virou-se para ela, não fugiu mais das mãos que tentavam consolá-lo. Então ele fechou os olhos, e então a mulher o evolveu em seus braços, e ambos sumiram, como se nunca houvessem estado lá.
Fim.
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