Viver
— O que deu errado? - se perguntava Alice.
Ela estava decepcionada. Mal conhecia Mira e agora ela morrera. Suspirou pesadamente. Por que insistira tanto para que o soro fosse injetado em Mira sem que ele tivesse sido testado antes? Ele tinha que ter sido experimentado previamente. Mas o que ela podia ter feito de diferente antes? Era inevitável que uma hora ou outra precisaria ver como reagiria em um organismo real. Talvez tivesse sido melhor capturar um dos monstros que apareciam para usá-los como cobaias... De qualquer forma seria um ser humano sacrificado para obter-se os resultados esperados.
Sua mão trêmula segurou uma seringa. Preparou-a cuidadosamente para poder retirar o sangue de Mira. Ergueu a mão, mas não conseguiu furar a pele da mulher. O rosto pálido e com a expressão congelada fazia parecer que Mira estava apenas dormindo e tendo um sonho ruim. Um sonho ruim. Era assim que Alice se sentia.
Seus olhos captaram as linhas escuras que partiam de algum ponto abaixo do pescoço e iam até a boca e a orelha de Mira. Parecia-se com as que viu no Almirante. Alice colocou o dedo sobre elas e notou que tinham um leve relevo. Seguiu-o com o tato até um local nas costas. Com cuidado, virou o corpo de Mira e ergueu o tecido da roupa para poder analisar melhor. Ali havia uma ferida escura como carne necrosando de onde escorria continuamente tenebris.
Alice recuou, meio assustada. Porém sua curiosidade a fez se aproximar novamente. Colocou a seringa no local e puxou o excesso de líquido. Retirou o objeto com cuidado para não derramar sua amostra e rapidamente despejou o conteúdo em um frasco devidamente lacrado. Dentro dele, a tenebris se remexia, viva. Era fascinante. A cientista sentiu a ponta dos dedos formigarem enquanto segurava o vidrinho. Era estranhamente agradável. Cuidadosamente colocou-o sobre a mesa.
Voltou-se para Mira novamente e parou, confusa. O corpo estava como antes, como se ele tivesse se desvirado sozinho. A superfície da barriga do corpo parecia tremer. Algo se remexia por baixo da pele da mulher, criando pequenos relevos, como veias saltadas, que se moviam até as costas.
Uma poça de tenebris se formou embaixo de Mira, de modo que logo a substância começou a escorrer.
Ping. Ping. Ping.
As gotas alcançavam o chão em um ritmo constante. Mas Alice sabia que aquilo não era como um líquido normal. Da poça que se formava no chão, uma espécie de mão escura se ergueu. Era disforme e parecia derreter ao mesmo tempo em que se formava. Alice sentiu os pelos de sua nuca se arrepiarem. Era a mesma sensação que tinha quando ele aparecia.
Dois braços saíram dali, saltando rapidamente como se quisessem agarrar Alice. Mas eles não estavam firmes o suficiente e despencaram, caindo como frutas podres.
As linhas escuras desapareciam na pele alva de Mira e seus lábios se abriram levemente. Ela ofegou, mostrando que estava viva.
A poça ficava cada vez maior no chão e logo o que parecia o relevo da cabeça do monstro surgiu. Seus braços se tornavam lentamente mais sólidos, como se o frio os tornasse rígidos. As pontas de seus dedos se tornavam garras que rasgavam o chão conforme mais gotas caíam.
Ping. Ping. Ping.
Alice estava paralisada. O ser estava de volta aparentemente. Ela olhou em sua mesa, onde a tenebris no frasco de remexia intensamente, tentando sair e se juntar ao resto. A boca de Mira se contraía e abria rapidamente, como se ela estivesse querendo desesperadamente respirar. Seus dedos dobravam e arranhavam a mesa onde estava. Suas sobrancelhas se franziam como se ela estivesse sentindo dor. Um grito estrangulado saiu por sua boca. Alice rodeou a poça estranha de onde saíam as garras do que quer que fosse e procurou erguer um pouco as costas de Mira para ajudá-la.
As luzes começaram a piscar freneticamente e todos os aparelhos ligaram ao mesmo tempo. O gravador de Alice, que estava ligado até aquele instante, começou a chiar e o som de estática preencheu a sala. Mira apertava seus olhos. O barulho era alto demais. Certamente atrairia atenção indesejável de outros mutantes.
Após algum tempo, Alice notou que a poça não estava mais do outro lado da mesa. Apavorada, começou a procurar os dois braços bizarros pelo chão do local, mas o piscar das luzes dificultava a visão.
— Alice! - gritou a voz de Ryan, do lado de fora, seguida de seus socos na porta. - Alice, você está bem?
Ela viu o chão perto da saída, onde as garras do monstro arranhavam a porta amassada.
— Ryan! Não abra a porta! - gritou, com urgência.
— O quê? - gritou Ryan, de volta. - Não consigo ouvir você com esse barulho todo!
Som de baque.
— Estou tentando abrir a porta!
— Não abre a porta!
— O quê? Abrir a porta? É o que estou fazendo!
— NÃO ABRE A PORTA!
Mas foi tarde demais, já que, naquele instante, a porta se abriu de supetão com a força do homem.
— Alice, você está bem? - perguntou Ryan, entrando enquanto massageava seu ombro. - Por que as luzes estão assim? Não consigo enxergar!
— Não! - gritou Alice.
Mas a criatura incompleta já desaparecia no corredor, indo de encontro ao seu resto do corpo. Lance surgiu ali, com seus olhos brilhantes.
Instantaneamente os aparelhos e as luzes se desligaram.
Quando se acenderam, Ryan e Lance viram apenas Alice ao lado de uma Mira que piscava os olhos, atordoada.
— Ela... Ela está viva! - exclamou Lance, estupefato. - Doutora Alice, nosso soro realmente funciona!
Ele estava contente quando segurou Mira. A asiática o olhou longamente com uma expressão de confusão.
— Quem é você? E o que aconteceu? - perguntou, confusa.
Lance olhou para Alice e seu sorriso desapareceu ao ver a expressão dela.
— O que foi? - perguntou ele, confuso.
— Ele esteve aqui. - disse ela, séria.
— Quem... - os olhos de Lance se arregalaram com a percepção das coisas. - Ele esteve aqui?! - exclamou.
— Quem esteve aqui? Do que estão falando? - perguntou Ryan, se aproximando.
— O Mediador. - disse Alice, séria. - Ele estava aqui esse tempo todo.
— Alguém pode me dizer o que está acontecendo e quem são vocês!? - gritou Mira, impaciente por estar sendo ignorada.
— Você... Não se lembra de nada? - perguntou Alice.
Mira a encarou, com a boca fechada.
— Por favor! - insistiu Lance. - Precisamos saber o quanto você sabe!
Mira deixou um pouco seu olhar de desconfiança e suspirou.
— A última coisa de que me lembro é de estar correndo num corredor... - suas sobrancelhas se franziram com a concentração. - Eu estava... Fugindo de algo. De uma fumaça estranha. Todos estavam em pânico. Só havia o caos e... Os gritos. - Mira fixou seu olhar em um ponto distante. - O que aconteceu depois disso?
— É o que estamos tentando descobrir. - disse Ryan.
Alice puxou delicadamente o braço de Lance para um canto afastado.
— Ela não se lembra de nada dos últimos dias. - disse Alice, com urgência.
— Isso quer dizer que ela estava controlando Mira esse tempo todo. - disse Lance, sério.
— Ou seja, ela sabe nosso plano. - concluiu Alice.
— Por isso você foi atacada.
— Ela está desesperada.
— Ah, minha cara, não acho que chega a ser desespero. - disse Lance. - Mas ela está nervosa, sem dúvida.
— Quem é ela? Do que estão falando? E quem são vocês? - disse Mira, irritada com sua falta de informações.
Lance e Alice trocaram olhares e a cientista suspirou.
— Primeiro eu peço que se acalme, doutora Mira Jing. - disse Alice, séria. - Eu vou explicar tudo o que sabemos.
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Helô, peoples! Desculpa a demora, mas o capítulo anterior ficou muito pequeno e então eu quis postar os dois 😁 (dessa vez deu certo)
Então, o que acharam?
Ele está de volta!
Não esqueça de meter o dedo na estrelinha e de deixar seu comentário 😉
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