Segredos
Frio e apertado, os adjetivos perfeitos para os túneis do purificador de ar de Primux. Complexo sistema em formato de teia de aranha, ele era basicamente um labirinto por onde percorria o ar segundo o abrir e fechar das válvulas em seu interior.
Em condições normais, um humano jamais conseguiria entrar lá. Primeiro que as válvulas estariam se fechando e abrindo de forma aleatória, então qualquer um que resolvesse se aventurar lá dentro seria prontamente triturado. Segundo que o aquecimento central provavelmente estaria funcionando, de forma que o metal que recobre os túneis seria capaz de causar queimaduras de terceiro grau terríveis e mataria a pessoa em questão de minutos se ela não fosse encontrada imediatamente.
Todas essas informações passavam pela cabeça de Mira enquanto ela observava como as "portinhas" do túnel pareciam afiadas como guilhotinas. Ruídos estranhos vinham de todas as direções sempre que ela chegava em uma bifurcação. Certamente havia monstros por lá. Felizmente a asiática tinha a incrível habilidade de ser silenciosa e sorrateira quanto um rato.
Após um longo trajeto tendo que seguir as instruções de Lance pelo rádio do capacete e tendo o medo constante como companheiro, Mira finalmente saiu da tubulação.
Expirou, aliviada. Estava livre daquele pesadelo claustrofóbico. Colocou a mão no peito e respirou fundo várias vezes até sua taquicardia passar. Mais uma vez tinha enfrentado uma de suas fobias. Se continuasse assim, talvez não precisasse mais de terapia na Terra. Ou talvez tudo isso aumentasse sua necessidade de terapia.
— Finalmente livre! - gemeu alguém, saindo da entrada minutos depois. - Ah, Mira! Você já está aqui!
Alice ficou de pé.
— Lance ainda não chegou... - concluiu, olhando ao redor.
Subitamente a face da morena foi coberta por uma expressão de urgência.
— Mira, eu... Eu preciso saber. Tem algo acontecendo?
A asiática fez uma expressão de surpresa e desviou o olhar.
— Não sei do que está falando. - disse, dando as costas para Alice.
— Eu sei que você sabe de algo. - disse Alice, segurando o braço de Mira. - Por favor, me diga o que é.
Mira virou o rosto lentamente e lançou um olhar sério e tenso para Alice.
— Você não ouviu as gravações.
— Não...
— Não era uma pergunta. - interrompeu Mira, soltando seu braço das mãos de Alice bruscamente. - Eu... Não posso dizer. Não é seguro aqui. Nenhum lugar de Primux é seguro.
Alice semicerrou os olhos.
— O que eu vou encontrar nos áudios?
Silêncio tenso. Mira deu um olhar sério e sofrido para Alice e abriu a boca, como se fosse falar algo.
— Cheguei. - disse Lance, aparecendo em um buraco da parede. - Podemos ir agora.
Mira fechou a boca, cancelando qualquer chance que Alice pudesse ter de receber explicações para as ações misteriosas de todos.
— Veja as gravações. - disse Mira de forma enigmática.
— Mas...
— Muito bem, Lance. - interrompeu Mira, mudando de assunto com eficácia. - Que caminho devemos seguir agora?
Alice suspirou. Não teria suas respostas.
O caminho para a entrada do aquecedor primário foi silencioso e tinha uma atmosfera de tensão tão densa que parecia pesar nos ombros dos humanos. Alice levava o caco de niotita para se defender, já que era uma das poucas coisas que sabia ferir o ser. Lance deu o dispositivo de eletroparalisia para Mira, já que ele tinha tenebris a seu favor... Ao menos era o que ele achava.
A parte da Ala Oeste em que estavam era diferente da que tinham visto anteriormente. Nessa, era como se a nave estivesse intacta e à espera da tripulação. Os corredores permaneciam limpos e lisos e as luzes estavam desligadas, não quebradas. Em certo ponto, havia um nicho no corredor, onde ficava uma enorme porta de cofre com um painel digital ao lado. Lance pegou seu tablet trincado e o conectou ao painel com um cabo. Após alguns minutos de impaciência digitando os códigos, ele desconectou o cabo e fez um gesto afirmativo para as mulheres.
— Vou abrir a porta. - disse tirando suas luvas danificadas e expondo suas mãos com garras. - Não deve demorar muito.
Alice se aproximou do painel tecnológico, curiosa. Ela nunca tinha estado naquela parte da Ala Oeste em todo o seu tempo de espionagem. Já Mira cruzou os braços, entediada.
"Ótimo!", pensou, "Lá vamos nós de novo entrando em lugares apertados perigosos".
Um riso meio abafado ecoou atrás dela e ela se virou rapidamente, alarmada. Semicerrou os olhos. Parecia ter visto um vulto entrando em uma das salas abertas. Se bem que ali era Primux, então sempre havia vultos passando pelas portas.
— Terminei. - disse Lance, subitamente, interrompendo a linha de pensamento dela e a assustando.
Alice encarou o espaço por trás da porta.
— Eu sei que é arriscado... - começou Lance, já imaginando que haveria alguém se opondo.
— Arriscado?! - exclamou Mira, incrédula. - É suicídio!
E ela poderia ter razão. Aquela porta era uma das entradas para o núcleo que gera energia para Primux. Ao redor dele fica uma espécie de cabine para observá-lo com segurança e gerenciar a produção da energia dele, distribuindo-a de forma correta para cada secção. Para chegar à cabine de cada Ala, havia uma enorme ponte que conectava o meio de cada Ala ao centro da nave.
Infelizmente tudo lá estava danificado. Aparentemente algo furou o casco externo em alguma das Alas e seguiu sua trajetória, causando um buraco visível por dentro da cabine de controle. A pressão estava fazendo as paredes de vidro da cabine se quebrarem e aquilo provavelmente estava tão frágil quando uma fina camada de gelo sobre um lago congelado em novembro. Um movimento em falso e tudo ali quebraria, sugando a única fonte de energia de Primux e matando de vez os sobreviventes.
Isso seria péssimo.
Um pensamento chegou até Alice: Ryan estava certo. Todo aquele maquinário estava danificado e instável demais para ser ligado. Se o fizessem diretamente da cabine de controle, a tenebris continuaria intacta, o fim dos humanos seria imediato e não haveria tempo suficiente para permitir que fugissem nas cápsulas. Lance não era burro, então por que ele sugeriria isso?
— Eu vou ficar aqui e avisar se surgir alguma criatura. - disse Mira, parecendo irritada.
— Então só restamos nós dois. - concluiu Lance, olhando para Alice. - Você primeiro, doutora Alice. - disse o homem, apontando para a ponte frágil que se estendia em frente.
Alice sentiu o calafrio do medo. Aquilo era uma armadilha? Ele estava tentando matá-la, era isso? O que ela podia fazer? Mostrar que tinha percebido a verdade? Não, isso seria estúpido. Manter o teatrinho lhe daria mais algum tempo de vida para pensar direito no que fazer. Por isso passou na frente dele e começou a caminhar pela ponte sem segurança.
Do lado de fora, Mira esperou que Lance e Alice passassem pela porta para só então se afastar no corredor.
Segundo os dados que tinha copiado, a sala que procurava estava ali, num ponto um pouco afastado de seus companheiros. Talvez suas intenções fossem um pouco diferentes do que os outros humanos achavam e poderia causar mal-entendidos e brigas que só atrasariam sua fuga, então ela não podia deixar que soubessem. A entrada estava trancada, mas com o código numérico do falecido doutor Jim Lee, seja lá quem ele tinha sido, foi muito fácil abrir a porta sem ser notada. Lá dentro, quase sorriu. Era a sala de armazenamento dos arquivos confidenciais que não poderiam ser digitalizados. O real objetivo de Mira.
Os centros de inteligência de vários países poderiam ter se infiltrado na estação e facilmente roubar ou copiar os dados digitais de qualquer projeto de outros países se considerado "prejudicial para a humanidade" segundo a ONU. Por isso, na seção chinesa, as coisas mais importantes eram deixadas nas formas obsoletas de pastas trancadas fisicamente, algo mais fácil de ser vigiado. Mira estava diante de um valioso tesouro.
Começou a procurar entre as caixas empoeiradas a pasta 15027. De fato, não tinha sido verdadeira com Alice. Não poderia arriscar deixar claras suas intenções ou seu plano real. Se confiasse em um dos sobreviventes e ele, no fim, se revelasse o traidor, não sobreviveria e sua encenação não teria servido de nada para adiar sua morte. Observou todas as caixas, tentando ler algo na escuridão.
— Será que... - começou, ao ver os números que buscava no rótulo enferrujado de uma caixa. - Achei.
Ela retirou a caixa da estante com cuidado e selecionou a pasta que procurava. Seus olhos negros brilharam como uma ônix ao ler o título. Ali estava. Mira olhou para os lados, desconfiada, e escondeu a pasta em sua roupa.
Um gemido choroso ecoou na sala silenciosa. Hesitante, Mira ergueu o DEP, que iluminava brevemente o breu sempre que faíscas azuladas saíam por suas pontas. O choro ficava mais alto à medida que a mulher se aproximava do canto direito da sala. Quando ficou perto o suficiente, pôde ver uma silhueta encolhida. Parecia outra mulher. Estava magra como uma múmia, seus cabelos loiros estavam manchados por algo parecido com graxa. Ela estava de costas, seu jaleco branco manchado como a roupa de um mecânico. Ao seu redor, uma poça de escuridão líquida tinha se formado.
Mira recuou lentamente, enquanto os gemidos de lamento pouco a pouco se transformavam em risadas histéricas. A silhueta se virou com um imenso sorriso de dentes escurecidos no rosto, pronta para devorar os humanos.
Enquanto isso, Alice sentia cada vez mais o cheiro do perigo.
A largura do caminho que seguia era de mais ou menos um metro e dos dois lados havia somente os vestígios das grades que deveriam dar proteção para quem passasse por lá. Por baixo do capacete, Alice suava frio. O que fazer? Precisava de um plano. Olhou para baixo. Fios soltos boiavam em meio a um lago de um líquido transparente, o líquido que resfriava as máquinas que armazenavam a energia do núcleo quando elas superaqueciam. Ele poderia parecer água, mas, diferente dela, aquilo era extremamente tóxico. Se Alice caísse, caso não morresse pela queda, morreria pela água eletrizada ou pela substância tóxica.
Olhou para trás. Ela já estava quase na metade do caminho, mas Lance não a acompanhava. Parar não seria uma opção, já que seria suspeito. Talvez ela pudesse mesmo chegar à cabine e apenas verificar o nível de instabilidade do núcleo. Então diria que os controles não funcionaram e sairia dali para seguir o plano de Ryan. Seria uma boa ideia.
Continuou, um pouco mais confiante em seu novo plano para sobreviver. Subitamente tudo começou a tremer. A nave balançou bastante e o som do rangido de metal se propagou por todo lado, como um alerta. Alice se aproximou do chão e se segurou em um dos restos de grade. Parecia um terremoto.
Mira gritou do lado de fora e Lance foi prontamente para lá, deixando Alice sozinha na plataforma bamba.
O som foi alto quando a ponte que conectava a Ala Norte ao centro ruiu, desabando na água eletrizada. Foi aí que Alice soube que tinha pouco tempo. Energizada pelo medo, a morena acelerou, tentando alcançar a saída. Porém um pedaço de metal se soltou do teto e acertou a cabeça de Alice, fazendo-a se desequilibrar e escorregar para a borda.
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Capítulo atrasado de sexta, mas tudo bem! Aqui está, meu povo! Não esqueçam de deixar seu votinho.
O que estão achando da história? O que será que aconteceu do lado de fora? Como Alice vai escapar de Lance? Teorias?
Até o próximo capítulo!
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