Ryan
— Quem é você? - perguntou ele, olhando nos olhos de Alice, desconfiado.
— Quem é você? - disse Alice.
Ele olhou ao redor, vendo o laboratório destruído.
— O que exatamente aconteceu? - ele perguntou, tentando se sentar e parando ao sentir uma dor muito forte no abdômen. - Au...
— Fique quieto, seu ferimento ainda não está nem perto de cicatrizar. - disse ela, se aproximando e segurando a barra da camisa dele para levantá-la. Ele rapidamente segurou o braço dela. - Calma. Só vou checar o machucado. - explicou.
O homem respirou fundo e soltou a mão dela. Com relutância, Alice tirou os olhos dele e virou-se para a camisa dele, levantando-a levemente. Então viu a enorme mancha de sangue escuro que se formava sob a gaze.
— Nossa. - disse, percebendo que tinha muito trabalho a fazer.
Com cuidado, foi começando a desenrolar o esparadrapo. Porém, quando chegou ao ferimento, o contato com o ar fez o estranho fazer uma careta e Alice percebeu que ele estava sentindo dor.
— Eu sou Alice Primrose. - disse, olhando-o de relance. - Microbiologista da equipe delta e residente na Ala Leste. - distraidamente Alice olhou as cicatrizes em sua perna. - Pelo menos eu era.
Quando o olhou novamente, o estranho a encarava em resposta.
— Sua vez. - disse ela, puxando rapidamente outra parte do esparadrapo que estava sobre a pele.
O estranho fez outra careta.
— Ryan. Ryan Hamilton. - disse ele, respirando fundo para suportar a dor enquanto Alice limpava o ferimento com álcool. - Técnico da NASA.
— Ah, então é engenheiro? - perguntou ela, parando por um segundo para trocar o algodão ensanguentado por um limpo.
— Sim. - disse ele, simplesmente.
Ryan rescostou a cabeça novamente na mesa usada como maca e fechou os olhos. Alice encarou seu rosto por alguns segundos e então falou o que vinha a atormentando por tanto tempo.
— Você sabe o que são aquelas coisas? - perguntou, colocando o algodão sobre a mesa.
Ryan abriu seus olhos escuros e a fitou, sério.
— Não. - disse ele, por fim. - Você sabe?
Alice suspirou, meio decepcionada.
— Eu também não. - disse ela, aplicando o remédio antiinflamatório. - Descobri muito pouco para todas as minhas perguntas.
Ryan olhou-a, subitamente curioso.
— Você descobriu algo... O que foi?
Alice desviou do olhar dele, meio sem jeito.
— Não é muita coisa. Estudei o que pude das partículas que constituíam a tenebris...
— Tenebris? - perguntou ele, confuso.
— A substância escura que formava aquele monstro que estava me atacando quando você chegou.
O olhar de Ryan ficou momentaneamente distante enquanto ele tentava se lembrar. Então ele voltou a focar sua visão em Alice.
— Você está bem? - ele perguntou, com um tom preocupado que deixou Alice ainda mais sem jeito.
— Ahn... Estou. Acho que consegui certa resistência enquanto tentava sobreviver sozinha pela estação.
— Você estava sozinha? E os outros? - Ryan perguntou subitamente, com tom de urgência, se levantando.
— Outros? - disse Alice, confusa, tentando fazê-lo sentar-se novamente para que ela recolocasse a gaze. - Quando eu acordei, não havia ninguém. Pelo menos em todo esse tempo que passei andando pela Ala Sul e Leste. Os únicos humanos que encontrei ou estavam mortos ou estavam transformados em criaturas mutantes. - ela viu no olhar dele uma faísca de tristeza. - Sinto muito.
Ryan olhou-a, chocado, sem conseguir acreditar.
— Não... Não é possível... E os tripulantes? Eles iniciaram o módulo de quarentena na sessão californiana, devem estar protegidos e...
— Quarentena...
Alice disse essa palavra e, como um quebra-cabeça, algo fez sentido.
— É isso. - disse ela, voltando a olhar para ele. - Sinto muito, Ryan, mas eu passei por uma ala que tinha um portão bloqueando parcialmente a entrada...
— Parcialmente...?
Alice baixou o olhar.
— Alguma das criaturas conseguiu projetar raízes de um buraco da ventilação e amassar o portão antes que as saídas de ar fossem bloqueadas.
— Não...
— Eu sinto muito. Estão todos...
Alice não conseguiu continuar, mas o silêncio já explicava tudo. Ryan voltou a se deitar e ficou encarando o teto em silêncio. Ela suspirou e colocou a gaze por cima das marcas de garras na barriga do engenheiro. Passou o esparadrapo com cuidado por cima da pele e cobriu seu trabalho com o tecido.
— Pronto. - disse ela, olhando para Ryan.
Ele não disse nada e continuou olhando o teto. Com um suspiro, Alice se virou e começou a se direcionar para o gerador reserva da sala. Subitamente ela sentiu uma mão segurar seu braço. Ela virou-se e deu com o olhar triste de Ryan.
— Obrigado por... Por fazer o curativo. - disse ele, meio sem jeito.
Alice sorriu levemente e voltou-se novamente para o laboratório que por algum tempo ela chamara de abrigo seguro. Com a sola de seus sapatos, começou a empurrar os cacos de coisas para um canto. Depois de um tempo, percebeu que era um esforço inútil.
— Quem me dera ter uma vassoura... - disse, suspirando.
Ela então ouviu o som dos cacos se chocando e se virou. Atrás dela, Ryan segurava uma pequena máquina.
— Isso talvez ajude. - disse ele, estendendo o aparelho.
— Hum... O que é isso? - ela perguntou.
— Você verá. - disse ele, misterioso.
Ryan apertou um botão e o aparelho começou a fazer um som grave.
— É, funciona mesmo. - disse ele, satisfeito.
— Como exatamente isso funciona? - perguntou Alice, com os braços cruzados.
— Assim.
Ryan colocou o aparelho no chão e os pedaços de vidro e metal foram sugados pelo cano e armazenados num recipiente conectado à máquina.
— O que achou? Útil, não?
— Isso parece um aspirador de pó. - disse ela.
— É, quase isso. - disse ele, mostrando seu sotaque. - Esse é um sugador de detritos. Geralmente usado para pegar todos os parafusos soltos quando se está com preguiça.
Alice analisou o trabalho feito.
— É, é realmente muito útil. - disse ela. - Que tal você ficar com essa parte do serviço e eu vou checar se algo aqui ainda está funcionando?
— Claro. - disse ele, colocando distraidamente a mão sobre o curativo.
Alice foi em direção às máquinas. Depois de algum minutos, Ryan a viu socando, frustrada, um dos computadores.
— Calma, o que ele fez pra você? - perguntou ele, olhando pra ela.
— Nada aqui está funcionando. Tudo está quebrado. - ela diz, com as lágrimas prestes a sair.
Ryan suspirou.
— Deixe-me dar uma olhada. - disse ele, indo até o reparador de tecidos.
Alice assistiu-o retirar o painel, desconectar e reconectar fios e analisar cada canto da máquina. Depois disso, ele se levantou e deu um olhar sério para ela.
— Essa máquina era mesmo importante? - ele perguntou.
— Sim! O reparador de tecidos poderia fazer seu ferimento se consertar em minutos. Foi o que curou a minha perna. - disse Alice, mostrando as cicatrizes em sua perna por meio do buraco na calça rasgada.
Ryan suspirou e abaixou a cabeça.
— O que foi? - perguntou Alice, se preparando para uma notícia ruim. - Está quebrada de vez, não é?
Ryan levantou o rosto e olhou Alice nos olhos por um instante.
— Seus olhos são castanhos mesmo? - perguntou.
Alice cruzou os braços.
— Ok, ok, eu digo o que aconteceu. - disse ele. - Quando o reparador caiu no chão, uma pequena pecinha circular metálica, que é responsável pela movimentação de todo o sistema elétrico e pela "mágica" que ela faz, acabou caindo.
— Só isso? - disse Alice, descruzando os braços. - Você não pode simplesmente recolocá-la no lugar certo?
Ryan suspirou.
— Seria possível recolocá-la, mas acontece que, ao cair, ela se amassou por ser feita de alumínio. Não, eu não posso desamassar de volta - disse ele, rapidamente. - Eu precisaria das minhas ferramentas para que isso fosse feito perfeitamente e elas infelizmente não estão aqui.
Alice colocou as mãos na cabeça.
— E agora? Você não pode ficar caminhando por aí com esse machucado no abdômen esperando que ele naturalmente se cure! Eu sei bem que um machucado feito pelas garras daquele monstro não é um machucado normal. - disse ela, séria. - Você vai morrer...
— Por que toda essa preocupação comigo? - disse ele, cruzando os braços e a olhando com curiosidade.
— Você é o único humano vivo que não tentou me matar nas últimas horas. Antes, eu estava sozinha em meio a uma situação da qual eu não sei nada. Mas com ajuda eu... Nós poderíamos descobrir o que houve, talvez salvar os mutantes e quem sabe descobrir uma forma de fugir. - disse ela, de forma emocionada. - Preciso da sua ajuda, Ryan. Eu quero achar uma cura. E se não puder, eu quero sair daqui e voltar para a Terra.
Ryan a fitou por longos instantes.
— Ok. - disse ele, suspirando. - Eu não queria falar isso antes, mas... - ele olhou bem nos olhos dela. - Há uma forma de consertar a sua máquina.
Alice o encarou, surpresa.
— Espera... Sério? Como?
Ryan passou a mão em cima do leito que era conectado ao reparador de tecidos.
— Há várias peças sobressalentes como essa na sessão brasileira. - disse ele.
A expressão de Alice azedou.
— A sessão brasileira da Ala Leste? - perguntou, torcendo para que a resposta fosse negativa.
— Sim. - disse Ryan. - Lá há vários laboratórios para estudo dos órgãos, mas lá é onde fica a minha área de residência e a minha mini oficina. Era para lá que eu levava os aparelhos com defeito e... - seu olhar se desfocou um pouco, sua cabeça pendeu e ele caiu.
— Ryan! - gritou Alice, indo socorrê-lo.
Ele ficou pálido e isso a assustou. Com urgência, Alice começou a verificar os batimentos cardíacos dele e descobriu que eles estavam muito lentos. Ela colocou-o no leito do reparador e ergueu sua camisa. Para seu horror, uma veia escura e fina saía de debaixo do esparadrapo.
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