Prossecução
Abriu os olhos, cansada, sentindo a umidade embaixo do nariz impedir sua respiração.
Horas atrás, Ryan percebeu o cansaço estampado no rosto de Alice e sugeriu que dormissem um pouco antes de prosseguir. A mulher tinha concordado e logo desabou, dormindo na confortável área de residência de alguém. Realmente precisava de descanso. Porém ele não durou muito. Seu nariz ficou congestionado e ela foi até os lenços umidecidos que estavam no armário do antigo dono daquele cubículo.
Assoou o nariz, liberando suas vias nasais. Porém, ao olhar melhor para o lenço, notou que ele estava manchado de vermelho. Ela colocou a mão no nariz, assustada, e notou que ele estava sangrando. Arfou. Seria isso o sinal de que estava infectada ou era apenas o sintoma da falta de vitamina C? Não poderia saber. Jogou o lenço no antigo triturador de lixo e saiu da área de residência, pensativa. Sua saúde piorava cada vez mais desde que tinha ligado o aquecimento naquela área... Não, certamente tinha sido apenas uma coincidência.
— Já acordou? - indagou Ryan, aparecendo na frente da mulher subitamente.
Ele segurava a caixa de ferramentas e usava um traje, pronto para o trabalho.
— Ahn? - o cérebro de Alice demorou um pouco para processar a situação - Ah, sim, já acordei.
— Vamos? Temos que terminar logo isso. - disse ele, apressado.
Alice acenou com a cabeça, ainda meio grogue.
— Vou esperar você se arrumar. - disse ele, saindo do esconderijo.
— Claro... - murmurou Alice, com a cabeça meio pesada.
Ela voltou para a área de residência e começou a recolocar seu traje. Encaixou os cilindros com cuidado e colocou seu gravador e o caco de niotita no bolso. Apertou bem o capacete e os cabos e saiu atrás de Ryan, que tinha ficado parado pacientemente no corredor. Ele se virou para ela e entregou um pote de ameixa seca pela metade.
— Café-da-manhã. - explicou ele. - Ou jantar, sei lá. Com sorte, nossa próxima refeição será na Terra. - deu um olhar de decepção para as ameixas. - E será uma refeição de verdade.
Alice deu de ombros, comeu logo as ameixas e jogou o pote na pilha de latas vazias. Estava realmente com fome, então não importava o sabor.
— Deve ter mais alguma comida na cabine do almirante. Podemos passar lá e ver se tem suprimentos. - sugeriu ela.
— Por que teria algo lá? - perguntou Ryan, confuso.
— Acho que Meliès pretendia deixar os outros morrerem enquanto ele ficava em segurança na própria cabine com bastante comida e oxigênio. - respondeu Alice.
— E os perigos daquela Ala? Não é como se estivéssemos prontos para uma briga com qualquer criatura grande...
— Vamos ficar bem. - cortou Alice, impaciente. - Só... Temos que ir. Vai ser rápido, prometo.
Ryan suspirou.
— Tudo bem. Vamos. Tem algo que quero ver na sala das máquinas mesmo.
Juntos, os dois foram para a Ala Nordeste. O caminho todo foi suspeitosamente calmo. Ao chegarem lá, cada um foi para seu próprio objetivo tendo em mente que deveria ser apenas uma parada rápida.
Alice examinou cada canto da sala secreta com um pouco de desespero. As estantes de comida e de água estavam todas vazias. Ela e Lance tinham feito mesmo uma limpa no lugar. Não havia nenhum suprimento à vista. Ela moveu um pouco uma das estantes que parecia meio deslocada e viu vários pacotes caídos atrás dela. Sorriu, contente, até perceber que eram só embalagens vazias.
Mexeu nelas, decepcionada e com fome, e encontrou dois potes intactos de pêssego enlatado. Ela já estava ficando enjoada de pêssego enlatado, mas pelo menos tinha achado alguma coisa. Guardou as latas nos enormes bolsos do traje de trabalho e percebeu que estavam ficando bem cheios.
Foi atrás de Ryan, na sala ao lado. Ele parecia nervoso.
— Alice, temos problemas mesmo. - disse ele. - Você tinha dito que a situação estava realmente crítica e eu não tinha acreditado até agora.
— O que você viu?
— O oxigênio só dura mais oito horas. - disse ele, grave.
Alice não se abateu. Ela já sabia que isso ia acontecer.
— Primux está ficando muito próxima da Terra, então poderíamos usar a própria nave para...
— Não dá. Está cheia de esporos e mutantes infectados. Já tínhamos pensado nisso. - cortou Alice. - A única opção que temos agora é a fuga por meio das cápsulas.
— Achou os suprimentos?
— Só duas latas de pêssego. Vai ser nosso "almoço".
— Ótimo. Temos que ir ver a situação das cápsulas agora.
Alarmados com o tempo passando no cronômetro da análise de recursos, os dois foram para a área das cápsulas.
— Os módulos só servem para curtas distâncias. Temos que aproveitar enquanto a trajetória de Primux está nos pontos mais próximos da Terra, senão poderemos ficar parados no espaço a poucos quilômetros do planeta. - explicou Ryan, esperando o Separador Modular abrir suas portas.
— Entendi. - disse Alice. - Isso é o tablet da sala de comando?
— Sim. É basicamente o controle remoto de que preciso para controlar o trajeto da cápsula. Os módulos de viagem eram guiados pelo controle central de Primux para levar os exploradores à superfície dos planetas. Como ninguém vai ficar aqui para nos guiar em segurança, precisamos controlar o caminho da cápsula de dentro dela. Pode ser difícil, já que a própria carapaça de metal vai interferir no sinal, mas, em teoria, pode dar certo.
As portas se abriram. Os humanos seguiram em frente, com pressa. Não demorou até chegarem ao seu objetivo: um imenso hangar com várias naves pequenas e redondas pouco maiores do que um carro. Uma delas, a única que parecia inteira, se destacava com a bagunça de peças espalhadas na sua secção da plataforma, como se fosse um conserto inacabado.
— Acho que era essa. - Alice disse o óbvio.
— Está bem escuro aqui. - disse Ryan, pegando uma lanterna em sua caixa de ferramentas. - Temos que evitar gastar energia desnecessária. Não sei o estado do núcleo, mas ficar tempo demais sem manutenção pode ter feito ele ficar instável. - avisou ele.
— Eu sei. - disse Alice. - Você já tinha avisado sobre essa possibilidade.
— Ah. - Ryan ergueu a lanterna, iluminando o ambiente em sua frente. - Então vamos ver como estava indo o meu trabalho.
Um guincho abafado ecoou pelo lugar, fazendo os humanos pararem. Alice imediatamente pegou seu caco de niotita. O ruído se repetiu, mais alto. O engenheiro se virou para a cientista com uma expressão de pânico e apontou em silêncio para a cápsula. A mulher se aproximou silenciosamente. Ryan, que estava mais próximo, contou até três e levantou o painel, que tinha sido deixado desparafusado.
Algo lá dentro guinchou furiosamente e pulou pra fora, no escuro da plataforma.
— Cadê ele? Cadê ele?! - gritava Ryan, iluminando o ambiente descontroladamente com sua lanterna.
Alice ficou de prontidão, o caco de niotita pronto para atingir qualquer criatura que ousasse atacá-la. Foi quando um raio luminoso se destacou na escuridão, quase atingindo a cabeça de Ryan, que Alice entendeu o que era aquela coisa.
— Ligue as luzes daqui! Rápido! - gritou Alice.
Meio desajeitado com a ordem súbita, Ryan moveu seus dedos pela tela do tablet. Não demorou muito e as lâmpadas do teto começaram a se acender. A criatura pequena saltou de um lugar próximo em direção ao engenheiro, mas foi atingida pela luz do teto e caiu, se remexendo no chão em agonia. Com um golpe certeiro, Alice matou o monstrinho.
— Mas o que era isso?! - exclamou Ryan, ofegante.
— Um "fúngico". - disse Alice. - Se alimentam de pequenas fontes de energia como carrapatos gigantes. Depois liberam um feixe concentrado dessa mesma energia quando se sentem ameaçados por luz. Ainda bem que esse lugar tem lâmpadas em bom estado. Seria um sufoco se fosse na Ala Leste.
Ryan encarou a criatura novamente, meio assustado. O ser apenas derreteu em uma poça de tenebris que escorreu até cair da plataforma. Subitamente o homem arregalou os olhos, percebendo algo.
— Oh, céus! Ele estava dentro do painel!
Rapidamente o engenheiro entrou dentro da cápsula com sua caixa de ferramentas. Demorou alguns segundos.
— Ele devorou nossa bateria secundária. - reclamou Ryan. - Eu tenho outra aqui, mas teríamos que esperar carregar.
— E qual é o problema?
— Bem, já estamos gastando bastante mantendo tantas luzes ligadas. Se eu direcionar mais para cá, pode haver uma sobrecarga se a situação da sala das máquinas dessa Ala estiver ruim.
— Precisamos mesmo dessa bateria secundária?
— Pessoas dirigem de noite sem faróis ligados? - retrucou ele. - Acho que vou começar com um carregamento lento, aos poucos. O transmissor deve aguentar.
— Tem certeza?
— Não, mas é nossa melhor chance. - ele começa a mexer no tablet. - Vai demorar bastante.
Alice suspirou.
— Tudo bem. Não é como se tivéssemos outra opção mesmo.
Silêncio. Ryan começa a retirar as partes que o fúngico estragou e vai substituindo os fios rompidos e as partes de metal corroído. Alice encara a plataforma com tédio. Um leve chiado preenche o lugar conforme a eletricidade chega pelo cabo grosso que conecta a cápsula ao teto. O ambiente silencioso parecia chamar o cansaço e isso poderia fazer Alice ficar desatenta e se descuidar.
— Então... - começa ela, querendo quebrar o gelo. - Tem alguém... Esperando você em casa?
— Não. - diz ele, direto.
Alice arregala os olhos, percebendo como fora rude. Ryan suspira.
— Na verdade, eu tenho sim. Mas ele não fala comigo. Preferia que eu estivesse morto, então não vai estar me esperando.
— Ah, que... Que pena. - comenta a mulher, sem saber bem o que dizer.
— É meu sobrinho, Daniel. - ele suspira. - A mãe dele, minha irmã, morreu por... Um ataque dos rebeldes. Ele morava em outro estado na época. Ficou arrasado e me culpa até hoje pela morte dela.
— Mas não foi culpa sua. - disse Alice, o que era parcialmente verdade.
Ryan se calou.
— Eu tenho uma filha. O nome dela é Vitória. Eu... Faria de tudo para mantê-la a salvo desse antígeno.
— Seria incrível se você tivesse achado a cura.
— Seria...
— Você já...
As luzes começaram a piscar. As lâmpadas começaram a fazer som de estática.
— O que tem de errado com as luzes? - perguntou Alice, já preparando seu caco.
— Eu acho que o transmissor está se sobrecarregando...
Com um som alto, todas as luzes se apagaram. A escuridão parcial tomou conta do lugar.
— Ryan, as luzes.
— Não consigo ligar! O sistema não está mais seguindo os comandos do tablet! É como se estivesse havendo interferência... Vou ter que reiniciar o sistema. Não se preocupe, não vai demorar.
Alice arregalou os olhos, entendendo a situação. Guinchos ecoaram na porta, como se outras criaturas estivessem se aproximando.
— Droga. Ryan, em quanto tempo você consegue ligar as luzes?
— Dois minutos. Mais ou menos.
Os guinchos ficaram mais altos, somados com som de pequenas garrinhas tocando o chão.
— Beleza. Vai ser o suficiente.
Alice ergue o caco. Três fúngicos saltam de uma vez na direção dela. Ela acerta um com o caco e soca o outro para longe, mas o terceiro se prende em seu cabelo. Ela grita, tentando tirá-lo de lá. Ryan atinge esse com a lanterna e o alien cai no chão, pronto para ser perfurado por Alice. Dois já foram. Outro fúngico pula e se gruda nas costas dela, a derrubando, mas Alice o trespassa com sua arma.
O alien cai no chão. Um guincho ecoa no alto e Alice vai para o lado bem a tempo de fugir de um raio luminoso que atingiu o chão a seus pés. Ryan mira a lanterna no bicho, mas outro salta da escuridão e agarra o braço do engenheiro. Alice atinge o alien e se joga para o lado. O feixe de energia do que estava no alto passa raspando em seu braço. Um triângulo vermelho surge na tela de seu capacete, alertando sobre outra fissura.
Ryan ergue a lanterna e acerta o fúngico, que guincha e cai no chão. Alice atinge o alien com a niotita. Ele guincha e se desfaz em uma poça de tenebris que escorre pela plataforma, indo para longe.
— O sistema reiniciou! - grita Ryan, religando as luzes.
O ambiente todo se ilumina. Os fúngicos que estavam por todo lado guincham, correndo para os buracos escuros do hangar. Alice se senta, ofegante.
— Ah, não! - exclama Ryan, escalando a pequena nave para chegar ao topo. - Um deles rompeu um cabo! - ele encara os fios soltando faíscas. - Quer dizer, eu posso consertar isso facilmente, mas vai demorar mais.
Alice suspira.
— Ainda temos... - ela olha o tablet. - Aproximadamente sete horas. Vai ter que fazer esse trabalho bem rápido.
— Se quisermos manter essas luzes acesas, primeiro eu tenho que consertar o transmissor na Sala das máquinas dessa Ala.
Alice respirou fundo.
— Está bem! Vamos lá.
Ryan aterrissou cuidadosamente na plataforma e foi para a saída. Alice o seguiu apressada. O tempo estava acabando.
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