Preparações
Alice saiu da sala com o coração apertado. O gravador estava em sua mão fechada, comprimido por seus dedos enluvados. Seus olhos lacrimejavam. Vitória... Como estaria sua menininha? Fechou os olhos, fazendo uma promessa silenciosa de fazer tudo o que pudesse para voltar.
Olhou para frente, para o corredor vazio da Área de Residência da Ala Nordeste. Déjà vu. Um arrepio passou pela nuca de Alice, como um presságio ou um aviso. Tudo estava pacífico demais, se é que era possível dizer tal palavra de Primux. Nenhum monstro aparecia há bastante tempo desde as criaturas-escorpião que os atacaram na Ala Sul. Isso era bom, mas também suspeito. E tudo ficava ainda mais estranho e confuso quando ela percebia que tinha visto vários momentos em que o ser havia atacado outros mutantes, em teoria aliados dele.
Por que o ser estava matando os outros? E por que sempre que Alice estava por perto? O que isso queria dizer? Que ele queria matar Alice e estava eliminando a concorrência? Que ele queria protegê-la? Isso não fazia sentido. Mas o que fazia sentido nessa situação? Por ora, deveria se aproveitar da ajuda suspeita e continuar suas ações para fugir da estação com vida. Sua tia Miranda certa vez havia dito que não é porque alguém odeia você que quer vê-lo morto. Seria esse o caso? Entrou no esconderijo. Ryan, Mira e Lance se viraram em sua direção. Estavam esperando-a para começar a reunião. Alice encarou-os, deixando de lado suas questões para prestar atenção ao que estavam discutindo.
— Já que estão todos aqui, - começou Lance - podemos começar. O que ainda precisamos fazer?
Ryan deu uma risadinha de escárnio.
— Basicamente tudo. - respondeu, amargo. - Não avançamos em nada até agora.
— Isso não é verdade. - retrucou Mira, séria. - Até avançamos, mas...
— Todos os nossos esforços foram para o lixo. - completou Alice, parecendo ressentida. - Mesmo assim ainda temos opções.
Ryan concordou com a cabeça.
— Eu fui até a Seção das Cápsulas. A maioria delas não tem salvação, já que os danos feitos pelos asteroides foram bem graves. Mas, se eu tiver ajuda, posso usar o tempo que temos para consertar quatro cápsulas que nos levarão para a Terra em segurança. Isso pode gastar todo o tempo que temos, então seria uma aposta alta.
Mira olhou para Ryan com surpresa. Voltar para a Terra... Isso parecia uma coisa tão irreal que ela não acreditava ser possível.
— E quanto à tenebris? - indagou Lance, sério. - Com certeza alguém vai querer averiguar quando uma estação espacial subitamente aparecer perto da órbita terrestre. No instante em que fizerem isso, nossos esforços não terão valido nada e o contágio será inevitável. Estaremos condenando os outros humanos.
— Talvez não seja "inevitável". - retrucou Ryan, sério. - Os danos aos motores e aos geradores nucleares foram críticos. O esforço de nos levar para mais perto da Terra vai fazer com que explodam junto com a estação inteira. Tudo será destruído, incluindo os aliens.
— Espera aí... - Mira encarou Ryan com preocupação - Você está dizendo que tudo pode explodir...
— Agora mesmo e nos matar? Sim. Estamos vivendo em uma bomba relógio, Mira. - respondeu Ryan, com uma calma mórbida.
Mira encarou as paredes com medo, como se temesse que elas explodissem naquele instante.
— Isso seria bom... - sussurrou Alice, pensativa.
Todos olharam-na com estranheza. Ao perceber essa reação, Alice continuou.
— A tenebris não mostrou nenhum traço de que resiste a altas temperaturas. Se ligarmos os motores logo, poderemos acabar com esses seres de um jeito definitivo. - explicou, mas só recebeu expressões confusas. - Ah, tenha paciência! Pensem! Quanto menos tempo gastarmos, mais oxigênio haverá dentro da estação, maior será a expansão da combustão pela estrutura e mais calor será liberado...
— Acabando de vez com essa ameaça. - completou Mira, quase sem acreditar.
— E quanto a nós? - indagou Lance. - Não está pedindo para morrermos aqui também, não é?
— Não! - respondeu ela, ofendida por ele ter suposto isso. - Poderemos sair daqui de alguma forma antes da explosão.
— As cápsulas. Poderemos sair nas cápsulas. - disse Mira, parecendo animada. - É perfeito! Consertamos as cápsulas, explodimos tudo e pronto! Estaremos em casa sem trazer parasitas espaciais perigosos.
— Só estão esquecendo fatos importantes. - cortou Lance, sério. - Não sabemos se calor é realmente uma fraqueza da tenebris. Como eu já tinha dito, a substância se adequa de forma extremamente rápida e antinatural às alterações do ambiente, então há sempre a possibilidade de que a tenebris se adapte. Além disso uma explosão lança coisas para todos os lados. Tudo vai estar perdido se um pouco de tenebris em um pedaço da estação for lançado, por exemplo, em um dos polos terrestres, onde poderá se multiplicar o quanto quiser e atacar algum curioso que vá até lá. Por causa da sua capacidade mutualística extremamente fora dos padrões com os quais os humanos podem lidar, esse único humano infectado pode passar despercebido e contagiar todos os outros.
— Não acha que está sendo um pouco pessimista demais? - disse Mira, levemente assustada com o cenário desenhado pelo latino.
— Só estou dizendo as possibilidades. - retrucou Lance, sério.
Alice pareceu ficar perdida em pensamentos por alguns instantes.
— Imagino que haja falhas nesse plano... - começou a morena. - Mas ainda assim pode dar certo. Vamos supor que que minhas experiências estejam corretas apenas para a gritante maioria dos casos. Eu posso estar errada, mas isso não quer dizer que o súbito aquecimento não trará quaisquer efeitos sobre os mutantes. Eu SEI que trará alguma reação neles e, de qualquer forma, só precisaremos atrasá-los para podermos fugir nas cápsulas. Talvez sua "possibilidade" seja infundada e a alteração na temperatura ambiente os inative.
— Mas e o governo? Eles vão querer saber o que aconteceu. E quando chegarem perto...
— Não quer dizer necessariamente que irão se contaminar. Se explicarmos a situação, poderemos evitar o contato das pessoas com os destroços. - Lance riu, achando graça. - Estou tentando ser otimista aqui, doutor Lance. Se não aprova essa ideia, por que não nos dá uma amostra de sua genialidade? Aposto que deve ter alguma ideia muito melhor se está sendo tão crítico.
Alice cruzou os braços, à espera. Lance revirou os olhos.
— Como eu imaginava. - completou Alice, com um pequeno sorriso de satisfação. - Quem quer ajudar com a única ideia que temos? - perguntou com a mão levantada.
Ryan e Mira prontamente levantaram suas mãos.
— Temos uma maioria aqui. - provocou Ryan.
— Então não vai nos ajudar, Lance? - perguntou Mira, triste.
O latino encarou o chão em um silêncio frustrado.
— Quero uma prova. - disse subitamente, erguendo sua cabeça. - Uma prova de que calor pode ser fatal para a tenebris.
— Bem, uma vez... - começou Ryan, pretendendo contar como Alice tinha livrado-o do parasita jogando-o no aquecedor.
— Não estou interessado em palavras ou historinhas. - cortou Lance, fitando o outro com um olhar mortal. - Quero ver as coisas se concretizando, quero resultados.
Alice olhou-o com curiosidade.
— Tem algo em mente? - perguntou ela.
— Tenho... - disse Lance, cobrindo a boca com a mão, pensativo. Olhou para Alice. - Na verdade, tenho sim. Volto em breve e então você poderá provar que suas teses estão corretas.
Com essas palavras ele saiu do esconderijo. Ryan olhou para as outras mulheres com um riso de canto. Para ele, isso só provava que Lance era suspeito e queria atrasá-los.
— Isso vai ser uma perda de tempo. - disse ele, expressando sua irritação. - Estarei com as cápsulas, fazendo algo útil para a nossa fuga. Tentem não se meter em situações perigosas desnecessárias.
— O mesmo para você. - retrucou Alice. - Não acho que vai ser uma total perda de tempo. Mais experimentos para comprovação de uma tese são essenciais. Estarmos errados pode significar a nossa morte ou o agravamento dessa - ela moveu as mãos, em um gesto expansivo - situação. Não é o queremos.
— A não ser que esse "teste" leve vocês para uma situação perigosa desnecessária onde vão haver ferimentos e eu tenho certeza de que é exatamente o que ele quer. - disse Ryan, de forma acusatória.
Mira desviou o olhar, parecendo achar graça em algo, afinal, um pequeno reality show sempre a divertia. Alice, no entanto, olhou para Ryan com uma expressão que mostrava claramente o quanto ela achava as desconfianças deles infundadas. O homem semicerrou os olhos ao fitar o gravador nas mãos da morena, enfim compreendendo o que ocorria.
— Você não anda ouvindo os áudios... - sussurrou ele. - Não é?
Mira suspirou ao ver na expressão confusa de Alice a resposta para a pergunta. Talvez a morena fosse a única ali sem saber o que de fato estava acontecendo, ignorando o teatrinho do qual eles eram obrigados a participar se quisessem mais alguns minutos de vida e consciência. Alice devia ser então muito ingênua. Ou talvez não. Talvez Lance estivesse certo e fosse Alice a pessoa com mais poder e conhecimento sobre a situação que viviam ali, uma titereira por trás das cortinas do teatro. Se fosse esse o caso, ela era uma boa atriz e provavelmente as gravações desesperadas também seriam parte de seu elaborado papel.
— Por que eu deveria ouvir minhas próprias gravações? - perguntou Alice, semicerrando os olhos e começando a suspeitar da existência de algo por trás dessa pergunta.
Ryan a fitou por mais alguns instantes, sério. Passos ecoaram no corredor, indicando que Lance estava se aproximando.
— Achei o mapa. - disse o cientista, segurando nas mãos um pequeno tablet com a tela trincada em um dos cantos.
Ele percebeu a atmosfera que havia dentro da sala.
— Aconteceu algo? - perguntou, desconfiado.
Ryan deu uma respirada profunda e recuou subitamente.
— Não é nada. - disse com um sorriso forçado.
O engenheiro colocou a mão no ombro de Alice.
— Talvez você devesse fazer isso depois. - disse ele, tentando soar casual. - Sozinha. Sabe, para refrescar coisas que você pode ter esquecido.
A cientista olhou-o com suspeita e ele respondeu com um olhar sério movido para Lance, que estava parado na porta tentando entender o diálogo.
— Então, Lance... - Alice virou-se para o outro. - O que tem aí?
O latino sorriu.
— Aqui está um pouco frio, não? E se aquecermos um pouco as coisas por meio da entrada para o aquecedor central na Ala Oeste?
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Helo, people! Ora, ora, ora... Vejam só quem está de volta. Pois é, eu planejo terminar Contágio ainda esse ano. Estamos perto do início do fim, então a história agora já está mais "arrumadinha" e os capítulos possivelmente vão seguir um cronograma.
Eu espero poder postar dois capítulos por vez toda segunda e sexta, então fiquem ligados nesses dias!
Quanto à história... Climinha meio tenso, né? Mas, no fim, quem será que está certo? Será que realmente tem um "espião" que está sabotando os sobreviventes ou é só coisa da cabeça deles e eles estão surtando? Continuem a ler e descubram!
Ah, e não esquece de votar E deixar seu comentário sobre o capítulo!
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