Isolamento
— Como ela está? - perguntou Lance para Mira.
A mulher parou de vasculhar os detritos e olhou momentaneamente para frente, onde Alice mexia lentamente no computador do laboratório, revendo os arquivos com teses que agora ficariam somente na teoria. Mira suspirou.
— Na mesma. - disse, com tom melancólico. - Mas ela supera quando estiver saindo desse buraco e voltando pra casa.
Lance pegou uma lata de água que só saíra meio amassada da destruição e colocou-a no saco com as outras coisas que ainda poderiam ser úteis.
— Acredita mesmo que isso é possível? - perguntou Lance, melancólico.
— Se eu pensar demais no contrário, não teria forças nem para acordar. - disse Mira, pegando uma pequena caixinha metálica com fios saindo. - Acha que isso pode ser útil?
— Nã... - começou ele.
— É útil sim. - interrompeu Ryan, pegando o objeto. - Pode nos ajudar a religar os circuitos que provavelmente se partiram no núcleo.
Ele olhou para Lance com uma expressão fechada, depois deu um olhar interrogativo para Mira, que retribuiu com um sério, e saiu.
— Qual o problema dele comigo? - disse Lance, retoricamente.
Mira suspirou e foi para outro canto da sala. Não seria ela a revelar segredos.
Enquanto isso, Alice passava lentamente os arquivos feitos por ela sobre a tenebris e a cura para a memória de um pequeno chip que ela deixaria em anexo nos arquivos do gravador. Mesmo assim, ela ainda sentia que ele era incompleto, o que poderia ser verdade, já que todas as descobertas sobre esses seres não chegavam nem perto de tudo que poderia descobrir. E essa sensação era seguida por outra que lhe dizia que havia um arquivo completo sobre a tenebris em algum lugar em Primux. A imagem da sala misteriosa na Secção Noroeste veio em sua mente. Tinha algo lá, ela sentia. E era algo importante sobre os seres que dominaram a estação, porque ele estava lá para impedir que os sobreviventes visitassem o lugar e saíssem ilesos.
Embora agora Alice saiba que a presença daquele ser era para impedir que ela e Lance voltassem a tempo de ajudar a salvar a máquina, poderia ser algo mais. Talvez mantê-la ocupada para que Alice não entrasse na sala misteriosa... Mas por que aquela sala era tão importante? Sua teoria sobre a presença do suposto arquivo estaria correta? Alice se lembrou da sensação que aquela sala lhe causara: déjà vu. Mas por quê? Se concentrou em tentar lembrar quando a viu. Não conseguiu nada.
Alice socou a mesa de frustração. Não ter as informações pelas quais ansiava mais uma vez era horrível. Era como estar na escuridão total e ter uma lanterna que só ilumina uma pequena área. Como cientista, ela sempre buscava ver o todo. A pequena área iluminada que Alice via podia ser a saída, mas também podia ser a entrada para um buraco de onde não conseguiriam mais sair.
Gemeu, colocando os dedos nas têmporas.
Sua cabeça latejava, a dor só aumentando mais sua irritação. Seu olhar caiu sobre a mesa, onde um pedaço de metal diferente dos outros reluzia. Sua nova arma. Seu olhar caiu para a caixa de Celiatron, no chão, ainda lacrada. Alice olhou para o laboratório, praticamente intacto. Seus companheiros ainda levariam tempo para juntar tudo o que tinham e sair daquele esconderijo. As condições pareciam perfeitas para que ela provar uma ideia. Resolveu fazer o que tinha em mente.
Enquanto Alice abria a caixa para pegar uma amostra da tenebris do ser e usar em sua experiência, Lance discutia com Ryan e Mira a possibilidade de irem explorar a Secção Noroeste. Mira queria fazer isso, considerando o quanto aquela área era fechada por abrigar experimentos confidenciais. Talvez, sugeria ela, pudessem encontrar informações úteis que os ajudariam a sair por cima nessa situação. Ryan dizia que não era uma boa ideia, já que a criatura que destruíra o laboratório ainda poderia estar lá, esperando por eles.
— Sim. - concordava Lance. - Já foi muito difícil para mim e para a Alice sair de lá vivos. Não seria uma boa ideia se todos nós levássemos dano.
— Mas agora estaríamos todos juntos. Poderíamos ser mais fortes assim. - insistiu Mira.
— Não há pessoas suficientes para derrotar esses monstros, acredite em mim. - disse Lance, pessimista. - O melhor caminho seria ser furtivo, mas isso não é muito possível com muitas pessoas.
— Muitas pessoas?! - exclamou Mira. - Somos quatro, Lance! Quatro! Acho que conseguimos ser furtivos e explorar a Secção Noroeste para encontrar algo que possa nos ajudar.
— Você está sendo muito otimista. - disse Ryan.
Mira apontou para Alice, no laboratório, que agora trancara a porta, se isolando.
— Alguém precisa ser otimista aqui. A destruição da nossa primeira alternativa, o soro, foi um baque e tanto? Foi! Mas precisamos pensar em uma maneira de superar e seguir em frente. Não é como se faltassem ideias. - Mira olhou para os dois homens com expectativa.
Ryan suspirou.
— Pode dar certo. - disse, por fim.
— O quê? - exclamou Lance. - Vocês não podem estar falando sério. Não temos chance com aquela coisa! Eu tentei lutar contra ele e saí em péssimo estado. Acho que só fiquei relativamente bem depois por causa da Alice. E ela ainda estava com a saúde fragilizada. Eu fui um peso morto mesmo tendo essas... "Habilidades". O que vocês têm?
Com essas palavras, Lance criou uma atmosfera pesada, criando de fato uma aura de dúvida sobre a probabilidade de sucesso em seguir a ideia de Mira. Enquanto a mulher continuava tentando achar argumentos para convencê-los, Alice completava a análise do computador.
— Isso é fantástico! - exclamou ela, olhando a tela com um retângulo verde. - É 99,9% reativo. Niotita é de fato um composto impressionante. Então o que faz aquele efeito na tenebris é a niotita presente na parede de segurança da estação. Eu dei muita sorte em achar essa amostra.
Alice pegou sua arma. Então um trecho da conversa de fora chegou aos seus ouvidos.
— Sim, sim, de fato na Secção Noroeste há pesquisas secretas e estudos que eles fizeram quando estavam fazendo experiências comigo e a tenebris, mas não compensa o risco! - dizia a voz de Lance. - Se formos pegos...
— Não seremos pegos! - insistiu Mira.
— Como garante isso? - disse Ryan, começando a ficar do lado de Lance.
— Como garantem que seremos pegos? - disse Mira. - A coisa pode nem estar mais lá.
— Touché. - disse Ryan, olhando para Lance. - Qual seu contra-argumento agora? - ele deu um olhar afiado. - Por que está hesitando tanto e tentando nos impedir de ir atrás de alguma fraqueza para esses monstros? - suas palavras eram cheias de indiretas.
Mira deu um olhar de decepção para Ryan.
Lance balançou a cabeça.
— Olha... - Lance olhou subitamente para a própria mão, que começara a tremer.
Ele ficou pálido e uma fraqueza percorreu seu corpo, fazendo-o se curvar. Os outros dois foram até ele com urgência, mas Lance ergueu as mãos, sinalizando para eles pararem. Veias escuras se destacaram em seu rosto. Ele abriu a boca e um líquido viscoso e negro escorreu, formando uma poça. Mira fez uma expressão de nojo. A poça criou vida e saiu a toda velocidade na direção da porta aberta, desaparecendo no corredor mal iluminado.
— Isso aconteceu. - disse Lance, limpando a boca e se erguendo. - Esse é meu contra-argumento. - ele deu um olhar sério para os dois. - Enfrentar ele só me trouxe problemas. Aconselho a vocês que busquem evitá-lo ao máximo.
— Lance... - começou Mira, com um olhar preocupado, estendendo a mão.
Ele a ignorou e saiu pela porta em silêncio.
— Que dramático. - murmurou Ryan, recebendo um olhar de raiva de Mira.
— Você tinha que provocá-lo, não é? - disse ela, com tom de raiva contida. - Já não bastava você ter... - ela suspirou, se interrompendo. - Eu tenho mais o que fazer.
A asiática deu-lhe as costas e voltou para seu importante serviço de tentar achar água ou comida intactas em meio ao laboratório destruído. Ryan deu um sorrisinho e foi acompanhá-la no serviço após uma breve olhada para a porta do laboratório, ainda fechada.
Alice olhou para o seu pedaço de metal, sua melhor chance. Precisava testar sua forma de defesa para ver os limites da reatividade da niotita com a tenebris. Descobrir o máximo de informações possível. Ir para a Secção Noroeste poderia dar várias informações úteis e ela sabia que conseguiria se cuidar bem sozinha. Seria furtiva e rápida. Seus companheiros mal notariam sua ausência. Eles não precisavam saber que ela estava saindo sozinha. Para evitar explicações desnecessárias, deveria sair sem que eles vissem.
Olhou o pacote de Endiblue deixado ali e pegou um adesivo. Olhou a miniatura da Máquina Reparadora de Tecidos que era o Replicador Instantâneo do laboratório. Era uma pena que aquele Celiatron não se encaixava nele. Alice abriu uma lata de comida deixada lá por Mira e comeu, tentando ganhar alguma energia. O gosto real do pêssego se perderá há muito tempo. Pêssego de verdade era raro e caro de qualquer forma. Alice se perguntou se conseguiria provar pêssego de verdade algum dia.
Balançou a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Ela iria conseguir.
Abriu a porta lentamente, tentando não fazer barulho. Ryan parecia bem ocupado com o gravador de Alice em um canto (o que a fez pensar pela primeira vez que talvez não só ela usasse aquele aparelho) e Mira se ocupava observando minuciosamente uma caixa com parafusos a mostra, tentando imaginar se era algo útil para consertar o núcleo.
Nenhum deles notou quando Alice furtivamente fechou a porta do laboratório e saiu para o corredor escuro da Ala Nordeste. Ela respirou fundo, indo para a Área de Residência Geral da Ala Norte atrás de uma roupa especial.
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E esse foi o último capítulo do grupo! Espero que tenham curtido 😙 Não esquece o votinho e o comentário 😁
Alice fugiu e agora? O que vai acontecer?
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