Imprevistos
Alice direcionou-se rapidamente em direção à porta, saindo para o corredor, porém parou abruptamente. Pela frente vinha a "neblina de poeira" de natureza desconhecida. Para piorar, garras enormes agora saíam por baixo do armário caído, na sala do almirante, um sinal de que a criatura de lá de dentro estava lutando para sair e provavelmente logo o faria. Alice cogitou voltar pelo corredor por onde tinha vindo, mas, na sua possível saída, deu com os brilhantes olhos vermelhos do monstro que a perseguia. Ele nem se movia, apenas encarava a cientista com um sorriso zombeteiro, indicando a verdade que ela já sabia: estava encurralada.
Encarando a "neblina", Alice teve uma ideia. Possivelmente era uma má ideia, mas horas desesperadas pedem medidas desesperadas. Sem hesitar, a cientista colocou um pedaço de sua roupa cobrindo seu nariz e sua boca e correu em direção ao desconhecido.
Sua bolsa chacoalhava ao seu lado e sua perna doía terrivelmente (o que a fazia correr de forma irregular, quase mancando), mas Alice não parou. Ela estava obstinada a sobreviver e era o que faria.
À sua frente, a "nuvem" se aproximava cada vez mais, mas isso não amedrontou Alice a ponto de fazê-la parar ou recuar. O ar ficou mais frio e, com um rápido arrepio, ela então viu-se em meio às partículas. Parou por instantes, esperando qualquer reação ou efeito, mas nada aconteceu. Nada. Confusa, ela virou-se e notou que nenhuma das duas criaturas, seja o ser bizarro que a perseguia, seja o monstro vindo da sala secreta, tinha movido sequer um músculo atrás dela desde que ela entrara na neblina.
Alice teria parado para pensar sobre isso, mas, quando o sistema de ventilação deu erro por alguns instantes e ela sentiu falta de oxigênio, logo percebeu que deveria voltar a focar no que importava: consertar o gerador. Ela correu até o outro lado da neblina, ainda tampando boca e nariz, e continuou por um corredor estreito e em estado pior que o anterior. Parecia um lugar completamente abandonado em que as estranhas raízes alienígenas cobriam tudo e estavam enfeitadas com estranhas flores amareladas de aparência estranha. Com cuidado, a cientista procurou novamente passar por entre elas sem tocá-las, o que exigiu o máximo de sua concentração.
Só havia o silêncio, quebrado vez ou outra pela respiração ofegante e pela tosse de Alice por baixo da roupa ou pelos ruídos desconexos que vinham de todos os lados. Ela caminhava lentamente, com sua lanterna quebrada iluminando muito pouco. Logo viu o fim do corredor que pertencia àquele módulo. Seu objetivo estava bem ali, a apenas alguns passos de distância. Então ela ficou desconfiada. Tudo estava indo bem. Bem até demais.
No entanto, apesar de suas preocupações, ela prosseguiu e parou em frente a uma porta enorme que, se em suas condições anteriores, fecharia hermeticamente o ambiente interno da cabine de comando. Agora, a porta pesada jazia enferrujada e entreaberta. Alice recuou um pouco ao ver um homem de cabelos pretos rebeldes e expressão preocupada sair pela porta. Ele era praticamente translúcido, mas a cientista o via com clareza. Ele disse "Mas o que está acontecendo?", olhou para dentro da sala com uma expressão preocupada e então saiu correndo, com medo. Sem saber bem o que fazer, Alice foi em direção ao homem, mas só conseguiu atravessá-lo. Subitamente ela sentiu um frio na espinha e as cores se intensificaram em sua visão, como se o ambiente tivesse ficado mais claro. Uma visão do passado.
Um filme que parecia estar acontecendo naquele instante... Talvez uma memória? Fantasmas... Mas fantasmas não existem. Pelo menos não para a ciência.
As luzes vermelhas de emergência piscavam fortemente nas paredes e os alarmes de ameaça biológica ou química soavam descontroladamente. Alice viu o homem correr em direção ao corredor e, logo em seguida, parar e começar a tossir com força, de modo que logo começou a se curvar pela intensidade da tosse.
Então ele virou no corredor e desapareceu do campo de visão dela. Ela começou a andar na direção da fumaça e do barulho para saber o que estava acontecendo e descobrir o que houve com o homem. Vultos de pessoas de jaleco que corriam no corredor, buscando fugir da neblina escura que parecia feita de sombras, eram vistos. Foi então que Alice notou os três olhos vermelhos brilhantes de tamanhos diferentes - se destacando na escuridão como em tantas outras vezes nos sonhos perturbados da cientista -. Ela recuou um pouco... Mas então o ser saltou sobre ela e o mundo escureceu e se silenciou.
Quando abriu os olhos novamente, Alice viu-se no mesmo corredor de antes, como se nada tivesse acontecido. Sua lanterna estava caída e ainda emitia poucos fachos fracos de luz. Percebendo que estava no chão, a cientista levantou-se e arrumou suas roupas para se aquecer depois que sua pele tocara o metal frio.
- Ótimo. - murmurou - Agora estou tendo alucinações.
Então ela encarou a porta. Abriu-a com um ruidoso rangido e esperou que algo saísse dali para atacá-la. Um guincho foi ouvido do outro lado do corredor e a cientista não esperou para entrar na sala e fechar a porta com rapidez. Quando virou a tranca, pôde ouvir o barulho da criatura batendo contra o metal do outro lado.
- Foi por pouco. - disse, suspirando.
Quando virou-se, viu que os controles e máquinas que regulavam Primux estavam completamente cobertos por uma fina camada de gelo. De fato, o lugar estava muito frio, de modo que Alice podia enxergar um pouco de névoa toda vez que expirava. Em um canto, o gerador estava parado e o grosso cabo que ligava-o a um sistema que distribuía a energia pela Ala estava corroído, de modo que havia apenas uma frágil ligação entre eles, o que poderia explicar a instabilidade da energia.
Alice retirou os objetos que trouxera de sua bolsa e começou a fazer o que pôde para tentar consertar aquilo.
Minutos se passaram, talvez horas, e ela se encontrava exausta, com frio e mal sentindo a ponta dos dedos quando finalmente conseguira tirar parte da camada de gelo sobre o cabo e ligar as pontas dele, de modo que voltassem a se conectar.
- Vamos... Dá certo, dá certo, dá certo... - disse, juntando as mãos para aquecê-las, o que fez parecer que ela estava rezando. Fica um breve instante de suspense, mas finalmente uma luzinha se acende no painel, indicando que o gerador estava funcionando e que a temperatura ambiente logo ia voltar ao normal. - Isso! - comemorou com voz rouca, um sinal de que ficara no frio por tempo demais. Talvez ela ficasse doente depois disso. Mas isso não importava naquela hora, já que a energia estava de volta e ela poderia finalmente realmente utilizar a alta tecnologia
É então que ela sente um arrepio. Tudo estava silencioso. Silencioso demais. A criatura do outro lado havia parado de bater na porta de metal, mas fazia quanto tempo que isso acontecera? Alice não lembrava. Estava tão concentrada em consertar logo a energia para finalmente ter o laboratório funcionando que ficara distraída. Ela então caminha lentamente em direção à porta, preparada para qualquer surpresa. Estava alerta.
Um passo de cada vez.
Apenas o ruído do gerador de energia e a respiração ofegante de Alice quebravam o silêncio que havia se instaurado.
Então um som. Era parecido com o ruído ao se arranhar um quadro negro com um garfo e vinha da direção oposta. Alice repentinamente se vira. Após um breve instante de curiosidade, ela começa a caminhar até o outro lado, curiosa. Seu instinto dizia para correr dali e voltar agora que a energia estava mais ou menos estável, mas algo dentro dela a impelia em direção ao som, como uma mosca era atraída em direção a uma lâmpada.
Alice então vê que na parede havia uma porta ou abertura com grades impedindo a passagem. Notando que parecia faltar algo, a cientista vira seu olhar para a direita e encontra o que parecia ter sido o pedaço da parede de metal que esconderia as grades. Era estranho... O que ficaria (ou pelo menos deveria ficar) preso atrás daquelas grades?
Talvez fossem apenas grades sem qualquer objetivo e não tivesse nada haver com os horrores que ela havia visto. Além do mais, o que poderiam impedir? Os monstros que vira podiam passar por elas facilmente.
Pensando assim, Alice pegou um pequeno pedaço de metal e o jogou entre as barras. O pedaço parou no ar ao receber choques elétricos muito fortes e caiu no chão, meio derretido.
Barras elétricas. Mas o que em Primux deveria ficar preso atrás de grades eletrizadas? Não eram os animais que criavam lá para testes e não era a amostra que usavam no experimento do Projeto Centurion, já que eles ficavam bem seguros nos ambientes controlados da Ala Sul.
Então ela sentiu o cheiro. Era acre e insuportável, como podridão e óleo de motor. Lentamente Alice virou seu rosto e viu algo parecido com a substância escura que formava todos os monstros até ali. Cobria parte da parede e tinha uma consistência como se fosse borracha. Ela se aproximou um pouco e notou um rastro fresco de gosma que ia até as grades. Mas não parava aí. O caminho continuava em linha reta até um canto afastado e escuro da sala.
Alice teve a visão momentaneamente embaçada pela neblina que sua respiração gerou, mas logo percebeu o corpo, o que a fez se contrair de horror. Sua mente ainda não havia se acostumado com a ideia de que a imagem que tinha de Primux poderia não ser a real. Ela olhou o pobre homem com pena. Devia ter sido um monstro como os outros antes de que ele o matasse para ficar maior e mais forte. Agora era apenas o cadáver de um pobre mecânico que estava no lugar errado na hora errada. Alice se aproximou com uma ideia em mente. Porém constatou, com certa decepção, que aquele não era o homem de sua "alucinação".
Mesmo assim, ela resolveu examiná-la para ver se sua hipótese estava certa. E bingo! O corpo tinha a mesma mancha estranha sobre o peito que o almirante. Devia ser a mesma doença. Inconscientemente, a cientista voltou a cobrir o rosto com o tecido. Então o mesmo ruído irritante e misterioso que a atraíra até lá voltou. Ele vinha da ventilação e aumentava pouco a pouco, somado ao som de pesados passos.
Bang... Bang... Bang...
Os passos ecoavam pela sala vazia somando-se aos ruídos do gerador mal-reparado, o que causava uma sensação de expectativa. Foi então que a figura apareceu. De início, Alice não a reconheceu, mas então seu gravador começou a chiar terrivelmente e as luzes do painel se acenderam todas ao mesmo tempo e ela entendeu que era o ser.
Mas ele estava diferente. Seu formato estava mais parecido com o de um humano, mesmo que um humano disforme, como o desenhado por uma criança, o que era bizarro para Alice. Sua enorme garra arranhava a parede com mais força, o que fez a cientista apertar os ouvidos.
Ele se aproximou até quase tocar as grades eletrificadas e ficou encarando Alice profundamente. Ela sabia que devia correr, tentar sair dali, voltar para o seu esconderijo... Mas não conseguia. Seus músculos simplesmente não obedeciam seus comandos. Ela estava paralisada. Foi só quando ele esticou seu enorme braço pelas grades para tocá-la, recebendo um terrível choque (que aparentemente havia sido a única coisa a lhe proporcionar dor) que ela "acordou" e entendeu que tinha que sair dali.
Se levantou rapidamente e pegou sua bolsa. O som de choques aumentou, mostrando que ele continuou tentando passar. A dor do choque não causava o mesmo efeito nele muitas vezes seguidas. Alice sabia que ele a alcançaria se ela não fosse ágil.
Ela procurou abrir a porta, mas descobriu que estava trancada. Seu desespero aumentou. Ela usou toda a sua força para tentar girar o eixo, mas não conseguiu dar uma volta inteira. Olhou para trás uma única vez e logo se arrependeu. Ele estava prestes a sair por completo, com seu enorme e fino braço pronto para alcançá-la. Ela voltou-se novamente à tranca e, no auge do desespero, conseguiu girar o eixo por completo, abrindo a pesada porta. Ela se direcionou para o corredor, mas infelizmente uma das garras do ser cravou-se em sua perna machucada, o que derrubou a cientista. Ela caiu, gritando de dor, e começou a se arrastar no chão, tentando ir para fora. Porém um dos braços do ser se esticou até ela, agarrando sua outra perna.
Alice tentava em vão se soltar e gritava por socorro inutilmente. Ela chorava lágrimas de frustração, de decepção consigo mesma, de derrota. Repentinamente um dos monstros dos corredores apareceu. Com seus dentes afiados, ele mordeu o braço da criatura, fazendo com que a perna de Alice fosse solta.
Ela viu humanidade nos olhos dele por poucos segundos no instante em que seus olhares se encontraram, o que foi logo seguido pelo olhar selvagem de um animal.
Quando desviou o olhar, Alice viu no "pescoço" do monstro marcas do que devia ter sido uma corda apertada e algo transparente como cristal que lhe era familiar. Porém, nesses poucos segundos de distração, ele juntou suas terríveis garras e fez um golpe fatal no peito do monstro, que guinchou, irritado, e bateu contra o ser com mais força, jogando-o dentro da sala por completo. Alice aproveitou a chance e fechou a porta, prendendo o ser lá dentro.
Quando a tranca se fechou, ela pôde respirar aliviada. Ou não. Assim que se viu livre do "concorrente", o monstro voltou-se para sua presa, rosnando. Alice recuou, sentindo-se traída por ver que a ideia que tinha de que ainda havia um pouco de humanidade nesses seres era meramente uma ilusão. Ele avançou na direção dela e Alice só pôde colocar as mãos em frente ao corpo.
- Não! - gritou, sabendo que era seu fim.
Então o monstro parou, como se estivesse paralisado.
- O que...
Ele começou a se contorcer e a guinchar. Subitamente parou e simplesmente caiu no chão, aos pés de Alice, cujo sangue manchava o chão. Ela encarou-o, estarrecida, sem reação. Então a substância escura começou a sair dele e a ir para a parede, formando um imenso círculo disforme ali. A imagem parecia com um buraco negro, o que era bem curioso, mas Alice só tinha olhos para uma coisa: o corpo.
O humano que restara era o homem de cabelos pretos rebeldes da visão de Alice. E agora ele estava morto.
Era estranho para ela ver o quanto ele mudara desde o momento em que a visão se passara. Seus cabelos estavam maiores e sua barba estava maior. Além disso, suas roupas eram um traje espacial muito rasgado e sem o capacete. Essas mudanças fizeram Alice se perguntar quanto tempo havia se passado desde que a "nuvem de poeira" chegara lá.
Quando viu seu sangue congelado começar a grudar sua perna ferida no chão, Alice soube que era hora de partir. Ela se levantou com dificuldade, pegou sua bolsa e foi mancando até o corredor, almejando apenas voltar para seu esconderijo e os aparelhos de alta tecnologia médica.
Se ela tivesse ficado pelo menos mais uma hora, veria que a substância escura estava criando um buraco no metal, de modo que o ser pôde sair e voltar a ir atrás de Alice.
Mas o mais importante...
Se ela tivesse ficado, teria visto uma leve névoa sair pelo nariz do homem e em seguida ele abrir seus olhos castanhos, completamente confuso.
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E foi isso, gente! Espero que tenham gostado! Se gostou, não esqueça de votar e deixar seu comentário! 😉
E, gente, eu estou muito feliz!!!! Contágio ganhou PRIMEIRO LUGAR no Concurso Flores de Ouro!!! É a primeira vez que eu ganho um concurso e eu estou muito feliz!!!
Esse capítulo demorou pra sair porque eu queria muito chegar nessa parte da história. A partir de agora, podem acreditar que as coisas vão piorar, não só quanto à sobrevivência.
Até o próximo capítulo 😀
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