Fôlego
No último segundo, Alice se segurou em uma das barras quebradas que restavam das grades de proteção. O mundo tremia e a gravidade parecia enfraquecer ali, tão perto da queda. Usando toda a força que tinha, a cientista agarrou as barras quebradas e começou a se erguer para cima da plataforma novamente. Ela sentiu uma dor aguda quando uma ponta afiada se cravou em sua panturrilha. Gemeu de dor, mas não podia parar agora ou cairia para a morte certa.
Após muito esforço, finalmente conseguiu colocar seu corpo todo no chão frio da plataforma. Arfou, ofegante. Suava. Olhou para o precipício. Ao fundo, a superfície do lago se movia com impaciência, como se ainda estivesse chamando Alice para lá. A mulher rapidamente virou o rosto, assustada. Tinha sido por pouco. Seus braços estavam trêmulos e ela só sentia a dor aguda na perna. Só aí se deu conta da confusão de sons do lado de fora, como se estivesse ocorrendo uma luta.
— Mas o que... - começou, se erguendo com dificuldade e começando a andar em direção à saída.
Parou subitamente.
Ela soube antes mesmo que ele aparecesse. Um arrepio passou por sua espinha. Recuou lentamente, já prevendo o que iria acontecer. Dedos finos e escuros como pregos de piche surgiram primeiro, marcando o lado direito da porta. Logo depois surgiu a cabeça: oval, feita da mesma substância dos dedos, com três olhos vermelhos brilhantes e um sorriso largo de dentes afiados. Alice sentiu a taquicardia quando o medo a preencheu. Procurou seu pedaço de niotita, mas ele estava longe, jogado perto da cabine do núcleo.
Começou a correr, mas sentia que suas pernas eram de gelatina e a dor do machucado em sua perna tornava seu movimento mais lento. Era como um pesadelo em que você tenta correr, mas não pode. A criatura apareceu por completo na entrada da plataforma, uma sombra tendo o portal de saída como moldura. Ele não tinha pressa: sua presa não tinha para onde escapar.
Finalmente Alice conseguiu correr, atravessando todo o pedaço que faltava do caminho até a cabine. Olhou para trás, assustada. O ser estava a poucos metros e parecia apreciar o medo na face dela. A mulher então sentiu raiva e pegou o caco de niotita que estava no chão com rapidez. Ela não iria cair sem lutar, não seria esse tipo de pessoa.
A cabine era uma estrutura cilíndrica grande que ficava ao redor do Corium, a esfera feita de material transparente resistente à pressão reforçada com metal para conter o núcleo e toda a sua energia. Antes, apesar de ser um lugar onde se trabalhava com uma fonte de energia instável e nociva, ali era um lugar seguro. Agora o ambiente controlado estava com um terrível buraco no teto e em parte do chão e havia pontos do vidro de proteção em que ele estava prestes a ruir. A plataforma mais alta que era o chão no piso superior tremia de forma preocupante.
Com dificuldade, Alice abriu a porta enferrujada e torta, entrou com rapidez e fechou, torcendo para que isso atrasasse a criatura. Respirou fundo e então se virou, determinada.
No meio do ambiente havia um enorme círculo de vidro com um local quebrado por onde podia-se ver o núcleo. No teto, um projetor de hologramas se balançava, afetado pela força de sucção do buraco no vidro. À direita, um buraco no chão levava para a escada espiral que rodeava o Corium esférico até o piso inferior da sala de controle.
Balcões com computadores e pranchetas arruinados se erguiam nas bordas do chão de vidro. Era lá que estava o que precisava para religar o aquecimento central. Alice olhou para fora pela janela de vidro e viu que ele se aproximava cada vez mais. Logo o Mediador estaria ali e ela precisaria de uma boa estratégia para escapar. Começou a ligar desesperadamente os computadores.
Alguns pareciam irremediavelmente quebrados. Outros pareciam inteiros, mas, ao ligarem, a imagem da tela de bloqueio mostrava que não funcionariam. Poucos pareciam em perfeitas condições. Alice começou a procurar aquele que teria o que procurava, mas não era algo fácil. Não havia uma tela com algo tão explícito quanto "deseja ligar o aquecimento central?". Poderia ser uma missão inútil. A estrutura toda estava colapsando pela energia expansiva do núcleo que saía pelas fendas.
As paredes metálicas tremiam e rangiam, como se estivessem prestes a desmoronar, mas Alice ainda não tinha encontrado o computador certo. Ela sequer sabia o que estava procurando. Ryan era quem precisava estar lá, mas desde o início ele não acreditara no sucesso dessa "missão". Será que ele já imaginava que isso aconteceria, que tudo estaria um caos inútil? Aceitar esse plano definitivamente tinha sido uma péssima ideia. Parou, respirando fundo. Tinha que se acalmar ou o desespero a impediria de pensar.
Olhou para a entrada da cabine. O monstro estava do outro lado, prestes a invadir. Alice sabia que uma porta não manteria ele afastado para sempre. Começou a descer pela escada espiral, sentindo a luz emanada pelo gerador de energia. O calor ali era maior, já que estava mais próxima do núcleo. Apenas uma fina parede a protegia da radiação liberada por aquele gerador, mas mesmo assim a proteção não era total. Graças a todos os danos, a radiação a que Alice estava exposta poderia gerar sequelas.
Bam!
A porta fora arrancada e as janelas de vidro da parte de cima da cabine quebraram. O ser olhou ao redor no andar superior e percebeu que Alice tinha descido. Se pudesse suspirar, ele certamente o faria, afinal, por que sua presa insistia em continuar fugindo quando não havia mais saída? Humanos eram tão insistentes. Alice observou o monstro descendo lentamente pela plataforma. A parte da tenebris que formava o rosto dele e que estava mais próxima do núcleo pareceu adquirir uma textura mais rígida e áspera, como carvão.
Alice semicerrou os olhos, pensativa, tirando conclusões esperançosas daí. Continuou a fugir, não querendo diminuir a distância entre si e o monstro. Parou subitamente. Uma cratera muito maior do que a cientista podia pular se formara no chão, impedindo Alice de continuar seu caminho. Fora isso, ali também ficava o buraco no Corium, por onde parte da energia escapava em feixes letais. Mesmo com a roupa especial, a mulher sentiu seu rosto queimar um pouco quando se colocou na frente do buraco. Recuou, alarmada. Estava num beco sem saída.
Olhou para cima. O monstro já estava perto e ela não sabia o que fazer. Seus olhos desceram pelo buraco que ficava na própria estrutura da cabine. Era uma ideia. Uma ideia imprudente e arriscada, mas ainda sim uma ideia. Suspirou. Tempos desesperados pedem medidas desesperadas. Com o máximo de velocidade que pôde, Alice desceu até o buraco na estrutura, ficando acima do buraco no Corium. Ali, ergueu seus braços e se segurou nas protuberâncias das paredes. Respirou fundo e começou a escalar.
No treinamento físico para ir para uma estação espacial, Alice tinha feito o teste de escalada para examinar sua capacidade cardíaca entre outras coisas. Era um de seus piores resultados, já que ela não tinha o preparamento físico necessário. De qualquer forma, ir mal naquele exame nunca tinha sido algo importante e imaginava que não iria usar essa habilidade no futuro, afinal, quem consertava as coisas do lado de fora da estação e que realmente teria que escalar todo o lado externo de Primux eram os engenheiros.
Mas lá estava ela, provando a ironia da vida.
Se já não bastasse não ser boa nessa atividade em si, o fato de ter uma perna ferida, um rasgo em sua roupa espacial por onde seu oxigênio estava vazando e o fato de haver uma queda de dez metros logo abaixo não melhoravam a situação. O frio percorria seu corpo a partir da falha no aquecimento do traje. O sangue seco marcava sua panturrilha enquanto a perna direita de Alice escorregava várias vezes antes de conseguir se firmar.
Após uma eternidade, a mulher finalmente conseguiu chegar ao topo. De lá pôde ver as quatro saídas que conectavam as quatro Alas de Primux ao núcleo. Uma delas era uma ponte para o nada, já que havia quebrado bem no meio. Da conexão com a Ala Norte só restavam os cabos. Talvez pudesse ativar o aquecimento central pela sala das máquinas da Ala Norte e não haveria necessidade de ir até ali.
Arrepio.
Alice se virou a tempo de desviar das mãos do ser. Olhou para a criatura, fitando o perpétuo sorriso psicopata e as garras afiadas prontas para agarrar a presa. "Quiznak!", pensou Alice. Tinha demorado demais escalando e agora o Mediador tinha a alcançado. Colocou a mão no bolso da roupa, tirando de lá o caco de niotita. Ela não cairia sem lutar.
O monstro avançou novamente, seus braços se esticando como se fossem elásticos. Com destreza, Alice cortou um dos braços com a niotita. O longo braço caiu no chão, fervendo como óleo quente. O ser guinchou, furioso, enquanto o pedaço restante de seu braço chiava e se esfarelavam, brilhando como carvão em brasa. Alice olhou ao redor rapidamente, percebendo o buraco no teto. Correu naquela direção, mas a criatura agarrou sua perna machucada e apertou. A tenebris se infiltrou por baixo do traje e rapidamente se solidificou, formando longas agulhas que se cravaram no machucado.
Alice gritou de dor, as lágrimas invadindo seus olhos e ofuscando sua visão. Com o caco, cortou o braço do monstro, se soltando. Começou a se arrastar em direção ao buraco, tentando fugir. Mas o ser não ia abandoná-la tão fácil e saltou sobre Alice, imobilizando seu corpo. A mulher se remexeu o quanto pôde, tentando se soltar, mas era em vão. Ela começou a sentir falta de ar, a consequência do vazamento de oxigênio. Os espinhos de tenebris pareceram crescer e se multiplicar sobre sua perna, perfurando sua pele em vários lugares.
De repente um estrondo. Por breves segundos, Alice sentiu seu corpo voar no ar. Então o choque com o chão. Sua cabeça quicou contra o vidro do capacete violentamente, deixando uma marca de sangue na superfície transparente trincada. O ser pareceu afrouxar o aperto e Alice aproveitou a brecha para tentar um último golpe por sua vida. Porém não teve força suficiente e conseguiu fazer apenas um pequeno corte na cabeça do monstro. Ele recuou guinchando e Alice se perguntou se morreria agora.
Piscou, sentindo a iminência do desmaio. Sua visão ficou turva, mas ainda chegou a ver um vulto passar e se chocar contra o ser. Alice sentiu subitamente uma leveza e viu o vulto do Mediador lutando contra o primeiro. Os sons eram difusos, como se estivesse embaixo d'água. Sentia como se estivesse afundando.
Piscou novamente. Não havia mais vulto do Mediador. Alguém balançava os ombros de Alice freneticamente e emitia um som repetitivamente. A imagem do rosto se focou por poucos instantes, como um retrato pouco a pouco sendo coberto pela neblina.
— Ryan? - murmurou Alice, antes de fechar seus olhos.
A escuridão cobriu tudo. Ela sentia seu corpo caindo, afundando em águas profundas e frias como as de um lago congelado.
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Helo, people! Demorei, mas voltei!
Como eu não queria demorar demais (afinal minha meta é terminar esse livro nesse ano), aqui estoy yo.
O que acharam do capítulo? Estão gostando da história? Diz aí!
E não esquece do votinho e do comentário!
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