Esperança
Os olhos vermelhos faiscavam, como se dissessem a Alice que não tinha mais como ela escapar. Seus longos braços se esticaram na direção da cientista, mas ela os cortou habilmente, usando sua nova arma. Seus olhos se arregalaram de surpresa ao ver os cortes do monstro brilharem como brasa. Ele rugiu enquanto suas mãos se esfarelavam, mostrando dedos humanos. Alice arqueou as sobrancelhas, mais uma vez surpresa. Então ele também era um mutante... Se isso era verdade, ele poderia ser morto se matassem o hospedeiro.
A determinação preencheu seu ser, fazendo-a se esquecer momentaneamente das dores e da fraqueza. Pegou um objeto que flutuava ao seu redor e jogou-o, se lançando na direção de um dos robôs paralisados. Se firmando ali, ela tomou impulso e se jogou na direção de outro robô, se afastando do ser, o qual se movia e se debatia no ar, como se sentisse muita dor. Uma parte de Alice sentia pena enquanto outra se preenchia de felicidade vingativa. Finalmente tinha descoberto uma fraqueza do monstro que a perseguiu por tanto tempo. Sua sensação de impotência diante desses seres misteriosos sumia e agora ela se sentia no controle da situação. O medo quase se ofuscava diante da nova esperança.
Tomada de coragem, ergueu o rosto e viu Lance perto da entrada daquela Secção. Ele estava desnorteado e confuso, parecia não conseguir se mover. Talvez o golpe da criatura tenha sido muito forte. Alice tomou impulso novamente nos robôs, seguindo um padrão de movimento que notara quando o monstro-aranha a perseguiu. Por causa disso, rapidamente alcançou o outro cientista, que parecia ter espasmos.
Finalmente a mulher conseguiu parar em um robô próximo a Lance. Respirou fundo, cansada.
— Lance, - chamou - consegue me ouvir? Consegue se mover?
Ele se virou para ela com uma expressão de dor que dizia o quanto ele estava mal.
— Sim. - disse ele, com a voz arranhada.
— Ótimo, temos que ir agora enquanto ele está distraído. - falou ela, dando um breve olhar para o Mediador.
O monstro agora se movimentava menos, seu braço estava na metade e o brilho de brasa já acabava. Ele estava se recuperando.
— Alice. - Lance a chamou.
Quando ela olhou para ele, notou como estava pálido e suando muito. Ele balançou a cabeça, como se prevesse que ela ia perguntar se ele ia conseguir melhorar.
— Celiatron. - ele moveu os lábios, apontando para o pacote oval que flutuava no ar fora da caixa presa à roupa dele.
O rosto de Alice empalideceu.
O pacote de Celiatron flutuava no ar bem longe, perto do monstro.
Os olhos de Alice analisaram o ambiente rapidamente, estimando o peso de seu companheiro. Ela pegou um cabo solto que flutuava ao seu lado e amarrou uma ponta em Lance e a outra em si. Olhou sua mão. Nada de tremores. A adrenalina novamente agia. Ela se segurou no resto de máquina que lhe dava suporte e agarrou Lance, procurando mantê-lo parado com os joelhos. Com uma mão, retirou as luvas da roupa dele com cuidado. As mãos dele mostravam unhas grandes com veias escuras sob a pele. A mulher arqueou as sobrancelhas, preocupada. Talvez ele não conseguisse fazer o que ela propunha.
— O que você está fazendo, doutora Alice? - perguntou Lance, trêmulo.
Alice olhou para o monstro na frente deles com seriedade. O pedaço de metal frio estava na mão direita dela, pronto para seu plano. Sim, ela ia fazer o que imaginava, mesmo que pudesse trazer sequelas depois. Sequelas que ela já previa e saber o que viria como preço de seu sucesso naquela situação fazia a cientista se odiar. Porém situações desesperadas pedem soluções desesperadas.
— Confie em mim. - disse ela, se preparando. - Preciso que se transforme. Faça um ataque direto nele enquanto eu pego o Celiatron. Eu vou garantir que escapemos.
Sem dar tempo para Lance falar algo, Alice o lançou na direção da criatura enquanto empurrava o suporte com os pés. O homem fez o que ela falara, usando suas garras para atacar os olhos do monstro. Alice desceu, pegando o pacote oval de Celiatron. Rapidamente o Mediador reagiu, cravando seus dedos finos como agulhas no corpo de Lance. O homem gritou com a dor, sentindo a tenebris do monstro bombardear sua pele, um líquido espesso e ácido que o cobria aos poucos por baixo da roupa espacial.
Alice se esticou até o chão e, ao alcançá-lo, tomou impulso e se lançou na direção da saída.
Tudo ficou bem por breves momentos enquanto ela flutuava na direção da saída.
Então veio o puxão.
Alice se viu sendo puxada de volta para a criatura enquanto Lance deixava de ser visível em meio à escuridão que preenchia sua roupa espacial por uma das mãos do monstro. Desesperada, a mulher resolveu ir para a próxima parte de seu plano. Ela esperou chegar bem perto da criatura e então usou o caco de parede para cortar o cabo no lado de Lance. O ser tentou agarrá-la, mas ela cortou superficialmente o pulso dele, fazendo-o largar a outra ponta do cabo, no lado dela. Alice segurou Lance e o lançou na direção da saída. Como reação, ela foi lançada contra um dos robôs. Mais uma vez com um suporte, Alice tomou impulso e saltou atrás de seu companheiro, segurando o pacote oval de Celiatron contra o peito.
Mas o ser não ia deixá-la escapar tão facilmente, não quando ela estava tão perto e ele podia terminar sua missão dada por Enklidia, a Unidade. Sua mão cortada já se regenerava quando mais uma vez ele a esticou na direção dos humanos, os quais já tinham conseguido entrar no Separador Modular. Desesperada, Alice apertava o botão para fechar as portas. Os rangidos mostravam como elas estavam danificadas. Finalmente as portas se fecharam, mas lentas demais, já que uma das mãos do monstro as atravessou e agarrou a perna de Alice. Rapidamente a mulher cortou a mão do ser, permitindo que as portas se fechassem totalmente.
As luzes piscaram e Alice torceu para que o monstro não conseguisse entrar.
Silêncio. Nada aconteceu.
A mão começa a se movimentar com suas garras se afiando. Alice recua na cabine, se afastando. Logo a coisa se levanta e salta no capacete de Alice, tentando quebrar o vidro. A mulher grita, em pânico, enquanto rachaduras começam a aparecer. Subitamente Lance soca o monstrinho, agarrando-o e prendendo-o na caixa vazia de Celiatron. O clique do lacre trancando a caixa ecoa. Lance olha para Alice, que retribui o olhar. Ambos estavam ofegantes.
— Lance... - diz, Alice, ainda sem fôlego.
O homem ainda parecia mal. Estava pálido e com cara de quem queria vomitar. Porém toda a tenebris do ser não estava mais cobrindo-o.
— Como você...
— Eu o absorvi. - disse Lance, como se dissesse que tinha comido algo estragado. - Não foi fácil, mas... - ele fez cara de náusea. - Acho que posso "reprogramar" essa tenebris ao meu favor e fazê-la ser inofensiva. - ele apertou os lábios. - Só preciso... De um pouco de tempo.
Alice torceu o nariz ao ouvir esse final. Ela suspeitava que não ia ser algo tão inofensivo, mas que poderia fazer muito mal a todos, inclusive ao próprio Lance. E ela estava certa, como descobriria no futuro.
Alice levantou e desceu sua mão.
— Bem. - começou, enquanto tentava se levantar. - Parece que a gravidade voltou. - ela estendeu a mão para Lance. - Quer ajuda?
Ele rosnou, enquanto tentava se levantar sozinho. Mas estava muito fraco e bufou, percebendo o óbvio.
— Sim. - finalmente respondeu, erguendo o braço.
Com muito esforço, já que ambos não estavam bem, Alice conseguiu levantar Lance. Uma vez em pé, ele arfou, segurando o braço de Alice com muita força enquanto se curvava, parecendo sentir dor.
— Lance? - chamou Alice, preocupada, sentindo ele machucar seu braço com as garras.
Ele rangia os dentes enquanto sua mão apertava sua barriga.
— Lance?! Lance! - gritava Alice.
Ela usou seu outro braço para tentar erguê-lo. Subitamente o corpo dele relaxou, caindo nos braços de Alice, que fez força para conseguir impedir sua queda. Ela colocou-o sentado no chão. A respiração do homem era irregular e um fio de tenebris escorria de sua boca, um pequeno trecho de escuridão líquida.
— Precisamos... Precisamos... Sair... Daqui... - sua fala saía entrecortada.
Mal ouviu a fala dele, Alice abriu as portas do Separador Modular e procurou levar Lance para fora, colocando um braço dele por cima de seus ombros e arrastando seu corpo.
Andaram por alguns minutos em um silêncio tenso interrompido pelo som da respiração ofegante de Alice e do arfar de Lance. Estavam com o Separador Modular ainda a vista quando Lance caiu no chão, tendo outro espasmo. Alice desabou ao seu lado, esgotada. Estava muito fraca e a infeliz cólica parecia piorar.
— Não consigo... Não consigo res... Respirar! - Lance arfava, passando os dedos trêmulos no fecho do capacete.
Alice mais uma vez ignorou a dor e foi até Lance para ajudá-lo. Retirou o capacete dele com cuidado e recuou. Tenebris escorria dos olhos, ouvidos, nariz e boca de Lance. Ele arfava enquanto o líquido escuro continuava saindo, criando uma poça no chão.
Então um estrondo atrás, no corredor. Alice olhou brevemente para lá. Outro estrondo, seguido do alarmante som de metal rachando. Um par de portas a menos.
Lance gemeu, vomitando. Alice olhou para ele com pavor. Um fluxo cada vez maior de tenebris escorria por sua boca, aumentando a poça.
Tum!
O estrondo novamente. Só que mais alto.
Tum! Tum! Crack! Blam!
As pesadas portas metálicas desabaram no chão no corredor, mostrando, para o horror de Alice, a silhueta escura do ser. Ele gritou, se levantando rapidamente e erguendo o caco de parede de forma defensiva.
Um guincho ecoou atrás dela: a poça de tenebris se erguia tomando forma. Alice ficou de lado, de modo que poderia ver as duas criaturas. Ela apontava a ponta de sua arma para os dois lados, sem saber qual monstro atacaria primeiro. Estava com medo.
O ser se aproximou. Deu passos longos, chegando lentamente até Alice. A mulher, porém, não recuou, pronta para atacá-lo. Subitamente o amontoado de tenebris atrás de si saltou em sua direção. Com um reflexo impressionante, a cientista manejou sua "adaga" para cortar aquilo. Entretanto a bolha de escuridão simplesmente continuou seu percurso sobre a cabeça de Alice, sem sofrer dano.
A mulher recuou, surpresa. A bolha pousou no ser, se fundindo com ele. Seus olhos vermelhos faiscaram enquanto um sorriso sinistro se rasgava em sua face. Alice tremia enquanto segurava o pedaço de metal. Lance continuava caído no chão, fraco, a tenebris agora voltando para dentro dele. A mulher estava sozinha. Para piorar, ruídos ecoaram no corredor, atrás de si. As luzes do corredor piscaram.
Para espanto de Alice, um monstro apareceu ali. Mas não era apenas isso que a espantava. A outra criatura era exatamente igual a ele.
A cópia caminhou até o original, que abriu um sorriso ainda mais largo, e então se derreteu, virando uma poça que se juntou ao corpo do original.
Ele olhou para Alice brevemente antes de fazer um buraco no teto e entrar na ventilação, mas a mulher entendeu a mensagem: o trabalho dele estava feito.
Após o choque de saber da habilidade do ser de se duplicar, Alice foi ver Lance, que tentava se levantar sozinho.
— Você está bem? - ela perguntou, preocupada.
Ele gemeu e se levantou sozinho, subitamente forte o suficiente.
— Vou ficar. - respondeu, pegando seu capacete. - Temos que ir pro refúgio. - disse, pegando a caixa e o Celiatron. - Estou com um mal pressentimento.
Essa resposta de seu companheiro fez Alice ficar ainda mais preocupada enquanto os dois seguiam pelo caminho de volta para o esconderijo.
Eles atravessaram a Ala Noroeste e seu chão de corpos, o portão amassado de quarentena e a nuvem de poeira amarela, porém, mais uma vez, não encontraram qualquer criatura que quisesse atacá-los. As duas ou três com que se depararam não fizeram nada além de se afastar. Isso deixou Alice ainda mais paranoica com qual seria o real objetivo por trás da interferência do Mediador.
Logo ela teve sua resposta ao chegar no corredor do esconderijo.
— Não... - sussurrou, ao ver a porta destroçada.
Ela correu, desesperada, até lá e se deparou com uma cena de destruição. No meio de todo caos e destroços, os restos da Máquina Reparadora de Tecidos.
Socos ecoavam na porta do laboratório, ao lado do esconderijo. Lance foi até lá e a abriu, encontrando Mira, com um corte raso na cabeça.
— Até que enfim! - ela suspirou, saindo às pressas do pequeno laboratório. - Eu... Ah, não! - gemeu, vendo o cenário de destruição. - Tudo... Se foi.
Um gemido ecoou atrás das coisas quebradas. Alice foi até lá e encontrou um Ryan cheio de hematomas.
— Desculpe, Alice... - ele tossiu. - Eu... Não consegui detê-lo.
Em sua mão ainda restava o revólver, com o cartucho vazio.
Alice olhou, desolada, para tudo ao seu redor. Olhou a máquina, destruída, e o pacote de Celiatron, intacto. Foi então que se deu conta: o ataque na busca de Celiatron foi uma distração. Por isso o ser os deixou lá ao invés de matá-los. Por algum motivo, ele queria Alice e Lance vivos, mas sem poderem realizar seu plano de fuga. O ser esperou eles se separarem do integrante com maior capacidade de ataque para então destruir a única esperança de cura.
— A cura! - exclamou Alice, correndo até o laboratório, atrás do primeiro frasco de anticorpos que eles pretendiam replicar.
Porém a caixa onde ele deveria ficar para manter a temperatura estável estava vazia. No lugar, um pacote de Endiblue residia, como um lembrete de que Enklidia sabia de tudo.
— Miserável. - rosnou Alice, furiosa com o sarcasmo do monstro.
Mira surgiu atrás dela, metade do rosto coberto por sangue rubro.
— Eu já procurei. - disse, com tristeza. - Mas, quando me deixaram inconsciente e me trancaram nessa sala, acho que também levaram a cura.
Alice socou a parede, as lágrimas de raiva escorrendo. Ela saiu do laboratório arrasada.
— O que faremos agora? - perguntou Ryan, se levantando sozinho com dificuldade.
Alice balançou a cabeça e saiu dali. Precisava de um lugar para parar e se acalmar, porque ela também não sabia o que iriam fazer.
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Helo, people! Olha só quem voltou! Quem é vivo sempre aparece, não é? Aí vem mais!
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