Descontrole
Alice encarava fixamente a tela do computador. Um retângulo vermelho exibia o resultado do último experimento e ele não a agradava nem um pouco. Suspirou.
— 70% de compatibilidade e caindo... - murmurou, insatisfeita. - Isso não era pra acontecer. Droga! São resultados diferentes. Se ao menos eu tivesse alguma amostra mínima do soro...
Se recostou em sua cadeira, irritada. Mira já sabia disso. Ela sabia disso e tentou descobrir um jeito de driblar esse problema sozinha. Mas não adiantou nada. Ela estava morta e em breve Lance ia morrer, se não literalmente, figurativamente. De qualquer forma, isso seria ruim. Ele era um aliado importante demais para terminar assim. E havia também as gravações... Talvez, se não tivesse demorado tanto para revê-las, o fim de Mira poderia ter sido outro.
Ao menos a asiática havia deixado uma resposta antes de ir. Alice respirou fundo, colocando a mão na testa. Então seria assim? Um por um os sobreviventes morreriam com todo o esforço para conseguirem escapar sendo em vão? Não, ELA não iria acabar assim. Victória voltaria a ver a mãe de novo. Era uma promessa.
Pegou o tablet ao lado. A tela meio quebrada mostrava três pontinhos brilhantes no mapa da estação. Ryan tinha realmente feito um bom trabalho esse tempo todo. Ele havia consertado os comunicadores dos aparelhos e colocado um sistema de localização para não se perderem uns dos outros. Alice pressionou um ponto específico de sua luva e colocou o capacete de forma frouxa. Ainda havia oxigênio naquela Ala, então não precisaria fechar o traje.
Olhou para sua perna. Não havia nada do rasgo. A tenebris simplesmente endureceu sobre o tecido. Nenhuma amostra apresentou qualquer atividade, então Alice resolveu usar isso a seu favor e continuou usando o traje danificado.
— Ryan? Está aí? - chamou, recebendo chiado como resposta por alguns instantes.
— Oi, Alice. - soou a voz metálica de Ryan. - Está tudo bem aí? Algum problema? - ele soava preocupado.
— Nenhum problema, e na Ala Sul, como andam as coisas?
— Tudo vazio. - respondeu ele. - As cápsulas são bem difíceis de consertar, sabia?
— Se quiser posso te ajudar. - sugeriu sem muita vontade.
— Ah, não precisa. - ele respondeu com urgência. - Seu trabalho na sala das máquinas já foi o suficiente.
Ela deu uma risadinha.
— Claro, claro. Eu obviamente iria só ofuscar seu trabalho com minhas incríveis habilidades mecânicas.
Ele deu uma risadinha pelo rádio e desligou.
Então Ryan estava bem. Agora Alice podia se focar em seu verdadeiro alvo. Mira tinha alertado-a sobre a bomba-relógio que Lance era, mas Alice não desistiria tão fácil de achar uma solução para ele antes que fosse tarde demais para consertar algo. Tinha que haver um jeito, um caminho alternativo que garantiria a sobrevivência de todos. Ela só não sabia o que era. Se ao menos tivesse um pouco do soro...
Olhou para a tela do tablet com seus pontinhos brilhantes. Se levantou da cadeira, prendeu o capacete do jeito certo e ligou o purificador de oxigênio. Iria atrás de Lance.
Caminhando pelos corredores da Ala Norte, Alice refletia sobre qual o melhor jeito de dizer uma notícia ruim para alguém. Certamente deveria ser sutil e começar por algo mais simples antes do baque real. Apesar de serem companheiros nessa situação totalmente fora da realidade, Alice não podia deixar de cogitar que Lance estava há muito tempo em contato com a tenebris. O que isso podia significar sobre seu estado mental? Ele era claramente instável e por mais que Alice se recusasse a pensar isso, ela sabia que ele podia ter alguma reação agressiva ao que ela estava prestes a falar para ele.
Mesmo seres humanos normais tem reações ruins quando estão em negação diante das adversidades, então o que um com capacidades sobre-humanas poderia fazer? A mulher suspirou. Se sentia mal por estar levando consigo o caco de niotita e o dispositivo de eletroparalisia de Mira. Olhou para o objeto cilíndrico de metal. Agora sabia o bastante sobre ele e saberia dar um choque controlado que, em teoria, apenas faria a tenebris recuar sem matar Lance. Talvez isso ajudasse a atrasar o desenvolvimento do câncer dele. Parou um pouco, respirando fundo dentro do capacete. Coragem, Alice. Em um de seus bolsos ainda restava o vidrinho de calmante que ela tinha tomado para essa ocasião.
Um fêmur humano se destacava abaixo das raízes alienígenas no chão. Essa imagem definitivamente não ajudava no efeito que o remédio deveria causar. Ergueu o rosto, passando os olhos pela sala do almirante Meliés, o local onde encontrou Lance pela primeira vez. Se bem que com a amnésia constante talvez não fosse a primeira vez que ela encontrava o mutante. Seguiu em frente, parando na porta da Sala de Comando, onde havia os computadores para se comunicar com a Terra, verificar a situação de Primux e checar o consumo de combustível. Lá dentro, a silhueta preocupada de Lance se destacava.
Suas sombras, causadas pela luz forte das telas, pareciam se alongar bastante atrás dele e se moviam demais, como se estivessem vivas. Era quase hipnotizante.
— Alice? - disse Lance, interrompendo os pensamentos da mulher.
Ela piscou e as sombras de Lance voltaram a ser estáticas e parcialmente apagadas, como sombras normais.
— Oi. - Alice disse, entrando na sala. - Está tudo normal aqui? - ela perguntou, subitamente sem ideias de como começar o diálogo.
Lance estranhou a aproximação. Se ela quisesse saber disso, poderia simplesmente contatar pelo comunicador que Ryan arrumou. Os pelos de sua nuca se arrepiaram. Poderia ser uma armadilha. Provavelmente era, considerando o que ele estava escondendo em seu traje.
Droga! Quando será que descobriram?
Alice era suspeita. Lance tinha visto o ser cercá-la e depois ela voltou viva e sem sinal da criatura. Fora que ela já tinha sobrevivido bem antes a um encontro mental com Enklidia. Certamente tinha algo errado com Alice. Ninguém seria tão sortudo. Coincidências não existem. E se ela estava lá para "acabar com as pontas soltas" por causa do que ele tinha em mãos, provavelmente Ryan era um cúmplice.
— O que está fazendo aqui? Se quisesse saber de algo, poderia ter só falado pelos comunicadores. - ele foi direto, já pronto para reagir a qualquer ataque.
Alice fez uma expressão confusa e surpresa. Ele estava sendo um pouco hostil. Será que já suspeitava sobre o motivo que a fez ir até ele para um contato direto? Deu um sorriso disfarçado. Ele era mais esperto do que ela pensava.
— Eu... Só vim conversar.
Lance fez uma expressão de incredulidade. Não era do feitio da Unidade enrolar antes de fazer cortes. Ou talvez ela só estivesse fazendo isso para esperar o instante em que ele baixasse a guarda.
— Como foi pra você... No início? - Alice perguntou, hesitante. Não queria ser indelicada, mas precisava começar por um assunto que o desarmasse e fizesse com que se abrisse. - Quando estava tentando controlar a tenebris.
Ele fez uma expressão de curiosidade. Por que a Unidade escolheria justamente esse tópico? A menos que Alice fosse apenas uma humana. Mesmo assim, por que ela iria querer conversar sobre isso? Não parecia do feitio de Alice. Decidiu apenas seguir o fluxo.
— Bem, era... Era difícil. - ele começou com um olhar pensativo. - Era como se eu não precisasse ficar no comando das minhas ações... No início. Mas então eu sentia que eu ia desaparecendo aos poucos e notava que precisava retomar as rédeas. - ele suspirou. - Especialmente por causa dos "incentivos" que eu recebia no laboratório.
Lance olhou para Alice com seriedade, tentando decifrar se ela estava fingindo interesse.
— Eu focava em uma memória feliz, em algo que me fizesse me agarrar ao mundo real com unhas e dentes. - seu olhar ficou triste. - Mesmo que talvez eu não voltasse a vê-lo. - ele se focou em Alice, que encarava o vazio com seriedade. - Mas por que a pergunta?
A mulher abriu a boca, sem saber bem o que dizer. Talvez fosse a hora de dizer. Porém, antes que pudesse falar qualquer coisa, ele começou a rosnar. Alice olhou para Lance, meio assustada. Foi então que percebeu que ele olhava para a porta aberta com parte do rosto coberta pela tenebris. A mulher observou a imagem perturbadora.
Na frente da porta estava Nancy. Suas roupas de cientista estavam ainda mais em frangalhos e cobertas por líquido escuro como petróleo. Seu rosto estava desfigurado com os olhos brancos em fenda e o sorriso de dentes de tubarão.
— Alice... - disse lentamente com sua voz arranhada. - Que bom vê-la aqui também. Veio ajudar meu trabalho? Que graça. Continua sendo a assistente.
Lance olhou para Alice com raiva, os olhos literalmente brilhando, mas ela apenas entregou uma expressão inocente de medo. Ele franziu o cenho por baixo da tenebris, percebendo que estava enganado sobre a mulher.
— Eu vou adorar esfaqueá-la mais uma vez! - gritou o monstro, partindo pra cima de Alice com toda a sua velocidade.
A cientista tentou fugir das mãos de navalha, mas foi em vão. Uma das mãos de Nancy acertou a parte de cima da perna de Alice e a outra atingiu o abdômen. A morena caiu no chão, agonizando enquanto uma poça de seu sangue começava a se formar.
— Não... - arfou Lance, recuando.
Tudo estava se repetindo. Ele não podia fazer nada. Nada. Nada! Recuou, arfando e apertando a cabeça. Não, não, não, não, de novo não... Faça parar! Ele sentiu a razão deixando sua mente enquanto a tenebris o cobria por completo. Logo ele era uma fera rosnando. Nancy soltou um riso de escárnio.
— Você não pôde me deter da última vez, lembra? - ela disse, irritante.
Mas Lance não ouviu a provocação. Na verdade, ele não ouvia mais nada. Era um animal incontrolável. Ele simplesmente começou a atacar a mutante com agressividade repetitivamente. Ela tentava desviar com agilidade, mas ele sempre conseguia atingí-la. Ela o cortava com seus dedos de lâmina, mas ele não parecia se importar com a dor e os machucados. Continuava atacando sem dó, como se fosse uma alcateia inteira em ação.
Lance finalmente derrubou Nancy e completou com uma mordida fatal no pescoço dela. Sangue esguichou para todo lado enquanto a mutante se contorcia no chão, gargalhando de forma gorgolejante. Não importava se tinha morrido, seu objetivo estava cumprido. Lance começou a se jogar contra a parede, rosnando. Ele parou, arfando. Seus olhos cintilantes adquirindo um tom assassino. Nancy finalmente se calou, morta.
O mutante encarou Alice, mostrando seus dentes manchados de sangue. A mulher se remexeu, tentando recuar. Seu corpo todo doía e mal conseguiu se afastar um centímetro a mais, um trajeto de sangue se formando no chão. O monstro se aproximou, correndo, muito mais rápido que o rastejar da cientista.
— Não! - gritou Alice, sem ar.
Lance simplesmente parou. Ele gritou, apertando a cabeça enquanto se jogava contra a parede repetidamente. Subitamente ele parou e sentou no chão, se encostando na parede enquanto arfava. A tenebris parou de cobrir seu rosto e só restou sua expressão de pânico. Seus olhos estavam vermelhos como se tivesse ficado acordado a noite toda. Ele olhou para Alice com um olhar assustado e se levantou lentamente.
— Lance... - Alice sussurrou, seu olhar pedindo ajuda em silêncio.
Mas ele apenas a ignorou e saiu correndo pela porta, esbarrando nas paredes. Alice recostou sua cabeça no chão, fechando os olhos. Ela não conseguia se mexer, continuava perdendo sangue e Lance estava tendo problemas para se controlar. Tudo estava dando errado.
_________________________
Helo, people! Desculpa a demora, tive uns probleminhas. Sabe como é, vestibulares...
Bem, sobre o capítulo... Estamos entrando nos arcos finais, por isso não esqueçam de apoiar o livro com um votinho de presente de Natal e comentários com sua opinião sobre a história 😉.
O que estão achando? Alguma teoria? Não esquece de comentar!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro