Afecção
Alice abriu os olhos lentamente. A luminosidade forte da tela do computador chocou-se contra sua retina. Sentiu um gosto amargo em sua boca. O mal-estar se estendeu para sua barriga. Uma dor incômoda pontuava seu abdômen. Sobre o braço direito, um adesivo mal colado de cafeína se soltava. A cientista se ergueu lentamente, colocando-se em uma postura melhor e percebendo o quanto seu corpo estava fraco e sua mente, grogue.
— Ah, não... - gemeu, arrumando os óculos embaçados em seu rosto. - Por quanto tempo eu dormi?
Sua garganta arranhava e sua pele estava áspera, sinais de falta de água. Poucos segundos se passaram antes que ela se lembrasse do porquê de estar lá. Como um flash, todas as informações de suas experiências voltaram e uma pequena dose de disposição a tomou seguida de pânico e expectativa. Se virou novamente para a tela, onde a barra de carregamento dos dados passou do 99% para o 100%. Suspirou e clicou para ver os resultados.
A resposta, exposta com um retângulo verde no meio da tela, a fez tombar na cadeira novamente, esgotada e aliviada.
— 75% de sucesso... - murmurou, sorrindo.
Sua garganta seca a fez ter um acesso de tosse. Quando parou, Alice mais uma vez encarou o resultado da análise no computador, como se quisesse se assegurar de que era verdade. Realmente estava lá. Não era 100%, mas considerando as circunstâncias em que fez essa pesquisa, esse já era um longo salto em direção a uma possível salvação. Se levantou da cadeira. Precisava dar as boas notícias. Foi então que sentiu um desconforto em sua boca. Colocou a mão e notou como a gengiva estava dolorida. Poderia estar inflamada. Ao retirar os dedos, observou algo preocupante. Nas unhas lascadas se encontrava sangue. Esses sinais poderiam representar outro problema, algo que havia matado muitas pessoas no início do milênio anterior: deficiência de vitamina C.
Isso era ruim. Mas Alice não queria se preocupar com outra questão naquele momento, então simplesmente ignorou e saiu de seu laboratório improvisado com o pequeno e frágil frasco contendo o soro A. Deu alguns passos. O corredor estava escuro e frio como sempre. Estava quase silencioso demais. Um instinto primitivo dizia que havia algo errado. Engolindo seu medo, começou a andar e sentiu suas pernas fraquejarem. Naquele instante, se arrependeu por não ter comido praticamente nada enquanto fazia o experimento. Sua glicose estava baixa. Encostou-se na parede metálica, respirou fundo e fechou os olhos. Precisava continuar. Suor frio escorria pelo sua pele seca. O chão parecia girar.
— Não... - gemeu. - Não... Pare...
Deu um passo. Sua mão raspou a parede de metal.
— Não pare, Alice. - disse para si mesma, rangendo os dentes, o que fez sua gengiva doer mais.
Deu mais dois passos.
Era inacreditável. Após sobreviver a monstros alienígenas, Alice Primrose, microbiologista da NASA, morreria em um corredor escuro por causa da hipoglicemia que a impediu de fugir de qualquer criatura que aparecesse naquele corredor solitário e escuro. Apertou os olhos. Não queria esse tipo de pensamento.
Como uma resposta do universo, ela ouviu um guincho na parte de trás do corredor. Um arrepio passou por sua nuca. Paralisou. Não queria olhar. Não ia olhar. Mais guinchos. Sua respiração acelerou. O chão pareceu rodar mais rápido. Não conseguia se mover. Parecia não ter forças. Seus braços prenderam ao lado do corpo e seu ombro tocou a parede. Deu mais um passo.
— Só mais... Um... Passo... - arfou. - Só mais um passo...
O mundo piscou. As cores O ar ficou opaco. Fumaça preenchia o espaço do corredor. Um vulto passou ao lado de Alice, movendo um neblina de pó. Seu jaleco branco pouco se destacou. A mulher tentou chamá-lo, mas sua voz não saiu. A dor em sua barriga se acentuou e só então Alice notou que suas mãos seguravam firmemente sua barriga. Elas pareciam molhadas. Uma mancha escarlate cobria sua roupa. Luzes vermelhas de alerta piscavam nas paredes. O som chegava abafado nos ouvidos de Alice, como se ela estivesse embaixo d'água. Sua respiração falhava. Tossiu. Se apoiou nas paredes. Carmim manchou o metal embaixo de suas mãos. Ouviu um guincho. O pânico a fez começar a andar. Seu joelho esquerdo doía e a fazia mancar a cada passo, mas a mulher não parou.
Não conseguiu mais respirar. O ar pesado a sufocava. Mais um guincho. Em seguida um grito feminino. Passos. Garras arranhando o metal. Gemidos de dor. Som de ossos se quebrando. Mas Alice não ousou olhar. Mais um passo. Só mais um passo. Um arrepio passou por sua nuca e ela sentiu que a criatura havia notado sua presença. Tentou andar mais rápido. Mais um passo. Mais um passo. Mais um passo. Mais um passo. Não pode parar. Não pode parar. Não pode parar... Gritou. O vulto de algo grande e pesado saltou sobre seu corpo, pousando na sua frente.
O mundo piscou.
Um ser escuro feito de uma substância gelatinosa e fétida a encarou.
O mundo piscou.
A criatura tinha um corpo humano do qual saíam braços monstruosos e escuros com garras que quebravam o chão.
O mundo pis...
O focinho vagamente canino estava poucos metros a frente. Seus mortais olhos néon a observavam com sadismo. Caninos sujos sobressaíam-se nas gengivas roxas. Tenebris saía da base da parede, onde estava o corpo destroçado de um mutante, até a criatura na frente de Alice, aumentando seu corpo.
O mundo...
Os braços monstruosos se ergueram para atacar Alice, mas algo interrompeu isso. Era um som agudo e hipnótico. O monstro rugiu. Outro surgiu, saltando sobre ele. Eles começaram um luta brutal, selvagem. Os tentáculos do segundo monstro imobilizavam os braços musculosos do primeiro, que logo parou de mover. Um ruído ecoou, como o estalo de algo muito grande se partindo. A tenebris se soltou do corpo do primeiro monstro, se juntando aos tentáculos. Alice arfou, exasperada. A criatura com tentáculos virou-se lentamente. Um corpo humano pendia em seu centro. A cabeça ergueu-se num ângulo estranho, mostrando olhos escuros e uma barba mal feita.
— Doutor Elliot...? - sussurrou Alice.
O monstro abriu sua boca.
O mundo piscou.
Um rosnado grave preencheu o corredor vazio.
O mundo pis...
Um grito inumano e hipnótico saiu de sua boca. As pálpebras de Alice começaram a pesar.
O mundo...
O lobo saltou na direção de Alice. Ela mal conseguiu dar as costas. Ergueu sua perna para tentar fugir, mas só o que teve foi uma dor lancinante quando as garras do monstro cravaram-se em suas costas. Ela caiu no chão com força. O ar escapou. O bafo quente do monstro assoprava seu pescoço nu. Seu olhar assustado cruzou-se com o olhar néon do monstro. Uma fagulha de reconhecimento. O monstro saiu de cima de Alice e moveu-se cambaleante para o meio do corredor. Parecia estar em agonia.
Alice piscou.
O corpo do monstro se alongou.
Alice pis...
Tomou forma humana. Um urro de raiva irrompeu de sua boca. Seus olhos luminescentes viram Alice.
Alice...
O urro se calou.
— Alice! - gritou Lance, verdadeiramente assustado. - Não! Não! Alice, fica acordada! - um choro de desespero. - O que foi que eu fiz?
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Havia um ruído. Era insistente e repetitivo, como de uma máquina de xerox imprimindo.
— Será que ela vai ficar bem? - dizia uma voz feminina. Mira.
— Claro. O cartucho de Celiatron ainda dá para a cura total dela... - disse a voz grossa de Ryan.
— Cura total?! Ela está em um estado terrível! Ela não tem se alimentado e isso só piora a situação! - dizia a voz de Lance, alterado.
— Calma! Ela vai ficar bem! - disse Mira, com seu sotaque coreano. - Eu vi situação pior em prisioneiros da guerra civil de 25, no América latina.
O som parou. Alice abriu os olhos lentamente. Aspirou o ar ruidosamente, chamando a atenção de todos ali.
— Vocês falam demais. - resmungou se sentando.
Em seguida teve um acesso de tosse que fez com que se encolhesse.
— Alice... - disse Ryan, se aproximando dela.
Ela ergueu sua mão, sinalizando que ele parasse. Ele recuou. Assim que a tosse cessou, Alice os encarou seriamente.
— O soro deu certo.
Todos a olharam com surpresa.
— O que? - disse Ryan, incrédulo. - Achei que era impossível, considerando as circunstâncias.
— Tem falhas... - disse Alice, movendo a cabeça, concordando. - Mas é o melhor que temos. - ela se ergueu da maca improvisada onde estava.
Parou bruscamente. Uma tontura rápida veio. Balançou a cabeça, se virou e começou a checar a parte de trás da máquina reparadora de tecidos.
— Espera, Alice. - disse Ryan. - O cartucho está...
— Vazio?! Como isso aconteceu?!
— Você estava em um estado ruim, doutora Alice. - disse Lance, baixinho. - Tivemos que gastar também o estoque de nanócitos. Sobrou só a reserva e...
— O quê?! - exclamou Alice, furiosa. - Ok! Ok... - ela respirou fundo. - Antes do ataque, tinha chegado um novo carregamento de suprimentos. Deve ter algum cartucho de nanócitos e de Celiatron no depósito...
— O depósito?! Mas é na Ala Noroeste! É muito longe para ir só! - disse Ryan.
— E eu não vou. - disse Alice, indo até um canto particularmente cheio de destroços metálicos que eles usavam usualmente como arma. Virou-se para os outros três. - Hum... Lance, escolho você. Vamos até a Ala Noroeste, entramos no depósito, pegamos cartuchos de Celiatron e voltamos. Simples.
— Espera aí... O que... - gaguejou Ryan. - Alice, você não pode sair assim! Você mal acordou! Não está totalmente recuperada e...
— E ainda temos trabalho a fazer. Eu disse que tinha aquele plano antes. E para deixá-lo mais fácil precisamos desse soro! - disse Alice, assertiva.
— Doutora Alice... Tem certeza disso? - perguntou Lance, receoso. - Eu não sei se sou confiável ultimamente...
— Mas é o com mais força. - disse Alice, se decidindo por um pedaço de metal especialmente resistente e pontudo. - E posso precisar desse tipo de ajuda. - disse ela, se virando para ele e olhando-o nos olhos com determinação.
Lance suspirou.
— Não é uma boa ideia, doutora. - disse Lance, suspirando.
— Você não pode me impedir de te seguir. - disse Alice segurando o pedaço de metal. - Estou precisando de... Uma coisa de mulher. Você não entenderia.
Ele desviou o rosto de um jeito meio surpreso e envergonhado, percebendo do que ela estava falando.
— Está bem... - disse. - Mas é melhor não causarmos mais danos a esses trajes. São poucos.
— Você fala como se fosse culpa minha que mutantes vivem nos atacando. - disse Alice, com ar de graça. - Vamos. - no último instante, ela parou e se virou. - E Ryan e Mira... Protejam o meu soro. - disse, séria. - A todo custo. Voltamos logo.
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Helo, peoples! E aí, como vão? Curtiram o capítulo? Demorou, eu sei, mas antes tarde do que nunca, não é verdade?
E a Alice? Acham que o plano dela de fato vai ser "simples assim"? Será que ela conseguirá voltar pra casa? Descubra acompanhando 😉
E não esquece de deixar seu votinho e seu comentário que me ajuda muito 😊
Até o próximo capítulo!
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