O sol já nasceu lá na fazendinha
Como é possível salvar uma vida? Consegue imaginar o quão complicado é a existência de quem está sempre correndo em direção ao perigo apenas para proteger outras pessoas?
Pensando um pouco além disso, vamos imaginar que se apenas uma vida já é difícil, imagina salvar a humanidade. E convenhamos, qual ser humano é ético, íntegro e toda essa baboseira de honra o suficiente para decidir quem vive e morre? Em 2036 temos duas organizações que fazem essa seleção, Corvus a primeira a ser criada e Orion, equivalente à prima invejosa e maldosa presente em toda família.
Corvus é uma organização do governo qual faço parte, não se sabe em qual linha de tempo isso ocorreu ou quem é o grande criador, tudo o que sabemos de sua história são boatos e que os primeiros membros foram selecionados de maneira aleatória, nenhum deles tinha uma super habilidade que poderia ser usado de justificativa para a sua escolha, eram pessoas normais vivendo suas vidas.
Na iniciação, passamos por treinamento intensivo, aprendemos de tudo e no final do processo somos enviados para a sede da organização onde nosso genoma é alterado possibilitando o desenvolvimento de habilidades especiais. Quando o processo chega ao fim, somos enviados para cumprir a missão, o método é bem fácil, consistindo em alterar as memórias das pessoas que vivem naquele meio, uma vez inseridos no ambiente estudamos a melhor forma de lidar com a situação e eliminar o alvo.
Não é de fato uma eliminação, já que não os matamos. Ele é enviado para estudo e lá aprendemos melhor como funciona a consciência perturbada deles. Tudo ao seu redor se altera, a mente de todos daquele tempo é apagada e consequentemente o futuro muda.
Por isso digo que não é fácil salvar pessoas, ser seu juiz e carrasco, porque mesmo desenvolvendo certa habilidade ainda permanecemos humanos e esse é o motivo para as duas organizações serem rivais, acreditamos na redenção e que ninguém nasce necessariamente ruim. Na Orion as coisas são obscuras, são formados por mercenários, todos criados à partir de um padrão que muitos consideram doentio, como acontece na Corvus os agentes são geneticamente modificados, ganham super força e alta resistência aos ferimentos, mas o preço que é pago para isso acontecer é caro demais, um mercenário não pode ter sentimentos ou então não é considerado perfeito, uma pessoa com sentimentos erra, torna-se refém de suas emoções, tem compaixão com o próximo. Não é o propósito da organização, é por isso que na sua criação, um soro foi desenvolvido, toda à humanidade do agente é contida, não existe mais um ser ético presente naquele corpo é apenas alguém que segue instintos e regras. Nunca questionam, sempre seguindo ordens e eliminando de fato os alvos, são ceifadores, impiedosos e destemidos, criados como monstros.
Já tive o desprazer de conhecer muitos deles e não consigo me ver fazendo o que fazem, não por ser um modelo de honra a ser seguido, mas por considerá-los incapazes de sair desse padrão, pertencer a uma única coisa sem ter a autonomia de sentir, como posso fazer na Corvus, definitivamente não é algo que anseio.
— Podemos ir ver os coelhos agora? — Michelle, é apaixonada por animais, em especial, coelhos. Com dez anos ela nunca esquece nada que prometo, é uma irmã muito pentelha e não imagino minha atual vida sem ela e Renato. — Você prometeu que quando amanhecesse ia me levar lá.
— Já tomou café da manhã? — Faz que sim com a cabeça. — Theo já chegou? Sabe que não podemos andar por aí sem ele, principalmente porque vamos sair escondidas do papai.
— Mas se vamos sair escondidas, por que temos que chamar ele?
— Bom, o caminho até a outra fazenda é longo, sendo um ótimo cão de caça vai nos seguir de qualquer forma, melhor levá-lo junto e poupar o pobre coitado de ganhar alguns cabelos brancos.
Depois de explicar o motivo do por que a saída escondida, que não era tão escondida assim, levantei da varanda onde estava sentada e fomos procurá-lo.
O encontramos na frente de casa cortando lenha, Deus tenha misericórdia da minha alma porque esse homem é um convite ao pecado ainda mais sem camisa e fazendo trabalho braçal. Se fosse de fato uma moça dessa década, exatamente de 1940, certeza que ficaria corada e nunca teria tantos pensamentos impróprios, ainda bem que não sou.
— Theo, nós vamos ver os coelhos na fazenda Alvorada. — Me encara como se estivesse acabado de ouvir a maior das ofensas. — Nem adianta me olhar assim, estou dizendo que vamos, não pedindo a sua permissão, a questão é: Vai junto ou irá depois nos buscar como um bom cachorrinho do meu pai? — Tenho certeza que os dez segundos que demorou para responder foi gasto planejando diferentes maneiras de me matar por falar dessa forma com ele, não sei porque gastou tempo pensando se a resposta da morte ideal é óbvia: Matar de prazer é sempre a melhor opção.
— Você sabe que o seu pai me deu permissão para te trancar no quarto não é? Deveria repensar a maneira que fala comigo. — Não entendo o porquê de ainda não ter feito isso, me trancar em um quarto com ele é meu desejo há meses.
— Ela não falou nenhuma mentira, Theo! — Michelle me defende, está sempre tentando me proteger. — Vive fazendo tudo o que o papai manda, parece mesmo um cachorro!
Dou risada, se até uma criança reconheceu isso, não podemos duvidar de que seja verdade, ao ver que ele está me olhando com muito rancor escolho deixar a provocação para mais tarde.
— Vocês irão me meter em problemas, mas como é humanamente impossível falar não para as duas, irei acompanhá-las e fingir que não iriam fugir caso tivesse indo até à cidade acompanhar o Seu Vagner!
Minutos depois, estamos seguindo em direção à fazenda vizinha, que fica cerca de vinte minutos de onde moramos. A família Alvorada vive do comércio de pequenos animais, é a única da região que Vagner não teve interesse em destruir, deve ser por causa do caso que tem com a mulher do dono. Nunca pensei em morar no campo, nasci na cidade e cresci no meio de todo aquele barulho, poluição e tecnologia, não conhecia outra forma de viver que não fosse aquela, mas após dez anos morando em Remansinho me acostumei com a vida monótona de acordar com o barulho dos galos, os raios de sol invadindo a cortina e iluminando o quarto. A melhor parte é quando estou com Mimi e Renato, filhos do meu alvo, Vagner, é por eles que estou a tanto tempo nessa missão e tão distante de 2036.
O percurso é preenchido por Michelle contando sobre o sonho que teve e Theo transbordando de ódio em cada passo, não está nada contente por ter desobedecido às ordens do patrão, não me importo o suficiente com a sua ira já que ver Mimi feliz é tudo o que interessa. Ao chegar na fazenda vamos rapidamente até onde ficam os coelhos, é um celeiro, atrás da casa principal, ninguém aparece por aqui nesse horário.
Me sento em um banco que tem na entrada e o mau-humor em pessoa fica na porta observando Mimi se divertir com os pequenos animais. Aproveito para observá-lo.
Theo é loiro, tem trinta anos de pura beleza — abençoada seja a genética desse homem — um corpo definido, várias tatuagens, o que é estranho para essa época e para uma cidade no meio do nada, não foco muito nessa questão porque elas são atraentes demais, prefiro não pensar muito sobre um possível passado obscuro. Tudo sobre ele é intrigante, em seus olhos há sempre uma determinação, como se estivesse focado em um único objetivo, não é possível identificar compaixão ou julgamento em suas decisões, mas tem algo, além disso, um olhar perdido, um olhar de quem nunca foi amado e talvez nem saiba o que é esse sentimento.
Isso que me deixa tão disposta a perturbar o seu juízo, quero entender sua história, saber o que o trouxe até aqui. Quando sou irritante todo o controle se vai e ele finalmente se torna alguém que consigo alcançar.
— Por que está me encarando? — pergunta. — Espero que não esteja planejando me dopar e fugir como na noite passada. — Não sinto orgulho, mas fiz isso. Vagner, meu pseudo pai, não permite que tenhamos contatos com outras pessoas, com exceção da governanta e Theo. Sair da propriedade é fora de questão e qualquer um que ao menos pense em olhar em nossa direção, assina instantaneamente, sua sentença de morte, dessa maneira fico bastante tempo presa em casa o que me deixa sufocada, então às vezes preciso fugir para respirar ar puro, mas desde quando o bonito começou a trabalhar, tive que interromper as fugas.
— Está me acusando de dopá-lo? — independente do seculo, sempre é bom dar uma de sonsa — Você realmente acredita que sou capaz de fazer algo assim?
— Sim, acredito! — me olha como se a resposta fosse óbvia, e é mesmo, ergo os ombros em um sinal claro de "fazer o que, né?" — Contudo o seu plano não foi eficaz já que não nasci ontem. Vi que foi até o bar na saída da cidade, me pergunto como chegou lá tão rápido.
Queria dizer que foi dirigindo, mas ele não acreditaria, nesse lugar nenhuma mulher pode ao menos pensar em querer dirigir, sem contar que surtaria ao descobrir que roubei o carro.
— Peguei carona — respondo de maneira simples — não vou te contar com quem foi, pouparei o coitado de uma morte horrível apenas por ter tido contato comigo
— Imagino o que seu pai faria com o cara que você estava beijando — não estava esperando por isso, ninguém na saída da cidade me conhece, por isso aproveito a oportunidade de ir lá me divertir e ficar com alguns homens de índole duvidosa, no mínimo posso terminar a noite socando a cara de alguém, o que será igualmente gratificante.
— Você não vai contar nada para ele — levanto do banco e aponto o dedo para seu peito, lado bom de ser uma mulher alta, temos quase a mesma altura — Porque aí serei obrigada a contar sobre as suas saídas para ficar com a amante dele — arregala os olhos, ponto para Ravena — seria uma pena ele desperdiçar um homem tão bonito assim cortando o seu bem mais precioso.
— Como você sabe sobre isso? — dou risada, uma veia em sua testa está a ponto de estourar
— Ela quem contou, acha mesmo que perderia a oportunidade de se gabar? — não julgo, ficar com esse homem tem feito parte do meu imaginário a meses, me aproximo mais, praticamente colando meu corpo ao seu — ela é tem bom gosto, porque para ficar com meu pai precisa ter coragem, mas com você? Precisa ter sorte — me olha meio perdido e mexe no colar em seu pescoço é uma mania bonitinha que tem quando fica irritado ou não sabe como lidar com alguma situação
— E o que vai fazer com essa informação? — e não é que depois dessa pergunta o desgraçado acaba com o espaço que nos separava, homens bonitos e confiantes são meu ponto fraco.
— Vou guardar para uma futura chantagem! — passo à mão em seu peitoral — enquanto isso, quem sabe você não consegue comprar o meu silêncio com serviços sexuais?
— Está querendo me fazer de gigolô? — pergunta não acreditando no que ouviu — espero que saiba que essa possibilidade está fora de cogitação, não é do meu feitio corromper meninas inocentes
— Mas faz parte da sua personalidade ser um rato sorrateiro que dorme com esposas alheias? — reviro os olhos — sua moralidade é duvidosa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro