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Capítulo 6

Termino de preparar o meu café da manhã no momento em que minha mãe entra na cozinha. Em uma mão está a sua bíblia, a outra está no calcanhar, mexendo no encaixe do salto.

— Está linda! — enfio uma colher de cereal na boca.

— E você não está pronta! — ajeita a postura. — Se atrasou?

— Na verdade... — coloco o bowl de cerâmica na mesa e puxo a cadeira para me senta. — não irei hoje. — fito o leite misturado com os cereais.

— Por quê? — volta a ajeitar o salto, que claramente a incomoda.

— Porque eu não quero! Não estou com vontade! — solto o talher, fazendo um barulho agudo ao se chocar com o bolw.

Silêncio.

Sem tirar os olhos do meu café, percebo o momento em que dona Abigail se aproxima, arrasta a cadeira e senta ao meu lado.

— Quer conversar comigo? — nego com a cabeça. — Por acaso essa falta de vontade de ir ao culto tem a ver com suas saídas noturnas? — olho embasbacada para minha mãe. — Eu tenho ciência de suas saídas há anos, Alice! — cruza as mãos sobre a mesa. — Então...?

— Er... não! — nego com a cabeça. — Claro que não! Para ser sincera, as minhas saídas têm sido escapes para mim. Uma forma de esquecer a confusão que está a nossa vida. Eu só não estou com vontade de ir, mãe. Não hoje.

— Compreendo. — fita o tampo da mesa de madeira. Em seguida olha para mim. — Apenas tome cuidado para que isso não se torne constante, minha filha. Cuidado para não perder o interesse nas coisas de Deus. Não me refiro apenas em ir à igreja, mas em seu relacionamento íntimo com Ele.

— Eu sei que está preocupada comigo. Sei o que isso significa. — toco sua mão e lhe ofereço um sorriso reconfortante. — Fique tranquila, pois não estou passando por um esfriamento espiritual. — afirmo com convicção.

Entretanto, o meu coração me dizia o contrário, assim como as minhas atitudes ao longo das semanas que se seguiram.

Parei de ir à igreja com dona Abigail e Jully. Não meditava mais na palavra de Deus, e muito menos conversava com o meu Pai. A preocupação da minha mãe e da minha amiga era explícita. Toda vez que uma das duas tentava tocar no assunto, eu inventava uma desculpa qualquer para mudar o rumo da conversa. Apenas precisava de um tempo para mim. E isso não faria mal a ninguém.

***

— ... aí eu disse para a minha irmã que sua filha não estava prestando atenção em nada, não fazia o trabalho direito, e que se as coisas continuassem assim, seria obrigada a manda-la de volta para casa. — como sempre, Judit não parava de falar. — Dona Gianna veio fazer algumas reclamações comigo. Ou seja, a culpa sempre irá recair sobre mim.

Expiro devagar, controlando a paciência, que ultimamente estava em falta. Agarro as sacolas retornáveis com força e caminho mais depressa.

— Alice, querida, não consigo andar muito rápido. Não sou tão novinha como você!

— Me perdoe, Judit, mas as coisas estão pesadas. — ofereço um sorriso sem graça e caminho mais rápido para a cozinha.

— A senhora, mais do que qualquer um sabe que seria uma experiencia incrível e extremamente necessária para ela. Conhecer a cidade onde irá morar em breve, se familiarizar com as pessoas. — sorrio ao ouvir a voz da aminha amiga. Ela sempre dá um jeitinho de escapar e vir para a cozinha, seja para me ver ou conversar com minha mãe, coisa que ela ama fazer, principalmente quando a matriarca não estava em casa.

— Não sei se será uma boa ideia, Jully. — a mais velha responde.

Coloco as sacolas no chão da dispensa e entro na cozinha. O que me surpreende é ver o Oliver ao lado da irmã.

— Concordo com a Jully, senhora Green. — toca o ombro da irmã. — Alice nunca saiu de Cambridge. Sem contar que em algum momento ela terá que ir para lá. — arqueio as sobrancelhas. Paro no alisar da porta e observo os três. — Será bem melhor se ela tiver esse primeiro contato conosco. Somos pessoas conhecidas e conhecemos a cidade.

— Pois é! — Ju segura as mãos da minha mãe. — Por favor!

— Posso saber o que está acontecendo aqui? — chamo a atenção deles. — E para onde a Alice terá que ir? — pergunto a última frase olhando diretamente para Oliver.

— Nós iremos viajar para Londres no próximo fim de semana e estamos perguntando para a sua mãe se você poderia ir conosco. — ao ouvir a palavra "Londres" meus olhos brilham.

— Isso é sério? — ele assente e sorri.

— Uau! — minha mente começa a fazer planos. — Mãe, eu preciso ir! — aproximo-me dela com as mãos unidas. — Por favor!

— Você sabe que não depende apenas de mim, Alice. — ergue um pouco a sobrancelha direita, lançando-me um aviso com o olhar.

Solto um ruído de frustração.

— Ele nunca irá deixar! — murmuro.

— Boa tarde! — olho para trás, assustada ao ouvir a voz do meu pai. Os demais o cumprimentam. — Acabei de conversar com o Senhor Walker. Creio que estão aqui para perguntar à Abigail se a Alice pode viajar com vocês. — olho para os meus amigos.

— Isso mesmo, senhor Green.

— É o que deseja, Alice? — Era a primeira vez que ele falava comigo há semanas. A pergunta é direcionada a mim, porém, seus olhos não fitam os meus.

— Sim! — balanço a cabeça em afirmação.

— Então está decidido! Ela pode ir. — sua voz sai simpática, mas seus olhos estão ardendo com a raiva. Principalmente quando ele olha para minha mãe.

— ISSO! — Jully comemora, mas Oliver permanece quieto, observando o meu pai.

Após pedir licença aos filhos dos seus chefes, o mais velho sai da cozinha.

— Nem acredito que iremos viajar juntas, pela primeira vez! — Ju me abraça com força.

— É, nem eu!

— Temos muito o que fazer! Irei criar um roteiro de viagem para que você e o Bruce possam conhecer cada lugar de Londres, em apenas um fim de semana. Será um desafio, mas irei me empenhar nisso! — ela segura minha mão, enquanto me puxa para fora da cozinha.

— Eu tenho que trabalhar, Jubs! — tento puxar minha mão de volta.

— Minha mãe não está em casa, apenas o papai. E ele é de boa.

— Quem é de boa, Jully Walker? — a menina me solta e corre para os braços do pai.

— O melhor pai do mundo! — sorrio com a interação e carinho dos dois.

O senhor Charles Walker é um homem de meia idade que exala seriedade e elegância. O que poucos sabem, é que ele é um homem extremamente bondoso e simpático. Dono de um humor leve, e presença agradável. Apesar de sempre estar vestido com os ternos mais caros da Inglaterra, até mesmo dentro de casa, Charles Walker é uma das pessoas mais humildes que já conheci.

— Já sabe que ela está querendo algo em troca, não é? — Oliver se coloca ao meu lado.

— Não dê ouvidos a ele, papai! Só do senhor ter convencido o pai da Lice a deixa-la ir conosco, não irei pedir mais nada neste ano. — os dois homens riem juntos.

Viro a cabeça para trás e percebo que minha mãe olha para nós com o cenho franzido e olhos preocupados. Ofereço um sorriso sincero, e ela me retribui com outro, totalmente forçado.

— Animada com a viagem, Alice? — volto minha atenção para o patriarca da família Walker.

— Estou super animada, senhor Walker! Muito obrigada por convencer o meu pai a me deixar ir também!

— Não foi nada! Tenho certeza que irão se divertir bastante. — diz passando a mão pelo cabelo grisalho.

— Pai, agora se o senhor nos dá licença, temos muita coisa para organizar! Além do mais, temos que aproveitar enquanto a mamãe está fora. Beijinho! — beija a bochecha do pai e sobe a escada, levando-me junto.


>>>><<<

Ouvi "Londres"?? 👀

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