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Capítulo 22

Nunca pensei que enterrá-lo seria uma das coisas mais difíceis que aconteceria em minha vida. Mesmo sabendo o que estava por vir, fiquei sem chão. Completamente perdida. Se não fosse pela ajuda do senhor Charles e do Thony, provavelmente o enterro não teria acontecido. Não fui capaz de mover um dedo para agilizar absolutamente nada, após receber a notícia.

Durante o velório, percebi que minha mãe estava bem. Bem na medida do possível. Muito melhor do que eu. E apesar de não derramar uma lágrima sequer ao longo do funeral, quando chegamos em casa, eu desabei. Passei a noite em claro pensando na vida e em todas as coisas que eu poderia ter feito para evitar tal desgraça. Em todos os momentos que poderia ter tido ao lado do meu pai, junto com minha filha e nossa família. Não consegui pegar no sono.

Agora, da janela da cozinha, observo o carro antigo que papai costumava mexer, quando eu era bem novinha. Foi ali, em um dos diversos momentos que passávamos juntos, que me apaixonei por motores e mecânica. Uma de suas grandes paixões também.

— Alice? — volto à realidade ao escutar a voz de mamãe.

— Bom dia! — forço um sorriso, virando em direção à sala, onde ela está.

Mamãe me analisa atentamente. Então se aproxima e me envolve em um abraço consolador. Já não tinha lágrimas para chorar.

— Passou a noite em claro, não foi, querida? — ele me chamava assim...

— Sim. — a voz sai falha. Me afasto, jogando o pano de prato em cima da bancada. — Não consegui dormir.

— Escutei o seu choro... — acaricia meu rosto. Provavelmente as olheiras estão profundas e escuras. — Lutei contra a vontade de ir até lá, te pegar em meu colo e arrancar toda dor. Mas você estava precisando de um momento seu.

Solto um suspiro alto.

— Sim, estava. — caminho até o fogão e desligo a boca que fervia a água do chá. — Ainda não consigo acreditar que ele se foi. — apoio as mãos nas laterais do fogão e observo minha imagem no tampo de vidro. — Eu fui tão burra, mãe! Eu perdi tanto tempo guardando rancor, mágoa. Sendo orgulhosa... Ele precisava da minha ajuda! — viro-me de frente para ela. — Eu pensei em não vir. E eu me odeio por isso.

— Não diga essas coisas, filha. O importante é que tomou a decisão certa. Você veio, e os dois se reconciliaram. — inclina a cabeça para o lado — O seu pai estava realmente feliz. Ele voltou para os braços do Pai. Se arrependeu de tudo o que fez e retornou para o caminho a tempo.

— Ele me contou. — pego a chaleira, despejo o líquido em duas xícaras e vou para a mesa. Mamãe se acomoda também. — Eu vi o brilho em seus olhos. — entrego uma para ela, que toma um gole e em seguida cospe de volta.

— Quanto tempo o chá ficou no fogo? — pergunta, fazendo uma careta. Dou um sorriso de lado.

— Não tenho certeza, mas creio que foi mais do que o suficiente. — digo, bebendo o meu próprio chá. — Está horrível! — afasto a xícara. — Perdão!

Em silêncio, ela se põe de pé e começa a preparar um novo chá para nós. Aproveito o momento para observar o local, pela centésima vez.

— Irá permanecer aqui? — pergunto, sem desviar os olhos da poltrona onde ele costumava se embebedar enquanto assistia seus jogos.

— Como assim? — volta para mesa com nossas bebidas. Desta vez o chá está delicioso.

— Nesta casa. — dou de ombros. — É impossível permanecer aqui e não lembrar dele. Foram tantos momentos. Bons e ruins. Eu, particularmente, estou me sentindo sufocada. — bebo mais um pouco do chá.

— Querida...

— Por favor, não me chame assim. Pelo menos não agora. — digo com seriedade. Ela assente, antes de continuar.

— Filha, esta é a minha casa. O meu trabalho é aqui. Infelizmente não posso fugir da realidade. — olha para o lado de fora, através da janela. — Acredite, não será fácil, mas Deus me ajudará, como Ele sempre fez. — fito a mesa. Não me sentia confortável quando escutava falar sobre o cuidado dEle. Algo em mim se remexia e me deixava mal. — Só sairei daqui quando Ele ordenar.

Após um longo período de silêncio, tomo coragem para perguntar o que sempre me intrigou.

— Mãe... — ela vira o rosto para mim. — Por que não desistiu dele? Por que não se separou ou o denunciou?

Ela abre um sorriso triste. Seus dedos brincam com a alça da xícara enquanto ela escolhe as palavras com cuidado.

— O seu pai não estava bem. — silêncio. — Tudo começou a desmoronar quando ele descobriu sobre o câncer, há pouco menos de sete anos. Ele ficou completamente abalado e perdeu o chão. Foi nessa época que Robert começou a ficar agressivo e grosso com as palavras. Seu pai não me contou o que estava acontecendo, preferiu passar por tudo sozinho. Isso o deixou perdido e abalado. Mas eu descobri alguns meses antes de você ser aceita na faculdade. Eu o questionei, e ele ficou louco... — ela solta um suspiro pesado. — E aquela foi a primeira vez que ele me agrediu fisicamente.

Seu olhar encontra o meu. Faze-la trazer à memória essas péssimas recordações, não foi muito sábio da minha parte.

— Não precisa continuar, mãe! — seguro sua mão sobre a mesa.

— Está tudo bem! — é claro que não estava. — Quando percebeu o que tinha feito, ele ficou em choque. Seu pai nunca tinha erguido uma mão contra mim. E eu confesso que pensei em me separar e me divorciar, muito antes de você me incentivar a fazê-lo. — assinto com a cabeça. — Um dia eu cheguei a ir na delegacia. Estava prestes a subir os degraus quando senti uma brisa suave. Naquele momento, após algumas semanas totalmente conturbadas, senti paz novamente.

Ela se levanta, recolhe nossas xícaras e as coloca na pia. Em seguida volta para a mesa.

— Eu resolvi ir para uma praça. Fique sentada por um tempo. Apenas os meus pensamentos, Deus e eu. Analisei tudo o que estava acontecendo em nossas vidas. Tudo o que poderia acontecer. E cheguei a uma conclusão que me fez desistir da ideia de denuncia-lo. Se eu o fizesse, Alice, provavelmente o seu pai não conseguiria uma nova chance. Talvez se entregaria à depressão e acabaria morrendo.

— Me perdoe, mas acho que isso não adiantou muita coisa. — ela abriu um sorriso genuíno.

— Adiantou! E muito! — diz com convicção. — Após você se mudar, nós tivemos uma conversa séria. E eu creio que tudo o que aconteceu entre vocês, acabou o ajudando de certa forma para ele conseguir enxergar o que estava fazendo. — franzo o cenho. — Você nunca percebeu isso, e eu não quis contar, pois aconteceu na época em que descobriu sobre a gravidez. — ela ergue a mão esquerda e balança os dedos. Só então percebi que estava sem nada. Arregalo os olhos.

— Vocês se separaram. — digo baixo. Mamãe assente — Por que não me contou?

— Como disse, você estava preocupada com a gravidez. Não queria trazer outras preocupações. Além do mais, foi uma decisão mútua. Entretanto, permanecemos morando juntos. Eu prometi que iria ajuda-lo a passar pelas dificuldades, se ele permitisse. E, para minha surpresa, Robert concordou. Ele estava exausto de tudo isso, mas não sabia o que fazer. — ela olha em volta, pensando em algo. — As coisas mudaram entre nós. Não o amava mais, como uma mulher ama um homem. Por outro lado, recuperamos algo que ao longo do tempo tínhamos perdido: nossa amizade.

— E aí? — pergunto com curiosidade.

— Foi uma verdadeira luta contra a bebida, que se tornou um vício. Em muitos momentos ele voltou para os braços do pai, mas não conseguia permanecer por muito tempo. Sempre tinha uma recaída. E ele ficou assim até poucos meses atrás, quando voltou pela última vez. — seus olhos encheram de água. — Um dia ele me confessou algo, disse que tinha feito uma oração. Na oração ele pediu que Deus o levasse antes que ele se desviasse novamente. Ele preferia a morte ao invés de se afastar do Pai, Alice. — sinto uma lágrima rolar pelo meu rosto. — E assim Deus o fez, minha filha. Ele o levou.

— Uau! — fecho os olhos com força, lembrando-me da alegria e do brilho nos olhos do meu pai ao falar de seu retorno. — Ele realmente estava feliz.

— Sim! — mamãe enxuga o próprio rosto. — O mais irônico é que, não foi o tal câncer que o matou, a doença que arrancou o seu chão, mas sim a cirrose. O fruto de suas escolhas erradas, ao decidir por si mesmo o que deveria fazer para enfrentar a situação. Ele buscou refúgio na bebida e colheu os frutos de tal escolha. Ele mesmo se gozou ao perceber isso. — dá um sorriso triste. — Mas respondendo sua pergunta, eu não desisti porque, acima de tudo, ele era uma alma que clamava por socorro, Alice. E como imitadora de Cristo, eu precisava ajuda-lo.

O silêncio paira entre nós, enquanto digiro todas as informações.

— Sabe, eu fico muito feliz por ele ter tido a chance de ver a Bonnie. Me sentiria péssima caso ele morresse sem vê-la. — minha mãe alarga o sorriso de quem esconde algo. — O quê?

— Toda vez que eu ou o senhor Walker íamos para Londres, seu pai ia junto. — pisco algumas vezes. — Ele acompanhou de longe o crescimento de Bonnie. Sua vida... — ela segura minha mão. — Ele a amava tanto, Alice! Tentou entrar em contato com você por muitas vezes, mas nunca conseguia. A culpa o engessava, assim como o orgulho. — ela desvia os olhos para a janela. — Apesar de tudo, vocês são muito parecidos.

— Mamãe! — a voz sonolenta de Bonnie nos faz olhar para a sala.

— Oi, meu amor! — levanto da cadeira e vou ao seu encontro. — Bom dia! Dormiu bem?

Ela esfrega o olho com uma mãe e ergue o outro braço, pedindo colo.

— Domi.

Pego-a no colo.

— Mas parece que a cama ainda está aí atrás. — dona Abigail vem até nós. Retira a neta do meu colo e começa a conversar com ela.

Mais uma vez meus olhos percorrem a sala, e é inevitável pensar em nossa conversa. Em minha vida...

— Você está bem? — me assusto com a presença de Thony atrás de mim. — Foi mal! — sorri de lado.

— Estou! — ele ergue a sobrancelha, voltando a ficar sério. — Vou ficar! — olho para a cozinha, onde mamãe está brincando com Bonnie. Ele acompanha meu olhar.

— E ela?

— Está melhor do que eu! — dou um meio sorriso. — Deus está cuidando dela.

— Que bom! — sorri, mas volta a ficar sério em seguida. —Estava me perguntando algo, não como médico. — concordei. — Quando levou a Bonnie para conhecer o avô daquela maneira, por algum momento, você pensou nas consequências dela...

— Anthony! — exclamo assustada, levando as mãos à boca, ao entender onde ele queria chegar. — Eu não pensei na minha filha. Não pensei em como seria arriscado caso...

— Ei, calma! — ele me abraça. — Está tudo bem, não aconteceu nada!

— Mas poderia ter acontecido! Eu fui completamente irresponsável e imprudente! — nego com a cabeça, socando-me por dentro. O desespero invade o meu coração.

— Você está com muita coisa na cabeça, Alice. Precisa descansar um pouco, principalmente agora. Já pensou em tirar férias.

— Não posso! Ainda mais com as coisas que estão acontecendo na empresa. — travo o maxilar, só de pensar que teria que voltar em breve. — Mas eu irei ficar bem.

— Olha, — Anthony toca meu ombro e o aperta de leve. — Por mais que você não acredite, Ele também está cuidando de você!

Olho para o meu amigo e sinto o coração aquecer com suas palavras, mesmo não acreditando verdadeiramente nisso. Apenas assinto. Encosto a cabeça em seu ombro e volto a observar as duas na cozinha.

>>>><<<<

Voltei! Semana corrida, mas trouxe o capítulo novo 😊

Att.
NAP 😘

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