◇5◇Olhares e Alianças
Como falta um pouco mais de meia hora para o almoço ser servido no refeitório da escola, resolvo que é uma boa ideia explorar o lado de fora do prédio.
Enquanto ando pelos arredores, vejo alguns campos que reconheço serem de treinamento, alguns com telas cercando, outros abertos, como o de arco e flecha.
Mesmo sendo no topo de uma montanha, o terreno da escola é vasto, o prédio é grande, e o descampado também.
Vejo alguns funcionários e guardas, até passo por um grupo de crianças. Reconheço algumas delas, pois estavam no ônibus do orfanato ontem.
Querendo ou não, os olhinhos atentos delas parecem me seguir enquanto me afasto. Acredito que meu cabelo deva chamar bastante atenção ou talvez minha fama de esquisita já tenha chegado aos ouvidos de todos.
Ao voltar para onde iniciei minha pequena expedição, percebo que perdi um detalhe. Existe um banco quase na beirada do precipício que dá vista para a floresta e a cidadela mais abaixo.
Me sento nele, sentindo o vento fresco bater levemente contra meu rosto. Um sorriso toma conta de mim; fazia anos que eu não sentia isso, ao menos acho que lembro de ter sentido.
Depois de observar e absorver a paisagem outonal à minha frente, sigo o caminho para o refeitório, pois estou morta de fome.
♤♤♤
Assim que passo pelas portas duplas do refeitório, a sensação de ter pelo menos a maioria dos olhos sobre mim me acomete. Pelo menos não tem tantas pessoas assim, talvez por ser um sábado.
Ao correr os olhos pelo lugar, não vejo as duas garotas invasivas do café da manhã; talvez tenham saído.
Vou até o lugar onde pegamos as bandejas e pego uma. Sem fila alguma, coloco sobre ela o que me agrada aos olhos. Então, vou até uma mesa mais no canto, que está vazia.
Levo um susto quando alguém para na minha frente, do outro lado da mesa, assim que me sento.
— Posso sentar aqui? — Lyall pergunta, e eu apenas assinto. Resolvo ignorar momentaneamente o pensamento de que ele espalhou que sou a esquisita novata. — O seu cabelo é natural? — pergunta, assim que se acomoda na cadeira à frente.
Tão sutil quanto um coice, esse garoto, não?
— Sim. — respondo, querendo comer em paz.
— Sério? — Ele questiona, parecendo realmente surpreso.
— Não sei por que tanto espanto. Já vi várias pessoas nesse lugar com cabelos de cores diferentes — constato. Ele faz que sim com a cabeça, enquanto engole um pedaço de frango que estava em seu prato.
Ele é rápido em mastigar e falar, enquanto eu ao menos coloquei algo na boca.
— Isso é verdade, mas eu nunca vi ninguém com o cabelo roxo — ele retruca com um certo ar de triunfo.
Por um momento, esqueço que ele pode ser a fonte das garotas de mais cedo, mas seu tom inocente me faz querer deixar para depois esses questionamentos. Sinto que terei outras oportunidades de falar com ele.
— Então terá que se acostumar — digo, com um sorrisinho, tomando um pouco de suco.
— Pode deixar, eu me adapto rápido, docinho. — Franzo o cenho com o apelido que ele usa.
— Não me chame assim — repreendo, com um pouco de humor na voz.
Não odiei a forma como ele me chamou, mas também não temos intimidade para tal coisa, então é melhor ele não me chamar assim.
— Você não me falou o seu nome — ele retruca com um bico nos lábios.
Lyall tem uma aparência forte, olhos dourados marcantes, cabelo preto tão escuro quanto a noite. Sua pele razoavelmente bronzeada o deixa ainda mais belo, mas ele tem algo que lhe dá um ar doce e talvez... inocente?
— Você não me perguntou — constato.
— Você não perguntou o meu também — ele retruca. Talvez essa seja nossa linguagem, ficar retrucando um ao outro.
— Eu escutei alguém te chamando, então... — confesso, dando de ombros.
— Espertinha. Mas deixe eu me apresentar formalmente, docinho... — E mais uma vez esse apelido.
— Não me chame assim — repreendo novamente.
— Não posso prometer tal coisa — reviro os olhos com suas palavras. — Me chamo Lyall Keirnan, tenho superforça, estou no sexto ano e venho de Parvereu. E você, bela senhorita, como se chama? — Ele se apresenta com um tom formal na voz.
Acredito que o ensinaram a se apresentar assim, tão sério, ou talvez ele só esteja brincando comigo. Provavelmente, nunca saberei a resposta.
— Me chamo Azul Avaluna, sou conjuradora e também do sexto ano — apresento-me com o mesmo tom formal dele, recebendo um sorriso vitorioso.
— Oh! Conjuradora? — apenas assinto, comendo rapidamente. — Você não estava com a Makayla e o irmão esquisito do Davian? — O tom pejorativo que ele usa ao falar de Rune me incomoda um pouco, mas, como venho fazendo desde que cheguei aqui, ignoro.
— Estava, mas eles foram almoçar na cidade — respondo.
— E não te levaram? — Ele pergunta com um fundo de irritação, acredito que deixei transparecer um pouco da minha frustração.
— Eles foram de bicicleta, e eu não sei andar. Também não quis incomodá-los para me levarem — respondo, desviando o olhar.
— Posso te ensinar a andar antes de anoitecer. Umas quatro está bom? — Lyall pergunta, me surpreendendo completamente.
— Não precisa! — Digo, negando freneticamente com a cabeça.
— Eu insisto, esteja na garagem às quatro — ele diz sério demais para que eu volte a negar, mesmo querendo muito.
— Se você não estiver lá, nunca mais olho para sua cara — digo, séria, fitando-o fundo nos olhos.
— Fechado. — Ele me estende a mão, que aperto firmemente.
Ficamos um tempo assim, apenas nos encarando.
— Lyall, já terminou? Precisamos resolver aquele negócio, lembra? — Um garoto e sua cópia feminina aparecem do nada, me fazendo soltar a mão de Lyall bruscamente.
— Azul, esses são os gêmeos metamorfos, Mila e Miles Faris. Eles também são do nosso ano — Lyall os apresenta.
Os gêmeos, mesmo de sexos opostos, são idênticos: cabelos cacheados (o dela um pouco mais longo que o dele), olhos grandes de um verde pétreo, rostos de maxilar quadrado muito marcado e sardas sobre os narizes. Eles também são um pouco assustadores.
— É um prazer conhecê-los — digo, e eles apenas assentem em sincronia.
— Vamos, Lyall? — Miles o chama novamente.
— Teremos uma festa extracurricular amanhã à noite. Venha com a Makayla e o... — Ele esquece o nome de Rune, que logo digo. — Isso mesmo, eles sabem o lugar. Nos vemos mais tarde, docinho. Vista calças — Lyall solta uma piscadela, pega sua bandeja e segue os outros dois.
Fico me perguntando como é a voz da garota, pois ela não disse uma palavra. Termino de comer, deixo minha bandeja e, quando estou prestes a sair do refeitório, uma mão segura meu pulso, me fazendo parar bruscamente.
Ao olhar para trás, ainda surpresa com o puxão, me deparo com os olhos prateados e irados de Davian.
— O que diabos aconteceu?
— Não seja tola achando que vai ser amiguinha do Lyall, pois ele não é amigo de garotas — ele começa a falar, me deixando de boca aberta.
— Primeiro, Mila me pareceu uma garota. Segundo, não é da sua conta com quem faço amizade, apenas se mantenha longe de mim — digo, tentando me soltar.
— Ele só quer te usar com segundas intenções — diz entre dentes, ainda mais irritado.
— E daí? Que ele use com segunda, terceira ou décima intenção. Quem vai lidar sou eu, com as consequências das minhas escolhas. E a primeira delas é que vou adorar me manter distante de você, então me solte agora!
Davian é desagradavelmente forte demais para que eu consiga me soltar. Pensei que ele fosse conjurador!
— Depois, não diga que eu não avisei — diz, aproximando-se do meu rosto.
— Tenho um ótimo travesseiro que vai segurar bem minhas lágrimas, obrigada — ele ri soprado e me solta.
Davian sai do refeitório depois de me lançar um olhar afiado. Fico para trás, sem entender nada do que acabou de acontecer. Meus olhos correm para as pessoas que ainda estavam no local, e percebo que todos estavam me observando. Sem saber como andar normalmente, quase corro para fora, deixando-os para trás.
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