◇29◇ O retorno de Davian
Passamos horas organizando toda a escola. Amanhã faremos uma homenagem para os alunos e professores que deram suas vidas para protegê-la.
Os corpos serão enviados para serem sepultados pelas famílias. Eu não quero nem imaginar a dor de cada uma ao receber a notícia de que perdeu um familiar em um lugar que deveria ser seguro.
Estou sem coragem de voltar para o meu quarto. Não quero me lembrar dos momentos que passei com a Mila: de como passávamos horas comigo falando e ela dando seus palpites e conselhos certeiros, ou de quando, mesmo sem querer, eu a fazia rir – algo que era tão raro.
Passei um ano com ela como minha companheira de quarto, e tudo acabou assim. Mila foi quem me salvou daquela espécie de espada.
— Não vai descansar? — A pergunta de Davian me tira dos meus pensamentos enquanto eu fitava a paisagem escura à minha frente.
Estou sentada no banco de madeira que fica de frente para o precipício. Davian senta-se ao meu lado, esperando minha resposta, que vem com um sorriso soproso.
— Eu sinto muito. Se eu pudesse, eu te levaria comigo. — Davian diz com um certo pesar na voz.
— Não é como se eu fosse sair por aí como seu cachorrinho de estimação, Davian. Já escutei muito sobre não ter um futuro caso não me formar aqui. Eu não posso viver minha vida inteira na sombra de alguém, não depois de ter perdido dez anos da minha vida em um porão. — Digo, voltando a fitar o mundo escuro à minha frente, já que eu o encarava enquanto falava.
— A última coisa que você seria ao meu lado é a minha sombra ou meu animalzinho de estimação, Az. — Davian retruca, um tanto ríspido, o que me surpreende.
— Acho que vou tentar dormir. — Digo, desconversando enquanto me ponho de pé.
— Eu ainda não desisti de você. Não se esqueça disso. — Davian fala, segurando firmemente o meu pulso.
Essa foi a última vez em um ano que eu o vi.
◇◇◇◇
Depois da homenagem aos mortos da invasão, recheada de choro e lamentos, todo o meu sétimo ano na Sunmoon foi como um borrão.
Jantar com Lyall e Miles já não era a mesma coisa sem a Mila.
Miles tirou um mês de férias após a morte de sua irmã gêmea, o que não era de se estranhar. Eu não consigo imaginar a dor de perder um familiar tão próximo. Acho que já sinto dor o suficiente por perder uma amiga.
Dormir com a Sorah e acordar quase sempre com seus choros noturnos tornou-se quase que uma rotina. Muitas vezes me atrevi a consolá-la, mas nem sempre fui bem recebida pela garota de cabelo branco.
Meu namoro com Lyall teve um fim em meio ao caos de um jantar em família.
Lyall me levou para um jantar a convite de sua mãe. Lá, conheci não só ela, mas também seus dois irmãos mais novos, dos quais eu ao menos sabia da existência, e seu pai, general de uma das melhores frentes do reino de Meraki.
No começo, tudo foi calmo. Os dois irmãos dele, que parecem ter entre cinco e oito anos, eram fofos e altamente educados. O que fez tudo virar um caos e se tornar uma briga entre filho e pai, com uma mãe tentando separá-los, foi a ordem do senhor Keirnan.
O homem, que parecia ser a versão mais velha do Lyall, ordenou que nos separássemos, pois o compromisso entre seu filho e Adeline nunca havia acabado.
Meu ex-namorado não soube se explicar sobre por que nunca me contou a verdade. É por isso que sempre achei estranho os risinhos vindos da Adeline quando ela aparecia na escola. Mesmo a conhecendo pouco, eu sabia o quanto ela era birrenta e mimada, ao ponto de não deixar de fazer um escândalo.
Agora estou aqui, no meu último ano na Sunmoon. Depois de ter passado por algumas provas na floresta, ter Davian como primeira dupla assim que entrei aqui, ter Miles como minha segunda dupla no sétimo ano e, mesmo sem amizade alguma, ter Makayla no oitavo ano. Eu até tentei conversar com ela sobre o que disseram de tão ruim que eu fiz, mas, como sempre, ela não me contou.
Estamos na estufa, prestes a ter a primeira aula do nosso último ano, o nono, mas, antes, estamos esperando a professora Arcane dizer o resultado dos sorteios das duplas para esse último ano.
— Está tudo bem? — Miles pergunta, já que ele está dividindo o banco de madeira comigo, pois ninguém aguentou ficar de pé enquanto esperávamos os resultados.
— Estou cansada. — É o que respondo.
— Não me diga que passou o dia inteiro treinando novamente? — Ele questiona, aparentemente preocupado.
— Não foi isso. Sorah, mais uma vez, passou a noite chorando.
— Será que um dia ela vai conseguir parar? Já se passou um ano. — Eu dou de ombros, não querendo questionar se ele já superou a morte da Mila, pois eu ainda não superei.
A professora Zalea Arcane finalmente aparece com a ficha em mãos. Ela começa a ditar os nomes e suas respectivas duplas, até que acaba sem dizer o meu.
— Professora! — A chamo após ir até sua mesa, quando ela já está prestes a começar sua aula.
— Sim, senhorita Avaluna? — A professora, de longos cabelos ruivos, questiona, me olhando por cima dos óculos de armação preta.
— A senhorita não chamou o meu nome. Estou sem dupla. — Esclareço.
— Ah! Me desculpe. Você não está sem dupla. Ele já está chegando. — Ela me diz, deixando-me confusa.
Ele quem? Penso em perguntar, mas o burburinho vindo dos meus colegas me impede de fazer tal coisa.
— Teremos um novato! — Escuto alguém dizer, empolgado.
— Eu não diria que sou tão novo assim na escola. Aliás, só se passaram dois anos.
Meus olhos se fecham quando escuto a voz de Davian vindo de trás de mim, onde fica a entrada da estufa.
— Que bom que chegou, senhor Mallory. Por que não se senta ao lado da sua dupla? — A professora Zalea pede, apontando para o banco de madeira onde eu estava antes de ir falar com ela.
Respirando fundo, tentando não demonstrar o quanto fiquei afetada com a chegada de Davian, vou me sentar ao seu lado.
— Então você voltou. — Constato o óbvio.
— Eu não perderia meu último ano na Sunmoon. — Ele diz com um sorrisinho no rosto.
Eu não havia percebido o quanto mudamos até vê-lo, com seus dezoito anos, bem mais forte do que quando o conheci.
A aula de botânica acabou sem que eu conseguisse prestar atenção em uma única palavra da professora Zalea.
— A mamãe não me avisou que você voltaria este ano. Eu não acredito que estava tão feliz por não ter você aqui mais um ano. E agora, além de voltar, você é dupla dessa daí. Sempre que olho para vocês juntos, penso no quanto se merecem. — Rune ao menos espera que nos levantemos do banco.
— Não seja tolo, Rune. Você sabe o quanto odeio quando joga seu veneno em mim e, principalmente, na Az. — Davian retruca. Seu tom de voz parece mais grave do que eu me lembrava.
Talvez não sejamos mais aquelas crianças de quinze anos.
— Az pra lá, Az pra cá. Não me diga que o papai deixou você voltar porque implorou para vê-la. — Rune ao menos me fita enquanto me cita. Ele também parece prestes a explodir ao ver o irmão à sua frente.
Eu sabia que a convivência deles não era tão boa, mas agora parece mil vezes pior do que antes.
— E se eu fiz isso? O que vai mudar, Rune? Você vai deixar essa raiva direcionada a mim e à Az? Vai viver sua própria vida sem se importar com o que eu faço? — Davian praticamente rosna no rosto do irmão, tanto que me assusto um pouco.
Quando ele parecia querer se levantar, seguro levemente seu pulso, fazendo-o voltar a sentar. Eu não quero que ele se arrependa de ter batido no irmão bem no primeiro dia de aula.
— Eu não me importo, irmãozinho. Pelo contrário, eu adoraria que você sumisse junto com essa garota. — Rune finalmente sai da estufa.
Um suspiro audível sai do garoto ao meu lado, enquanto continuo segurando seu pulso.
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