Após o jantar, vou direto para o quarto, onde me troco para dormir. Pensei em ir até a biblioteca, mas desisti ao ver que já tenho dois livros para ler. E é o que faço: pego um deles e me ponho a ler. Faltando alguns minutos para o toque de recolher, Makayla adentra no quarto.

— Oi, mal nos falamos hoje, não é? Me desculpe pelo que o Rune disse — ela diz, ainda de pé no meio do quarto.

 Estou odiando isso, essa necessidade que Makayla sente de sempre se desculpar pelas coisas que o Rune faz.

 — Você não tem que se desculpar por ele. Se o Rune sentir que fez ou falou algo de errado, ele é quem tem que se desculpar — digo, firme, pondo meu livro de lado.

— Eu sei, só não quero que haja um clima ruim entre nós. — Penso em perguntar: "Mais do que já está?" Mas contenho a língua.

— Não tem nenhum clima ruim. Aliás, hoje eu descobri que vamos ter um baile de boas-vindas no sábado — digo, um tanto animada, apenas para quebrar o clima ruim que já se formava.

— Oh, meu Deus! Esqueci completamente! Tenho que falar com o Rune para ver se ele vai comigo de novo este ano ou não. Precisamos encontrar alguém para ir com você também. Céus! Como eu pude esquecer? — Makayla se desespera, o que me faz ter certeza de que ela realmente esqueceu o baile.

— Makayla! — a chamo, segurando o riso. 

— Eu já tenho um par. 

Ela arregala os olhos, surpresa.

— Como? Quem? — pergunta, praticamente pulando no lugar.

— Eu vou com o Miles. 

E, mais uma vez, Makayla arregala os olhos.

— Sério? Como foi o convite? E o Lyall, como ficou? Ele vai com a chata da Adeline, não é? — Eu mal consigo acompanhar o turbilhão de perguntas dela

.— Que tal você respirar um pouco enquanto eu te conto tudo... — Makayla assente, sentando na beirada da cama.

Conto que estava tomando café da manhã com Lyall e os gêmeos, e o assunto surgiu. Por fim, acabei convidando o Miles, que quase não aceitou, pois parece ter um certo complexo de inferioridade.

— Precisamos comprar nossos vestidos antes de sábado — Makayla fala animada, depois que terminei minha breve história.

— Não tenho dinheiro para um vestido — constato o óbvio, já que nem família eu tenho.

— Ainda bem que existe a tradição de os meninos pagarem os vestidos. Não se preocupe, logo o Miles vai vir aqui com um envelope com o dinheiro — Makayla me informa.

— Mas fui eu quem o convidou — digo.

— Tradição é tradição, Azul — Makayla fala, levantando-se e apertando a ponta do meu nariz.

Ela vai para o banheiro, não demora a sair e, finalmente, nos deitamos. Conversamos mais sobre o baile antes de dormir.

♤♤♤

Sou acordada com batidas na porta, mais uma vez nessa semana. Já fazem três dias que as aulas começaram. Hoje é quinta-feira, mais um dia com aulas que mal consigo acompanhar. Tenho feito minhas refeições junto com Lyall, Mila e Miles, apesar de Makayla praticamente implorar para que eu me sente com ela e Rune. Digamos que ainda não estou com paciência para os ataques do irmão gêmeo de Davian.

Falando em Davian, nossa relação de dupla vem piorando a cada dia. A cada duas palavras dele direcionadas a mim, três são grosserias.

 Saio do meu transe pós-acordar, me arrasto até a porta e, assim que a abro, dou de cara com Miles. Ele já está de uniforme, e seu cabelo cacheado parece mais arrumado que o normal. Ele sorri para mim, mas parece mais uma careta; aparentemente, ele não é acostumado a fazer tal coisa.

Descobri com Makayla que Miles e Mila, assim como Lyall, vêm de uma família muito respeitada em todo o reino de Meraki. Ambos cresceram em uma base militar do outro lado do mundo, onde ficava a antiga Rússia, último país a ser derrubado pela monarquia. Aparentemente, usam o fato de os gêmeos Faris virem de longe para justificar a aparência e o jeito um tanto esquisitos que ambos têm. 

Eles têm olhos muito grandes, como já comentei, e a semelhança entre ambos é assustadora, mudando apenas o sexo e o comprimento dos cabelos. Miles e Mila também parecem, às vezes, entrar em seu próprio mundo e conversar apenas entre eles. Acredito até que em outra língua; já perdi as contas de quantas vezes esta semana conversei apenas com Lyall, como se os dois não estivessem lá.

— Belo pijama — diz Miles, assim que bate os olhos em mim.

— Obrigada. — Sei que ele falou com tom sarcástico, mas agradeci mesmo assim. — Aconteceu alguma coisa? — pergunto.

— Vim trazer isso — Miles me estende a mão com um envelope. 

Eu o pego, um tanto surpresa. 

— Use esse dinheiro para comprar um vestido para o baile e o que mais precisar. Meu pai deu uma leve inflada no valor depois que soube que eu tinha um par para o baile.

— E isso é bom, não é? Não quero te prejudicar — digo, roendo as unhas.

— Não se preocupe, meu pai está muito feliz por eu ter um par pela primeira vez em seis anos — ele diz, parecendo um pouco incomodado, mas decido não perguntar.

— Que bom. Nos vemos no café da manhã, então? — Ele assente. 

Miles faz uma leve reverência para mim e sai andando pelo corredor.

♤♤♤

Depois de mais um dia aguentando indiretas do Rune por conta da minha pergunta feita na segunda-feira, e agora que Makayla falou que só iria eu e ela para a cidade comprar os vestidos, me encontro pronta em frente à escola, enquanto Makayla convence Rune a ficar.

Vamos de ônibus, o da escola, pois a maioria das garotas do Sunmoon decidiu que hoje, um dia antes do baile de boas-vindas, é um ótimo momento para comprar vestidos. Após Makayla se livrar de um Rune emburrado, entramos no ônibus e sentamos lado a lado. 

Enquanto ela fala sobre como quer o vestido durante todo o caminho, eu apenas observo os campos e ainda fico impressionada com o quão grande é o mundo. 

A cidade não é tão grande, mas é bem charmosa, com casas de pedra escura e telhados inclinados, além de lojas e restaurantes com pequenas vitrines enfeitadas. 

Descemos do ônibus em frente à primeira loja de vestidos, e as outras meninas estão tão empolgadas que mal consigo escutar meus pensamentos.

— Vem — Makayla me puxa, sussurrando.

— Mas não temos que... — Ela nega com um gesto de cabeça.

— Eu sei onde tem a melhor loja de vestidos, Azul. Lá vamos encontrar os mais perfeitos antes de todas — dou de ombros e me deixo levar por ela.

Makayla não estava errada. Essa loja tem os vestidos mais perfeitos do mundo, são elaborados, com bordados impecáveis e únicos. Nem nos meus melhores sonhos conseguiria imaginá-los. Agora estou aqui, sem saber ao certo qual deles devo levar.

— Eu vou levar esse! — Makayla anuncia, mostrando o vestido escolhido. 

É amarelo, com um degradê em lilás nas laterais, alças finas para sustentação e outras duas que caem em cascata pelos braços. A saia em formato A tem flores bordadas, que descem do dorso até os joelhos. É lindo. Depois que Makayla escolheu o seu, não demorei a escolher o meu, tão lindo quanto os que leio em um livro.