Série Feminismo: Primeira Onda
"[...]Durante o reinado de 45 anos de Elizabeth, todos os membros do parlamento eram homens, todos os oficiais da marinha e do exército real eram homens, todos os juízes e advogados eram homens, todos os bispos e arcebispos eram homens, todos os teólogos e sacerdotes eram homens, todos os médicos e cirurgiões eram homens, todos os estudantes e professores de todas as universidades e faculdades eram homens, todos os prefeitos e xerifes eram homens, e quase todos os escritores, arquitetos, poetas, filósofos, pintores, músicos e cientistas eram homens." Com essa longa lista deprimente, que esfrega a verdade em nossa cara, lambuzando-nos de revolta, Yuval Noah Harari ajuda-nos a perceber a magnitude do espaço recém conquistado pelas mulheres ao redor do mundo.
Perante a supracitada realidade, paira sobre nós a questão: E como, afinal, saímos desse triste estado para chegarmos onde estamos hoje? O objetivo da Série Feminismo é, justamente, auxiliar na compreensão do surgimento e percurso do movimento feminista até a contemporaneidade.
Para atingirmos nosso objetivo com maior organização, dividiremos nossa jornada em quatro partes, pela quantidade exorbitante de fatos maravilhosos - e, outros, nem tanto - a serem relatados.
A Primeira Onda
A primeira onda feminista ocorreu durante o fim do século XIX e início do século XX, com o chamado Movimento Sufragista. Com a Revolução Francesa e afins, regimes autoritários absolutistas caíram, dando lugar às primeiras repúblicas. O princípio essencial dos novos modelos democráticos instaurados seria a igualdade, no entanto, as minorias sociais não foram atendidas da mesma forma que a maioria. Dentre os grupos excluídos, com direitos negados, estavam as mulheres. Aquelas que participaram da Revolução Francesa, por exemplo, não obtiveram os mesmos direitos que os integrantes masculinos do movimento.
Por isso, elas passaram a lutar pela educação, igualdade política e jurídica e contra o casamento. Mas, como o nome aponta, a principal reivindicação feita era o direito ao voto. A primeira vitória ocorreu em 1893, quando a Nova Zelândia tornou-se o primeiro país a reconhecer o direito ao sufrágio feminino. Todavia, a luta apenas começara.
Emily Davidson
Emily Wilding Davison nasceu em Londres, em 1872, e estudou na Royal Holloway College e na Oxford University numa época em que mulheres não podiam ter diplomas.
Aos 34 anos, passou a integrar o Women's Social and Political Union (WSPU). Três anos depois, deixou seu emprego como professora e passou a dedicar-se integralmente ao Movimento Sufragista. Contudo, não seria apenas nesse sentido que ela "daria a sua vida" pela causa.
Emily era frequentemente presa por perturbação da paz (ou, em alguns momentos, por atear fogo em caixas de correio). Em um caso específico, foi condenada a alguns meses de trabalho forçado após jogar pedras contra a carruagem do chanceler David Lloyd George. Enquanto estava presa, tentou suicídio, ficando sem comer. Em outra ocasião, recusou-se a sair da própria cela. Um guarda, nervoso com a situação, colocou uma mangueira lá dentro e deixou que o cômodo fosse inundado. No entanto, a porta quebrou-se e ela conseguiu sobreviver. Posteriormente, venceu um processo contra os guardas da prisão.
O ápice da história de vida de Emily é um episódio funesto, mas de grande relevância. Em 1911, durante a Corrida de Cavalos de Epsom, correu em direção ao cavalo do rei, o qual participava da competição. Até hoje, não se sabe qual seria a sua intenção ao fazê-lo: Há quem diga que queria colocar bandeiras do movimento no animal, enquanto outros apontam a hipótese do suicídio. Independente de em que você escolha acreditar, o resultado foi a morte da ativista, após sofrer durante quatro dias com os ferimentos. Assim, foi considerada mártir e tornou-se um grande símbolo da primeira onda feminista.
Sojourner Truth
A participação, nesse primeiro momento, foi, principalmente, de mulheres brancas e de classe média, a maior parte das quais letradas e burguesas. No entanto, houve exceções. A mais famosa delas foi Sojourner Truth, negra, que viria a tornar-se um grande símbolo do movimento feminista Interseccional posteriormente.
Sojourner nasceu em 1797 como escrava e com outro nome: Isabella Van Wagenen. Crescendo em Nova Iorque, foi espancada, estuprada e forçada a casar-se com um homem mais velho, ao passo que seu romance com um escravo que não pertencia ao seu senhor foi proibido. Teve cinco filhos, quatro com o esposo e um com o escravo por quem era apaixonada.
Seu senhor, Dumont, prometera sua alforria um ano antes do que a legislação vigente exigia, com a condição de que Sojourner comportasse-se e mantivesse-se produtiva. No entanto, devido a um ferimento em sua mão, Dumont argumentou que sua produtividade baixara e que, portanto, não poderia conceder-lhe a liberdade antes do previsto.
Então, Truth resolveu fugir para o Canadá, levando apenas o filho mais novo, que seria livre, segundo as leis da época. Porém, um dos filhos que precisaram ficar com o ex-senhor, chamado Peter, foi vendido ilegalmente pouco depois.
Quando tomou conhecimento do ocorrido, pediu ajuda da família para a qual trabalhava no Canadá e moveu uma ação contra Dumont na Justiça. O caminho foi árduo e dificultoso, mas Sojourner conseguiu tornar-se a primeira mulher negra a ganhar de um homem branco nos tribunais. Por causa do feito, tornou-se conhecida e, aos poucos, virou uma importante figura feminina abolicionista.
A parte mais importante desta narrativa talvez venha agora. Em 1858, ocorreu a Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio. Nossa protagonista foi convidada a participar do evento e, lá, viu-se cercada de mulheres brancas que lutavam apenas pelos direitos de sua própria classe social e padres que defendiam ferreamente ideias machistas sob o pretexto de "assim ter sido ditado por Deus".
A ex-escrava então subiu ao pódio e fez um discurso brilhante que entraria para a história. A versão original, no entanto, não apresenta a emblemática frase "Ain't I a Woman?" presente no texto publicado por Frances Gage doze anos depois.
Em 1865, transcorreu a Guerra Civil Americana, na qual Truth liderou exércitos negros a fim de conseguir, como recompensa, terras para tais combatentes. No entanto, as compensações nunca foram dadas.
Ela morreu em 1883 na cidade de Battle Creek, no Michigan. Viveu 84 anos.
Nísia Floresta
Outro importante nome da primeira onda foi Nísia Floresta, a primeira feminista brasileira.
Nasceu no Rio Grande do Norte, na então cidade de Papari, hoje batizada com seu pseudônimo. Seu nome de batismo era Dionísia Pinto Lisboa,em homenagem ao pai, Dionísio.
Foi forçada a casar-se, aos 14 anos, mas deixou o marido um ano depois, para mudar-se para Pernambuco junto dos pais, devido a perseguições políticas.
Dedicou-se, então, à defesa dos direitos dos índios e escravos e à educação de maninas, fundando colégios femininos em Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro - nesse, era professora de quase todas as disciplinas. Para isso, precisou ser forte e opor-se às criticas da época, como a seguinte, publicada no Jornal Mercantil, em 1847, acerca dos exames finais de uma de suas escolas:
"... trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos".
Também atuou como escritora, publicando diversos livros, os quais continham suas ideias.
Nísia muito viajou a Europa, entrando em contato com grandes intelectuais, tal qual Auguste Comte, a quem teve como amigo. Foi, inclusive, em solo francês que ela faleceu, em 1885, mas seus restos mortais foram enviados para o Brasil em 1954 e colocados no mausoléu construído em sua homenagem, em sua cidade natal.
Fontes:
http://www.bbc.co.uk/history/historic_figures/davison_emily.shtml
https://medium.com/revista-subjetiva/lute-como-uma-garota-sojourner-truth-db23354fac70
https://educacaointegral.org.br/reportagens/nisia-floresta/
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=199%3Anisia-floresta&catid=61%3Aletra-n&Itemid=1
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