💚 RICARDO 💚
Sobre ter filhos e passar vergonha é complicado.
Fui trabalhar arrasado, mas não pelo fato de ter reconhecido Martinha. Me senti mal por ter mentido para os meus filhos. Acho isso muito estranho. Não consigo ter aquela sensação de missão cumprida como pai.
Devo me superar.
Ao chegar na loja, encontrei Débora na porta de entrada.
— Olá, querido! — disse minha mulher.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei.
— Longa história. Tudo começou com um sonho horrível, que foi um pesadelo, na verdade, e acabei vindo aqui para saber como foi na escola.
É esquisito Débora aparecer do nada na loja por causa de um sonho estranho.
— Deixei eles na escola... Normal — falei.
— E não "analisou" nosso filho? — questionou Débora, com o cenho franzido.
Abri a loja, entrei e tentei relaxar.
— Eu descobri que... o Luiz Pedro Fernando Henrique gosta da Martinha — revelei.
— Martinha? — questionou Débora, confusa. — A amiga da Kauany? Ou eu estou confundindo as coisas?
— Não, é ela.
— É estranho eu lembrar o nome dela.
— Acredite em mim, é normal.
Sorri.
Tenho muita tarefa a fazer, e preciso pensar em uma maneira de aproximar Martinha de meu filho, só para confirmar minha teoria sobre o que os dois estão sentindo. Assim que estiver tudo comprovado, é só partir para o diálogo.
Sem problemas, ou dificuldades...
Alguém chegou na loja.
Dois policiais entraram, deram uma olhada no local e se aproximaram.
— Bom dia — disse um deles.
— Bom dia — disse Débora, com os braços cruzados, aquele ar de superioridade, o cenho franzido e uma expressão de seriedade.
— Tudo bem? — perguntei.
— Tudo certo — respondeu o policial, gentilmente.
— O que vocês querem? — questionou Débora.
— Precisamos comprar algumas coisas — disse o outro policial, tirando uma anotação do bolso e entregando a mim. — Poderia pegar estes itens aqui?
— Claro. Só um instante — falei.
Poderia ser detalhista em perceber como os policiais estavam no momento, mas a minha mente estava voltada ao meu filho e seu dilema amoroso. Talvez, eu esteja me precipitando em achar que o menino sinta alguma coisa por Martinha.
Fico pensando na possibilidade de ter sido somente uma atração momentânea... Espero que não, porque não existe nada mais fantástico do que sentir o amor, principalmente na idade de Luiz Pedro Fernando Henrique.
— Querido, aqueles policiais são estranhos demais — disse Débora.
— O que há de estranho neles? — questionei.
— Simples, olha o jeito que os dois andam.
Enquanto eu pegava alguns produtos da lista, prestei atenção nos dois, e não vi nada demais.
— Não entendi — falei. — Para mim, eles são dois policiais comuns.
— É justamente isso que eles querem que você pense — disse Débora. — Eu olho através das pessoas.
— E qual é o problema?
— Os dois são insuportáveis.
Não acredito que ela disse isto. Estou me sentindo muito péssimo por sua interpretação.
— Eles são clientes, e preciso atendê-los.
Peguei a cesta de compras, levei até o caixa e terminei de atender os policiais.
Eles fizeram o pagamento, agradeceram pelo ótimo atendimento e se retiraram.
— Hoje, vou ajudar no trabalho — disse minha mulher.
— Não há necessidade.
— Você está exausto, muito pensativo. Inclusive, aposto que sua mente está no Luiz Pedro Fernando Henrique, e vou te ajudar por aqui, fique tranquilo — disse Débora.
Fechei os olhos, respirei fundo e apenas apreciei sua iniciativa. Confesso que estava precisando de ajuda, e para o momento, foi de extrema utilidade, sem contar que estarei em ótima companhia.
💚💚💚💚
Não faço ideia do que se passa na cabeça de um adolescente. Já fui jovem também, mas não nesse universo de hoje.
Acredito que com tanta evolução, muitas coisas passam despercebidas nos mínimos detalhes. A vida proporciona momentos únicos e que deveriam ser apreciados com mais admiração.
Se eu chegar com esse papo em meu filho, acho que ele não vai querer conversar, não. Preciso pensar em uma maneira de passar a minha ideia, sem que o menino se sinta mal ou desinteressado. Isso será fundamental.
Um pouco mais tarde, chegou um grupo de adolescentes na loja, fazendo a maior bagunça.
Eles pegaram uma cesta, foram até o corredor de doces e salgados, ficaram conversando alto e na maior animação.
Os jovens são tão autênticos. A maioria deles não se preocupa com o futuro, e apenas querem se divertir. É meio arriscado aproveitar o momento e não se cuidar. Muitos esquecem deste detalhe: o cuidado.
O grupinho se aproximou do caixa. Um deles começou a tirar os produtos da cesta, enquanto o outro pegou um porta-retrato, mostrou para o amigo e sugeriu:
— Que tal levar um desse?
— O que eu vou fazer com isso? — perguntou o garoto, enquanto terminava de colocar os produtos no caixa para o pagamento.
— Coloca uma foto sua e assusta as pessoas que estarão na social de hoje.
Todos começaram a rir...
E eu me interessei pelo que o menino disse.
— O que seria uma social? — perguntei.
Eles começaram a rir da minha dúvida, e gentilmente, uma garota respondeu:
— É uma festinha.
— E como funciona isso? — questionei, persistindo em saber o que seria uma social.
E mais risos...
— A gente reúne uma galera, compra algumas coisinhas para comer e beber, e se diverte — explicou a garota.
Franzi o cenho, fiquei pensativo, terminei de guardar as compras dos adolescentes na sacola e comecei a ter uma ideia.
Quando todos eles saíram da loja, chamei Débora, que estava limpando as prateleiras, e falei:
— Tive uma ideia.
— O quê? — perguntou ela, com um pano na mão.
— Vem aqui. — Débora se aproximou do caixa, e soltei: — Vamos dar uma social.
— Credo, querido! Como eu vou comprar um vestido longo e bonito para essa festa social?
— Não é esse tipo de festa que me refiro.
— O que você está inventando? — questionou Débora, com os braços cruzados, o cenho franzido e uma expressão de desconfiança.
— Nós vamos fazer uma social lá em casa somente para os nossos filhos, e eles poderão convidar os amigos... Entendeu?
— Ah, sim... Entendi... — Que bom que ela entendeu. UFA! — Entendi que você quer que eles façam uma tremenda bagunça lá em casa, sendo que eu terei que limpar tudo depois, né?
Pois é, parece que ela não entendeu.
— Tudo bem, eu arrumo a bagunça depois — falei.
— Não! — exclamou minha mulher. — Se você for deixar organizado igual à loja, melhor eu cuidar disso.
Mas eu deixo o ambiente impecável, e cuido muito bem do estabelecimento!
— Então, eu posso falar com o Luiz Pedro Fernando Henrique e a Kauany sobre a social?
— Claro... Mas vê se faz direito, hein!
— Você não sabe a razão dessa ideia.
— Sei, sim... O motivo principal é analisar a situação, né, senhor Ricardo?
Ela deu uma piscada.
— Na verdade, vou querer...
— Ver se o Luiz Pedro Fernando Henrique e a Martinha se gostam — completou Débora, me interrompendo.
E não é que ela entendeu tudo.
Se a Martinha é amiga da Kauany, acredito que ela será convidada, e ver ela no mesmo lugar que meu filho será muito bom, porque poderei solucionar alguns problemas... Não que meu filho seja um problema. Mas preciso dar uma forcinha, caso ele esteja sentindo algo pela menina.
💚💚💚💚
Mais tarde, ao chegar em casa, encontrei meus filhos sentados no sofá da sala e com a televisão ligada. Os dois estavam mexendo no celular.
— Oi — falei. — Tudo bem, pessoal?
Eles disseram "oi", sem tirar os olhos do celular.
Como pode?
— Como foi o seu dia? — perguntou Kauany.
— Foi bem — respondi. — E o seu?
— Um pouco cansativo, mas legal.
Pensei em uma maneira de começar dizendo sobre a social, só que é muito difícil tentar se comunicar com adolescentes. Pode ser fácil, mas para mim, é meio complicado, porque não domino muito bem a linguagem dos jovens.
Sendo assim...
Respirei fundo e soltei:
— Vocês querem dar uma social aqui em casa?
Luiz Pedro Fernando Henrique e Kauany me olharam com seriedade, e meio incrédulos com o comunicado.
— É sério? — questionou meu filho.
— Sim — falei, nervoso e com receio do que estava prestes a acontecer.
— O que a mãe achou disso? — questionou minha filha, desconfiada.
Fiquei sem jeito.
E agora?
— Bom... Ela achou legal — falei.
Tive que dizer o que a Débora achou da ideia, mas era preciso manter a calma.
— Posso convidar minhas amigas? — perguntou Kauany.
— Claro — respondi. — Vocês podem fazer a social neste final de semana. E convida a Martinha, sua amiga.
— Nossa! Você lembra da Martinha! — exclamou Kauany.
Acho que falei mais do que devia.
Espero que eles não suspeitem de absolutamente nada, porque a social será muito importante para que eu tenha algum diálogo com meu filho.
— Vamos chamar a galera, e falar da social — disse Luiz Pedro Fernando Henrique.
Kauany concordou e foi para o quarto.
— Filho, espera — chamei.
— O que foi, pai? — questionou ele.
Apenas fiquei olhando para a sua expressão de alegria, ainda com um pingo de desconfiança no olhar, e sorri.
O garoto não entendeu muito bem a minha reação, e eu queria abraçá-lo no momento, dizer o quanto ele é especial e... conversar.
Como pai, acho fundamental ser amigo dos filhos, estar presente em cada etapa da vida, dar conselhos, mostrar caminhos, incentivar escolhas, motivar, ficar feliz com as conquistas e presenciar cada instante com apreciação...
Estou partindo para o lado sentimental.
Ser pai foi um grande presente, e a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Meus filhos são basicamente tudo. Sinto tanto afeto por eles.
Os primeiros passos, as primeiras palavras, os primeiros segundos de vida... Tudo foi importante, e cada fase é motivo de alegria.
Sou muito próximo dos dois, e sinto que tenho que estar ao lado de meus filhos em tudo.
Só espero que isso acabe bem, porque não quero perder a confiança deles.
— Quando quiser conversar, é só avisar — falei.
Luiz Pedro Fernando Henrique esbanjou um sorriso, assentiu com a cabeça e foi para o quarto.
Respirei aliviado e percebi que todo desespero de minha parte é desnecessário. Não posso ficar me preocupando com isso. Tenho que ser forte, ter pulso firme e encarar a realidade.
Poxa, o que pode acontecer de ruim?
Antes da social, pretendo conversar com meu filho, para tentar buscar alguma informação útil.
O final de semana está perto, qualquer coisa pode acontecer, e eu tenho que tomar alguma iniciativa, porque se Luiz Pedro Fernando Henrique estiver gostando da Martinha, ele tem que receber alguns conselhos.
Eu devia chamar ele para conversar, mas não me sinto preparado (ainda).
É melhor pensar um pouco, antes de mais nada.
Será preciso analisar a situação, e no momento, estou tentando ter algum diálogo.
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