💚 RICARDO 💚
Às vezes, sinto que minha vida está um completo caos, mas nem sempre me deixo levar pelo calor do momento.
É raridade ter um dia inteiro com minha família. A falta que eles fazem no cotidiano acaba afetando demais o meu humor.
O final de semana é dedicado ao descanso, e eu, particularmente, prefiro descansar para ter disposição e conseguir enfrentar a semana seguinte.
Decidi abrir uma loja, com diversos tipos de produtos. Faço praticamente tudo sozinho, mas quando tenho algum compromisso, coloco Débora em meu lugar.
Já me acostumei com a rotina, em ter que passar por várias e várias situações engraçadas, ou até mesmo constrangedoras. Me considero flexível e responsável. Tenho a loja há algum tempo, e felizmente, está dando certo.
A noite anterior foi cansativa. Jantar na casa de Laura trouxe um prejuízo para o dia seguinte.
Tentei acordar antes do horário de costume para abrir a loja mais cedo. Eu precisava resolver algumas coisas, e de nada adiantou. Senti sono, cansaço e preguiça.
Preciso de férias!
Bom, um pouco mais tarde... Após enfrentar uma manhã calma, sem muito movimento, e com um ótimo clima para dormir, tentei recuperar o fracasso por não ter feito as tarefas mais cedo. É complicado deixar tudo organizado, do jeito que deve ser. Não sou de deixar tarefas do dia a dia para depois, muito pelo contrário, procuro me adiantar em tudo, só que dormir tarde e acordar cedo não combinam muito bem.
Enquanto guardava algumas caixas nos fundos da loja, percebi que alguém chegara. Fui até a parte da frente e me deparei com meu filho.
— E aí, pai? — disse Luiz Pedro Fernando Henrique.
— E aí? Você não deveria estar na escola? — questionei, meio confuso.
— Não! — exclamou ele. — Já são quase cinco e meia.
— Sério?!
Nossa! O dia passou tão rápido que nem percebi.
Felizmente, consegui adiantar algumas tarefas do dia seguinte.
No meu estabelecimento, arrumo os produtos, verifico se estão corretamente nas prateleiras com os preços, faço a contagem do que foi vendido no dia, recebo mercadoria nova, e procuro deixar tudo nos conformes, para não ter problemas depois, claro. Inclusive, a organização é fundamental para que os clientes se sintam mais à vontade...
E falando em cliente...
Entrou uma garota na loja. Percebi que meu filho não tirava os olhos dela. Fui para trás do balcão, analisei a cena em cada detalhe, e ficou nítido que ele estava babando pela menina.
A garota comprou alguns doces. Não consegui ver se os dois se falaram, porque ela se dirigiu aos fundos da loja, e meu filho foi atrás. Provavelmente, conversaram, ou talvez ele tenha apenas seguido a tal garota para admirá-la.
— Obrigada — agradeceu a menina, pegando os doces e se direcionando à saída.
Me aproximei de Luiz Pedro Fernando Henrique, cruzei os braços e perguntei:
— Quem era aquela garota? — Ele pareceu não ouvir, ficou paralisado, olhando para o nada, e dando a entender que estava apaixonado. — Ei, estou falando com você!
— Oi, o que foi? — questionou meu filho, confuso.
— Nada, não — falei. — Vá para casa.
— Não, estou aqui para te ajudar.
— Sério?!
— Sim. Percebi que você estava meio cansado pela manhã, e como não pude passar o dia na loja, resolvi ajudar agora. Tudo bem?
Assenti com a cabeça.
— Pode guardar essas coisas aqui nos fundos? — pedi, apontando para as caixas.
— Claro — respondeu Luiz Pedro Fernando Henrique.
Ele colocou a mochila sobre o balcão, arregaçou as mangas e começou a ajudar.
Aproveitei o momento e fui para o caixa fazer a contagem do dia.
💚💚💚💚
Mais tarde, ao chegar em casa, deitamos com tudo no sofá da sala. Ambos estávamos cansados e isso era nítido.
— Nossa, pessoal, que cara, hein! — exclamou Kauany, que estava com os braços cruzados, encostada na parede e mastigando chiclete.
— Não enche, garota — soltou Luiz Pedro Fernando Henrique.
— Não enche, garota — ironizou minha filha.
— Eu não falo desse jeito — defendeu-se meu filho.
— Eu não falo desse jeito...
— Parem os dois! Agora — ordenou Débora, vindo da cozinha.
— Perdão, mãe — desculpou-se Kauany.
— Tudo bem. Só não há motivo para vocês ficarem discutindo, né?
Tive que concordar, mas estava muito exausto para falar alguma coisa.
— Vamos para o quarto — disse Luiz Pedro Fernando Henrique.
— Isso — concordou Débora. — Vão se aprontar para o jantar.
Os dois foram para o quarto, sem discutir.
Notei que minha mulher mudou o jeito de falar com nossos filhos. Parece que agora, ela é mais tranquila e compreensível.
— O que houve? — perguntei, confuso.
— É tanta coisa, sabe? Se eu fosse falar tudo, passaria dias aqui — revelou Débora.
— Como assim?
— Arrumar a casa, deixar tudo arrumado, ser mãe, mulher, ter tempo para mim... São tantas coisas para fazer que acabo me perdendo no meio de tudo. — Comecei a rir. — Do que você está rindo?
— Nada, meu amor, nada — respondi.
Ela deu meio sorriso e disse:
— Acho bom.
Me aproximei de seu rosto e a beijei.
— Te amo — cochichei em seu ouvido.
Débora se levantou do sofá e soltou:
— Ah, não vai querer ficar se declarando depois de velho, né, Ricardo? Por favor!
Risos e mais risos.
— Nunca é tarde para provar o quanto se ama alguém — falei.
— O que deu em você? Está tão romântico hoje!
— É que eu te amo demais, mulher.
— Para com isso, Ricardo! Credo! Vou terminar de preparar o jantar — disse Débora, indo para a cozinha.
Continuei rindo, sem entender absolutamente nada.
Não me considero um cara durão, sem sentimentos, que não se importa com as pessoas... Muito pelo contrário, sou legal até demais, às vezes. Claro que isso é do meu ponto de vista. Mas será que alguém me acha insuportável? Caso alguém tenha essa impressão de mim, acho que eu não ia gostar de saber.
💚💚💚💚
Mais tarde, após o jantar, Luiz Pedro Fernando Henrique e Kauany já estavam dormindo, enquanto Débora e eu estávamos na sala, assistindo televisão e conversando.
— Hoje, percebi que o Luiz Pedro Fernando Henrique estava um pouco diferente — falei.
— Bom, ele é adolescente, e geralmente os adolescentes são estranhos — disse Débora.
— Não, é que chegou uma menina na loja, e ele ficou olhando para ela como se estivesse... apaixonado.
— Você chegou a conversar com o garoto?
— Imagina qual seria a reação do menino se eu falasse com ele sobre o que vi.
— Por favor, né, Ricardo? Fala logo de uma vez. Vocês vão se entender muito bem.
— Mas ele pode se sentir mal.
Talvez, Luiz Pedro Fernando Henrique não esteja preparado (ainda) para se abrir com alguém sobre relacionamento amoroso. Caso ele esteja sentindo algo pela menina, é preciso ter muito cuidado para não magoar nenhum dos dois.
— O Luiz Pedro Fernando Henrique vai querer conversar se você for falar com ele, porque vocês dois são bem próximos — sugeriu Débora.
— Sim, mas prefiro analisar com cuidado, antes de tomar qualquer iniciativa.
— Como assim? Vai analisar o quê?
— Se eles estudam na mesma escola, se o Luiz Pedro Fernando Henrique conhece a menina...
— Trata-se de observações, apenas isso.
— O quê?
— Observa, querido, observa. Deixa as coisas acontecerem. Entendeu?
Para ser sincero, não entendi muito bem o que minha mulher quis dizer, mas eu sabia exatamente como agir. Talvez, eu tenha em mente a mesma ideia de Débora, mas independente disso, já sei como prosseguir.
💚💚💚💚
No dia seguinte, levei meus filhos ao colégio.
Durante o caminho, pensei em uma maneira de passar um tempo na escola, para ver se a menina estuda com Luiz Pedro Fernando Henrique.
O objetivo principal é ficar entre os alunos, sem que ninguém perceba.
— Tchau, pai — despediu-se meu filho, já fora do carro.
— É que... eu... vou... — Confesso que não pensei em nada ainda. E agora? — Preciso falar com o seu diretor.
— O que você vai falar com ele? — questionou Kauany, curiosa.
— Assunto particular — respondi.
Estacionei o carro, senti um nervosismo em meu interior por ter mentido e acompanhei meus filhos até a entrada do colégio.
— Ok, pai! A sala do diretor fica para lá — disse Kauany, apontando com o indicador para o outro lado do corredor.
— Obrigado, filha — agradeci, preocupado.
Ficamos nos encarando. Eu estava com uma expressão de desespero, e meus filhos confusos, em meio ao ambiente tenso.
Climão, hein!
E ninguém se mexia. Estávamos todos parados, se olhando e, provavelmente, pensando: "Somos meio loucos".
Tenho dificuldades para disfarçar algo, principalmente quando se trata com alguém da família.
É tenso.
— Nós vamos para a sala de aula — disse Luiz Pedro Fernando Henrique.
— Tenham um ótimo dia — desejei.
Não consegui passar tranquilidade a eles, apenas fiquei nervoso e esperando que os dois se retirassem, o que demorou para acontecer, mas aconteceu.
Fingi ir à sala do diretor, me escondi no corredor, e enquanto o sinal não tocava, fiquei observando tudo que meu filho fazia.
Apenas tentei não ser visto, e fiquei me desviando das suas olhadas repentinas. Imagina se o menino percebe que estou espiando ele! Seria trágico!
De repente, vi Kauany conversando com a garota, e fiquei surpreso.
Então, minha filha conhece a menina. Ótima descoberta.
Bom, isso não era o suficiente. Eu precisava de mais detalhes.
Continuei escondido, tentando não chamar atenção, para descobrir algo que fosse mais interessante.
Poxa, seria demais se meu filho namorasse aquela menina. Ela parece ser gentil... E... Espera um instante! Eu conheço essa garota. Parece ser a tal da Martinha.
Como eu não pude lembrar dela???
Poxa!
Eu e Débora buscamos Kauany em sua casa no último final de semana, e ela estava tão... diferente.
Eu sou péssimo para lembrar de nomes, principalmente da fisionomia das pessoas, e foi meio estranho reconhecer a Martinha nesse momento.
Eu deveria estar envergonhado (mais do que já estou).
Não acredito que meu filho está gostando da amiga de Kauany. Desvendar todo esse mistério será muito mais fácil do que eu imaginava.
Vou conseguir ajudar Luiz Pedro Fernando Henrique a ter um encontro com essa tal de Martinha.
Lembro do meu primeiro encontro, como se fosse ontem... Está bem, não lembro, mas posso tentar puxar alguma coisa da memória que faça recordar... Acho que não vai funcionar muito bem. Talvez, eu esteja me precipitando quanto ao que está acontecendo. Mas é bom estar preparado, porque eu sou pai, e tenho que estar em alerta.
Será fantástico contribuir com minha experiência, e espero que tenha algum resultado, afinal esses adolescentes de hoje estão mudados, cheios de restrições e sem muito espaço para diálogos.
Precisamos conversar, sim, mas antes, será preciso analisar meu filho, e fazer algumas observações.
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