❤ DÉBORA ❤
Ser flexível não é fácil (e é o que tento ser). Cuidar de casa, das crianças, da família em geral, de quase tudo, é meio complicado, mas como mãe, até que estou surpreendendo (do meu ponto de vista, claro).
Depois do que houve mais cedo com Vera, passei a refletir mais sobre minhas atitudes. Não sou de ficar pensando muito nos meus atos, não, mas a maneira como ela passou a agir após nossa conversa deixou uma pequena lição, mínima, mesmo: é preciso parar, pensar e falar. Acho que não tenho o costume de fazer isto. De certa forma, procuro agir conforme o que a minha cabeça diz. E é meio arriscado, às vezes.
Para tentar esquecer o que aconteceu pela tarde, fiz um jantar especial. Decidi dar um voto de confiança para a irmã de Ricardo, pelos meus filhos. Acredito que eles tenham um sentimento profundo pela tia, e a reação deles por saber que ela é falsa gerou uma decepção. Tive que ajudá-los no momento, procurei pensar no lado dos dois e fiz o que tinha que ser feito. Se foi certo ou errado, eu não sei, mas com certeza, o tempo dirá (ou não).
No jantar, caprichei. A mesa estava impecável e todos ficaram surpresos.
— Nossa! — exclamou Ricardo. — Confesso que... eu não esperava por isso. Você preparou tudo isso para mim?
— Não — respondi. — Na verdade, acho que sua irmã merece uma recepção melhor do que foi ontem.
Coloquei a travessa de saladas sobre a mesa, sentei para me servir e todos acompanharam.
— Obrigada pelo jantar, Dedé... — Ela parou por um instante, pareceu refletir, e continuou: — Débora!
— O que houve com vocês duas? — questionou meu marido, confuso.
Começamos a rir. E não deu para evitar, tive que me render ao momento, afinal não consegui manter a pose de desconfiada.
— Uma pessoa me disse que é preciso se adaptar ao ambiente, e é o que estou tentando fazer — disse Vera.
Bati palmas de leve, sem deixar o som sair, olhei para ela e sorri. Ela retribuiu também com um sorriso.
Começamos a conversar durante o jantar (que foi incrível, por sinal). Kauany falou sobre o teste que fez mais cedo, Luiz Pedro Fernando Henrique contou sobre seu dia e permanecemos nessa sintonia.
❤ ❤ ❤ ❤
Mais tarde, na hora de dormir, não consegui pregar os olhos.
Virei de um lado para o outro, e nada.
— Ricardo? — chamei.
— O quê? — perguntou ele, sonolento.
— Você está dormindo?
— Pelo menos, agora, não.
— É tão bom ver as crianças assim, né? Felizes, para cima, estudando, se dedicando e não dando muitos problemas. Só é difícil acordar os dois, fora isso, está tudo certo, tudo ótimo. Inclusive, quero ver se amanhã levo sua irmã para dar uma volta. Quero ver se ela mudou, mesmo. Acho que deu para perceber que ela está melhorando, né? — Parei por um instante, e percebi que meu marido estava dormindo. E tive que chamá-lo: — Ricardo.
Dei um cutucão para acordá-lo.
— O que foi? — questionou ele, assustado.
Fiquei irritada. Como ele pode dormir e me deixar falando sozinha?
Nossa! Que horrível da parte dele.
Espero que o dia seguinte seja melhor, porque enfrentar as loucuras da Vera foi preocupante.
É triste ter a visão de uma pessoa e estar com razão. Não gosto muito disso, apesar de sempre sentir uma forte emoção por dentro quando desvendo algo e evito certas consequências.
Mas tudo na vida tem um porquê, é só saber esperar, ter paciência, porque em algum momento, surgem as explicações.
❤ ❤ ❤ ❤
No dia seguinte, levei Vera para dar uma volta no shopping. Ela ficou encantada com tudo. Amou as lojas, fez compras, apreciou tudo com admiração e aproveitou cada momento ao máximo.
Fiquei feliz por acompanhá-la na mesma sintonia. Animadas, conversando sobre vários assuntos de forma descontraída, sem suas paranoias e loucuras para atrapalhar, andando de um lado para o outro e rindo bastante.
Após conhecer algumas lojas, decidimos parar na praça de alimentação para fazer um lanche.
— Estou amando tudo por aqui — revelou Vera.
— Que bom saber disso — falei. — E parece que você está mudando, né?
— Se puder, prefiro não falar mais sobre o que aconteceu — pediu Vera.
Apoiei os braços sobre a mesa, apenas sorri e assenti com a cabeça.
Já presenciei tantas coisas na vida que ver essa mudança repentina dela não me choca.
O que realmente me deixou surpresa foi ver meus filhos andando pelo shopping. Eles falaram que depois da aula, iam dar uma volta, só não especificaram exatamente onde.
Minha filha estava linda, meu filho também, e fiquei muito feliz por encontrá-los ali.
Ainda sentada, acenei, e os dois vieram em minha direção.
— Que coincidência encontrar vocês aqui — disse minha filha.
Ao se aproximar, percebi que eles estavam acompanhados de Tomate e um outro garoto que não lembro direito quem era.
— Quem é você? — perguntei para o garoto.
— Sou o Lucas — apresentou-se ele.
Lembrei que ele e Kauany tiveram uma troca de olhares no auditório do colégio, depois do teste de canto. Olhei para minha filha, com uma expressão de "entendi tudo", e perguntei:
— E o que vocês vão fazer?
— Nós vamos ao cinema — disse Luiz Pedro Fernando Henrique.
— E vão assistir qual filme? — perguntou Vera.
— Ainda não sabemos, vamos decidir na hora.
— Alguém sabe quais filmes estão em cartaz? — questionou Tomate.
Neguei com a cabeça.
— Nós fizemos compras — falei.
Vera mostrou as sacolas.
Achei tão espontâneo da parte dela a alegria esbanjada.
Fiquei realmente surpreendida com sua mudança repentina. Na verdade, senti uma felicidade imensa por ver meus filhos contentes com a presença da tia. Eles se amam, e se for possível, farei muito mais para que ela não os decepcione, nem ninguém.
Nos despedimos.
Eles se retiraram, foram ao cinema, enquanto eu e Vera continuamos conversando na praça de alimentação, e comendo, claro.
❤ ❤ ❤ ❤
Aguardamos as crianças terminarem de assistir ao filme, andamos por outras lojas, e mais tarde, sentamos em um dos sofás que ficam perto da bilheteria do cinema.
— Estou exausta — disse Vera, sentando-se com tudo sobre o sofá e atirando as sacolas no chão.
— Nosso dia foi muito produtivo — concluí. — Acho que até estourei o cartão de crédito do Ricardo.
Começamos a rir, sem forçar muito, pois estávamos cansadas (de verdade). Pelo que lembro, nunca me senti assim após fazer tantas compras. Talvez, me senti desse jeito por nunca ter gastado tanto como hoje.
— Uma vez, abusei tanto em uma viagem, comprei de tudo, que acabei ultrapassando o limite do meu cartão de crédito. E o pior é que o meu cartão era ilimitado — contou Vera.
Mais risos.
— Sua mentirosa! — acusei.
— Tá! Confesso que tinha um limite, mas não lembro qual era o valor — revelou a irmã de Ricardo, ainda se recuperando das gargalhadas.
— Mas até que eu gostei de algumas coisinhas aqui do shopping — confessei.
Um homem estava se aproximando.
— Não acredito! — espantou-se Vera.
— O que foi? — perguntei, confusa.
— Aquele cara... ele está vindo em minha direção.
— E qual é o problema?
O homem chegou mais perto, com as mãos nos bolsos da calça, um sorriso escancarado e um olhar brilhante (sim, brilhava muito).
— Olá, Verinha, lembra de mim? — perguntou ele.
Fiquei surpresa com sua recepção.
Olhei para Vera e ela estava toda sem jeito.
— Claro que eu lembro, Astolfo! — disse a irmã de Ricardo, toda envergonhada.
Não acredito!
Que nome estranho, hein!
— Sério que você se chama Astolfo? — perguntei, incrédula.
— Sim — confirmou ele. — Por quê?
Cruzei as pernas, apoiei as costas no sofá e sorri.
Ao longe, avistei as crianças saindo da sala do cinema.
Vera e Astolfo continuaram conversando, mas não dei muita atenção. Apenas foquei nos meus filhos e nos amigos deles. Esperei que todos se aproximassem, me levantei e falei:
— Crianças, este aqui é o Astolfo. Meu filho, nunca mais reclame do seu nome, está bem? Luiz Pedro Fernando Henrique é um nome extenso, concordo, mas Astolfo é meio cruel!
— Débora! — exclamou Vera. — Qual o preconceito com o nome dele?
— Querida, não é preconceito, não, é questão de realidade, porém, uma realidade deles. — Apontei para as crianças, e continuei: — Meu filho não gosta do nome, mas fui eu que escolhi, só que Astolfo já é demais, né?
— Meu tio se chama Astolfo — revelou Lucas. — E ele tem depressão.
Houve um silêncio constrangedor.
Da minha parte, até que fui precipitada, mas eu preciso colocar na cabeça do meu filho que o nome dele é comum (talvez, não seja tão comum, mas tem que ser, porque eu coloquei, né?).
Então, é meio complicado.
Cruzei os braços, olhei para todos com uma expressão de vergonha e desespero, mantive a calma e perguntei:
— Como foi o filme, crianças? Vocês gostaram?
— Foi muito legal, mãe — respondeu Kauany.
Que situação constrangedora!
Eu e minha boca.
Nossa!
❤ ❤ ❤ ❤
Quando chegamos em casa, pudemos conversar melhor.
— Quem era aquele tal de Astolfo? — perguntei.
— Um cara que eu estava namorando — respondeu Vera. — Mas já faz tempo que não nos falamos mais.
— E ele é bonito, hein! Pena que tem um nome... Bom, melhor deixar para lá.
— É, também acho — concordou ela.
Mandei Luiz Pedro Fernando Henrique e Kauany irem tomar banho. Já estava tarde.
Ricardo chegou em seguida, pediu que eu cuidasse da loja no dia seguinte para que ele pudesse passar o dia com a irmã.
Gostei da ideia. Meu marido precisa, mesmo, aproveitar um pouco com a irmã.
Poxa! Só eu que tive que ficar saindo com ela. Mas até que gostei de passar o dia ao lado de Vera e ter a oportunidade de analisar sua mudança.
❤ ❤ ❤ ❤
A semana passou voando. Cobri o lugar de Ricardo na loja, e fiquei o restante dos dias trabalhando para que os dois irmãos pudessem passear bastante.
Sou compreensível, não posso negar. Acho que o pior já passou. E o pior era ter que enfrentar a Vera falsa e fofoqueira.
As pessoas têm momentos na vida que mostram o quanto é fundamental mudar. Não mudar sua personalidade, mas sim, se adaptar aos lugares, às etapas do cotidiano, e deixar a essência visível, sem transparecer arrogância.
Quando uma oportunidade aparece, é melhor aproveitar, analisar e encarar.
A coisa mais preciosa que existe é a essência. Crescer, evoluir, mudar, se transformar, conhecer novos horizontes, e jamais deixar a essência de lado.
Vera precisava voltar para São Paulo, e os dias que passamos em família foram extremamente importantes. Ela evoluiu (e muito).
Agora, percebo que isso tenha nos tornado pessoas melhores. Ricardo não ficou muito por dentro do que houve. Contei a ele, mas não dei muitos detalhes. Meus filhos gostam da tia e era preciso manter a harmonia entre todos nós. O vínculo amigável é fundamental, e com a revelação de que Vera era uma fofoqueira, foi um choque para os pequenos (que não são tão pequenos assim).
A irmã de Ricardo mentia. Além de mandar mensagens contando sobre nossas vidas, contava histórias que nem existiam, só para se sentir superior, e foi isso que chocou a todos.
Na hora da despedida, foi meio triste dizer "até mais", porque os últimos dias foram movimentados, agitados, e meus filhos não queriam que a tia fosse embora, mas era preciso.
Deixamos ela no aeroporto. Fizemos questão de acompanhá-la.
O final de semana mexeu com todos, mas foi um período de muito afeto.
Vera mostrou que todos nós somos capazes de evoluir, e analisei muito sobre sua mudança, que foi praticamente da noite para o dia, e acredito que ela esteja realmente evoluindo.
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