❤ DÉBORA ❤
Como ser gentil com alguém que não é? É simples: não seja.
A noite anterior foi entediante. O jantar, a conversa jogada fora, todas aquelas informações completamente desnecessárias...
Pela manhã, me senti acabada. Parece até que fiquei a noite inteira em uma balada. Mas eu precisava estar alegre para acordar as crianças.
No café da manhã, todos estavam em volta da mesa.
— Hoje, o dia é só nosso, Dedé — disse Vera, com um sorriso de orelha a orelha.
Ela provavelmente estava pensando: "Vou saber de tudo. Preciso de fofocas".
Apenas sorri, com olheiras e com a mente derrotada.
— Mãe, eu vou fazer um teste de canto hoje à tarde — disse Kauany. — Tudo bem se vocês forem?
— Claro — concordei, feliz por dentro. Voltei o olhar para Vera e soltei: — Puxa, vamos ter que conversar outro dia. Hoje, não vai ser nosso. Uma pena.
— Imagina! — exclamou Vera, me surpreendendo. — A parte da manhã pode ser muito bem aproveitada. O meu maninho vai trabalhar, meus sobrinhos vão para a escola, e à tarde, podemos ir ver a Kakazinha cantar.
— Arrasou, tia — disse Kauany.
"Como assim, Kakazinha? Quem ela pensa que é para dar outro nome à minha filha?!", pensei. Fiquei revoltada na hora.
Simplesmente me retirei, fui até a pia, lavar algumas louças.
Luiz Pedro Fernando Henrique se levantou, veio ao meu lado e perguntou:
— Você está bem, mãe?
— Sim, querido — respondi, lavando o mesmo copo pela segunda vez.
— Se quiser conversar, estou aqui — garantiu meu filho.
Larguei o copo, fitei ele com apreciação e tive a certeza de que meu filho mudou para melhor.
As pessoas realmente evoluem, amadurecem, e acabam se tornando cada vez melhores... menos a Vera, porque essa não vai evoluir em nada, e só piora.
— Obrigada, meu amor — agradeci.
Ele sorriu, deu uma piscada e voltou à mesa para terminar o café da manhã.
Assim que acabei de lavar os copos, sequei a mão na toalha de louça, joguei no ombro e bati palma duas vezes, indicando a hora para Luiz Pedro Fernando Henrique e Kauany.
— Acho que já está na nossa hora — disse Ricardo.
— Ainda bem que para isso você serve, né? — retruquei.
Nos despedimos.
Cada um seguiu seu rumo.
No fim das contas, estávamos Vera e eu, sozinhas, sem ninguém por perto.
Fiquei um pouco preocupada, mas não dei moleza, não. Peguei uma vassoura e coloquei ela para limpar a cozinha e a sala.
Vera gostou da ideia e começou a limpar tudo, com agilidade e rapidez, só que a boca não parava quieta.
— E aí, como vai o casamento? E as crianças estão se comportando? — questionou ela, varrendo a cozinha de um lado para o outro.
— Está tudo bem. E se melhorar, estraga — respondi, sem dar muitas informações e detalhes.
— A Kakazinha está linda, né? — comentou Vera. — Deve estar namorando muito no colégio.
— Primeiro, não tenho nenhuma filha chamada Kakazinha, segundo, se você está se referindo à Kauany, minha filha namora quando e quem ela quiser, e terceiro, fala menos para não entrar muita poeira na sua boca, querida — soltei, furiosa, enfatizando querida com muito rancor.
Ela se apoiou na vassoura, ficou surpresa, franziu o cenho e disse:
— Calma, Dedé, não precisa ficar assim. Poxa!
Vera pegou o celular do bolso, ficou digitando um monte, e depois de algum tempo, guardou. Ela ficou me olhando, com seriedade, voltou a varrer a cozinha e começou a cantarolar.
Acho que essa mulher é louca, só pode. Eu sou meio maluca, confesso, mas a irmã do Ricardo chega a ser assustadora.
❤ ❤ ❤ ❤
À tarde, após uma manhã alucinada, e meio estranha, como combinado, marcamos presença no teste da Kauany. Era na escola, mesmo.
Minha filha estava linda em cima do palco. Foi aí que descobrimos o talento dela para a música. Com uma voz suave, linda e encantadora, ela surpreendeu a todos e mostrou toda a sua aptidão por cantar tão bem.
No auditório, estavam apenas os pais de alguns alunos, os candidatos que iam se apresentar, alguns professores e os técnicos para decidir quem ficaria no musical.
Pois é, minha filha estava tendo a oportunidade de atuar e cantar, e pelo que pudemos perceber, cantando, ela é ótima, mas atuando vai ser incrível, tenho certeza.
Kauany arrasou no palco e garantiu lugar na peça.
— Poxa, filha, jamais imaginei que você fosse participar de uma peça — falei para Kauany, com o maior entusiasmo.
— Pois é, mãe, e eu estou muito feliz com isso — disse minha filha, com uma felicidade imensa.
— Parabéns, minha linda — disse Vera, abraçando Kauany em seguida.
— Obrigada, tia.
Percebi que minha filha olhou para um garoto, que estava do outro lado do auditório. Os olhares foram intensos e pude perceber uma atração entre eles (nossa, jamais pensei que fosse dizer e presenciar isto).
— Depois, eu quero saber de tudo — cochichei no ouvido de minha filha.
— Ele é apenas um amigo, que também é amigo do Lupe — justificou ela.
— Do Luiz Pedro Fernando Henrique?
— É, mãe!
Sorri e a abracei.
— Vamos comer alguma coisa? — sugeriu Vera, me lembrando de sua presença e existência.
Eu esquecera dela por alguns instantes, e foram bons instantes, até sua voz ecoar em meus ouvidos.
— Tem uma lanchonete maravilhosa aqui perto — indicou Kauany.
Concordamos em comer por lá.
O teste foi demorado. Passamos parte do tempo assistindo a outros alunos cantar. As vagas eram limitadas e era preciso ser bom para conseguir algum papel no musical.
A irmã de Ricardo ficou falando o tempo inteiro da sua juventude. A tarde foi chata, não que a parte da manhã tenha sido melhor, longe disso. Nossa! Mas ouvir a fofoqueira falando, sendo estranha em alguns momentos e deixando seus rastros foi uma prova de resistência para mim.
Kauany se diverte com a tia, não sei exatamente o porquê, mas fico feliz que o convívio delas seja tranquilo e amigável.
Já cheguei a pensar na possibilidade de estar tendo ciúmes. Só que uma pessoa fazer perguntas, pegar o celular, ficar digitando, e enviar mensagens, depois de uma conversa, escancaradamente, é estranho. Pelo menos, eu acho. E isso geralmente acontece quando falamos sobre alguma coisa que acontece em casa, ou seja, basicamente tudo. O problema é que somente eu percebo isso.
❤ ❤ ❤ ❤
Ao chegar em casa, encontrei Luiz Pedro Fernando Henrique com o amigo assistindo televisão na sala. Parece que era o Tomate (ainda preciso me acostumar com este nome).
— Olá, crianças — falei, com um sorriso no rosto, indo em direção à sala.
— Oi, dona Débora, como a senhora está? — perguntou o amigo de meu filho.
— Estou bem, querido, e seus pais, como estão?
— Bom, depois daquele susto, estão cada vez melhores.
— Nossa, que menino lindo! — exclamou Vera, surpresa.
— Obrigado — agradeceu Tomate, gentilmente.
— Vera, ele tem idade para ser seu filho — soltei.
— Credo! Eu só achei ele encantador, apenas isso — justificou a fofoqueira.
Eu sei muito bem o que é encantador para essa nota de 3 reais (amei a definição para falsa).
Kauany sentou-se no sofá e ficou assistindo televisão com o irmão e o amigo. Felizmente, todos são amigos e não preciso me preocupar quanto aos conflitos que podem ser gerados entre eles.
O problema principal é a Vera. Uma mulher que fala o tempo inteiro e não se cansa.
— E foi isso que aconteceu — concluiu Tomate, que estava falando para Vera sobre o acidente com os pais.
Escancaradamente, enquanto o garoto falava sobre o ocorrido, Vera não parava de digitar no celular, e isso me deixou irritada.
— O que você tanto faz com esse celular aí? — perguntei, enfurecida, tentando mostrar tranquilidade.
— Nada demais — disse ela, objetiva e rápida na resposta. — Estou apenas atualizando meus familiares que estão em São Paulo sobre o passeio por aqui.
— Ah, sim. Está fazendo fofoca, né? — soltei.
— Mãe, o que é isso? — disse Kauany, surpresa.
— Minha filha, fofoca é o que pessoas desocupadas, frustradas e interesseiras fazem, ficam falando sobre a vida alheia sem pensar muito bem — esclareci.
Todos ficaram chocados com o momento revelador.
E não é que eu estava certa o tempo inteiro. Vera deixou o celular cair no chão (sem querer) e pudemos perceber nossos nomes sendo citados nas mensagens trocadas com os familiares dela de São Paulo.
Meus filhos ficaram chocados, Tomate se encolheu no sofá, tadinho do garoto, e eu peguei o celular do chão, visualizei algumas outras conversas e tive a conclusão de que Vera era uma fofoqueira.
— Eu posso explicar — disse a irmã de Ricardo.
— Não, você pode tentar criar uma história para, talvez, nos convencer de que seja verdade, o que todos nós sabemos que será uma tremenda mentira — falei, com uma expressão de eu avisei escancarada.
De repente, um carro surgiu em frente à casa, buzinou, olhei pela janela, percebi que eram os pais de Tomate, e acompanhei o garoto até o lado de fora.
Kauany e Luiz Pedro Fernando Henrique me acompanharam também.
— Olá, pessoal — disse Paulo, o pai de Tomate. — Tudo bem, Débora?
— Está tudo se resolvendo aqui em casa, e vocês chegaram em uma boa hora, porque eu estou precisando pensar um pouco sobre o que falar para a irmã falsa do Ricardo e acabar com ela — informei, meio que desnecessariamente.
— Como assim?
— Ah, nada demais. Coisa de família.
— Bom, viemos buscar nosso filho. Ele se comportou? — questionou Marcela, a mãe do garoto.
— Claro! Quando eles se juntam, até que dá uma tranquilizada aqui em casa. O problema é acordar o Luiz Pedro Fernando Henrique e a Kauany para irem à escola. É sempre uma luta contra o relógio para ninguém se atrasar. Mas com um jeitinho aqui e outro ali, sempre dá tudo certo. — Todos começaram a rir. — Quando quiserem, podem vir aqui em casa, tá? Fico muito feliz em ver vocês dispostos.
— Imagina, o que é isso — disse Paulo.
Os pais de Tomate são pessoas legais. Sinto menos preocupação sobre as amizades de meus filhos por conhecer um pouco mais sobre eles.
É recomendável manter uma certa proximidade e procurar ficar por dentro de tudo (ou pelo menos, quase tudo).
Eu costumo pensar que não dá para esconder nada dos adolescentes. Eles sempre vão acabar descobrindo, de alguma forma. Por isso, tem que abrir o jogo. Quando meus filhos fazem perguntas, respondo, sem pensar muito. Mas também não respondo qualquer coisa, né? Pode traumatizar. E tem que pensar bem no que vai falar.
Enfim...
Nos despedimos dos pais de Tomate e do garoto.
Voltamos para a sala, e ao chegar, nos deparamos com Vera sentada no sofá. Ela estava séria, com uma aparência de preocupação e aguardando, talvez, pelo pior.
Não me considero uma pessoa má (talvez, um pouquinho, não sei). Isso depende muito do momento.
— Crianças, vão para o quarto — pedi aos meus filhos, e eles obedeceram. Sentei ao lado de Vera e comecei a falar: — Não sei exatamente o que se passa na sua cabeça, mas sei o que acontece com meus filhos quando eles estão com você. Conheço o Luiz Pedro Fernando Henrique e a Kauany melhor que ninguém, talvez, não o suficiente, porque não temos o costume de nos abrir muito sobre qualquer assunto, mas o que você faz, é meio chato. Só peço que você reflita sobre o que aconteceu hoje. Pode parecer uma situação desnecessária, ou inútil, só que as crianças ficaram surpresas, e elas gostam de você. Tenta se adaptar ao ambiente e não decepcione eles. Procure ser melhor pelos seus sobrinhos, que te amam, e não por mim. Pense nos dois. Não fique expondo a nossa vida demais. É desagradável! Fazer alguns comentários sobre seus dias em nossa casa, é normal, mas detalhar tudo e sair contando para os seus familiares de lá, não dá.
Momento tenso esse. Fiquei com medo de ter falado demais e a Vera não ter captado o recado.
Mas...
— Tudo bem, eu agi por impulso e reconheço o quanto fui imatura com você — revelou ela. — Sinto muito. Vou fazer dos próximos dias mais tranquilos, para que todos possam sair ganhando.
A irmã de Ricardo provou que todos somos capazes de evoluir. Com palavras, ela até que mostrou isso, mas com atitudes, é o que vamos ver.
Depois disso, ela quis me abraçar.
Refleti por um instante, respirei fundo e até que topei a ideia.
O abraço foi uma demonstração de afeto, e pude sentir veracidade em suas palavras.
O final da tarde foi tranquilo, felizmente, só vou tentar esquecer parte do dia insuportável.
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