XX. PROMESSAS E DESEJOS
O escritório do Capitão David Pollack era impressionante. As condecorações, as fotos ao lado de celebridades e de homens notáveis dos distritos de Kansas City estavam espalhados pelas paredes. Era a grande glória do capitão e refletiam sua personalidade.
O detentor daquelas honrarias, porém, não estava satisfeito. Encarava a dupla de detetives com impaciência, segurando a língua para não destilar mais xingamentos do que sua língua era capaz de pronunciar.
一 Quer dizer, então, que vocês não têm nada? 一 perguntou mais uma vez Capitão Pollack.
一 Veja, Capitão... 一 iniciou detetive Lawrence. 一 O assassino foi muito cuidadoso.
Colérico, Pollack bateu na mesa com força. Os detetives deram um pequeno salto, assustados com a atitude repentina de seu superior.
一 Não chamei vocês aqui para escutar o quanto o criminoso é eficiente. 一 disse entredentes. 一 Quero um relatório para ontem! Um suspeito, vocês têm? Uma pista que leve a algum lugar?
Peter ficou tenso. Deveria falar da hipótese levantada pelo parceiro? Se estivesse vivo, Conrad Trait seria o principal sujeito do caso; ele teria motivos reais para querer matar a família Stuart de forma tão fria. No entanto, ele estava morto.
Conrad Trait estava morto. Certo?
一 E você, Bane, não tem vergonha na cara? 一 apontou para o detetive com raiva. O superior começava a ficar vermelho de irritação. 一 Tirando folga no meio da investigação? Acha que estamos em uma situação confortável, seu animal?!
Peter de 17 anos não levaria desaforo para casa. Peter iria gritar em resposta e dar um chute na mesa, agiria como uma criança malcriada. Seria um show de horrores.
Mas Peter não era um adolescente; era um homem de quase trinta anos e sabia reconhecer qual era o momento de falar e qual era o momento de ficar quieto.
一 Só tirará folga agora quando tiver o suspeito atrás das grades, ouviu bem?!
Bane, então, lembrou-se do aniversário da filha que seria em algumas semanas. Iria fazer uma surpresa: comprou passagens e apareceria na sua festa. Boa coisa não ter dito, pois sabia que ela ficaria arrasada.
Ele mesmo estava arrasado ao sair da reunião. Mais silencioso do que o costume, Peter foi até a sala de reunião da delegacia com Richard em seu encalço. Sem muitas delongas, o detetive passou a organizar o quadro que antes pertencia ao seu escritório.
一 Ainda acho que Conrad está vivo 一 falou Lawrence.
一 Sim, pois estamos em um filme de ação do Bruce Willis onde é fácil forjar a própria morte por mais de uma década 一 disse Bane com sarcasmo. 一 Vamos pelo caminho mais plausível, Richard.
一 OK, senhor racional. O que sabemos até agora sobre o assassino?
Peter encarou o quadro mais uma vez. Em sua mão estava a imagem de Lisa Bridges, a mulher que fora assediada por Anthony. Amassou em suas mãos.
一 O suspeito não trabalhou sozinho. São duas pessoas, um homem e uma mulher. Talvez a mandante era a mulher. 一 iniciou Peter. 一 Eles conheciam a rotina da família e sabia que eles estariam vulneráveis. Os assassinos também conheciam bem Raytown a ponto de fazer uma pesquisa antes da casa para onde levou a família. Deixou-os irrastreável. Matou-os com rapidez: cada um deles tem uma diferença de uma hora ou menos do horário da morte. Morreram decapitados.
A imagem ainda era fresca na mente do detetive: os corpos posicionados do lado das cabeças retiradas do lugar. O cheiro de sangue era insuportável. O lugar era um açougue sem permissão da vigilância sanitária.
一 Por que ele manteve Isabelle viva, então? 一 indagou Lawrence.
一 É a pergunta de um milhão de dólares 一 replicou Bane.
一 Ainda acho que ela está envolvida, Peter.
Bane encarou a foto de Isabelle que estava no quadro. A mulher era linda; tinha o rosto desenhado pelos deuses. Após ter admitido que estava atraído por ela, que fora longe e a beijou, Isabelle parecia mais bonita ainda para Peter.
一 Não duvido 一 comentou baixinho o detetive.
E se ela estava o usando para atrasar a investigação? Distanciar os seu olhar analítico e isento? Se estivesse, na verdade, organizando-se com o namorado para matar os pais e tornarem-se presidentes da multinacional?
Richard aproximou-se do quadro. Com as mãos na cintura, o detetive encarou as linhas que levavam até Isabelle Stuart.
一 Ela é a única que pode nos levar pra os culpados e está com amnésia traumática 一 apontou Lawrence. 一 A única memória que ela tem foi fabricada. Que conveniente, não?
O parceiro balançou a cabeça positivamente, o peito apertando ao perceber que estava errado. Não havia porque achar que Isabelle não tinha nada a ver com o assassinato. Os fatos buscavam atalhos que levavam sempre até ela.
O celular de Peter vibrou no bolso, despertando-o de seus pensamentos. A mensagem vinha de seu irmão, Andrew Bane.
"Tem algum compromisso pra o jantar daqui a dois dias?"
"Não, pq?"
"Vou levar minha noiva pra apresentar a família. Queria que vc vinhesse"
"Claro, vou sim"
"Vai desarrumado, pfvr. N quero que minha noiva se apaixone por vc"
Peter riu.
"Vai te lascar, Andrew"
一 O que está rindo? 一 indagou Richard.
一 Alguém já te disse que você é um cara super invasivo, Lawrence? 一reclamou Peter guardando o celular no bol.
Bane voltou a analisar o quadro. Seus olhos repousaram na imagem do carro encontrado perto da casa.
一 Você lembra o porquê de não rastrearem o carro de ínicio? 一 perguntou a Lawrence. 一 Esses carros de rico costumam ser super seguros.
一 O rastreador estava desligado há meses. Não era um carro que eles costumavam viajar por longa distância, aliás 一 Lawrence coçou a cabeça. 一 Era um carro que todos da família usavam, até a namorada de Anthony.
一 Namorada? 一 Peter levantou a sobrancelha. 一 Você não disse que ele tinha namorada. Não acha que devemos pegar um depoimento dela?
Lawrence balançou a cabeça em negação.
一 Ela está em algum lugar da África. Moçambique, talvez? É do Médicos Sem Fronteiras e tinha viajado uma semana antes do ocorrido. 一 explicou. 一 Pelo que a tia dos Stuarts disse, o lugar onde ela está é de difícil acesso à internet. Talvez nem saiba que o namorado morreu.
一 É um bom álibi 一 comentou Peter e voltou-se mais uma vez para o quadro.
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Lucy Bane arrumou-se para falar com o pai pela câmera. Não era difícil perceber isso: tinha passado um pouco de maquiagem da mãe e usava o colar que havia ganhado no ano passado do pai. Os olhos brilhavam ao vê-lo através da tela: o homem, tão parecido com ela, estava radiante em poder conversar com a filha de novo.
Os poucos minutos que os dois estavam online eram sempre preciosos, sobretudo porque a menina dormia cedo. A rotina de Peter era louca; a de sua filha também. Barbara inscreveu a filha no máximo de atividades extra-curriculares possíveis: tinha espanhol nas segundas, futebol nas terças, aulas de violão nas quartas e aulas de reforço de matemática nas quintas. Apenas nas sexta-feiras a menina ficava livre, embora costumava ir visitar a avó que morava a alguns quarteirões.
一 Papai, eu queria os livros do Harry Potter de aniversário 一 disse Lucy já fazendo um pequeno bico. 一 Mamãe não quer comprar porque acha caro, disse que eu podia pegar na biblioteca da escola.
一 E esses livros são para sua faixa etária, filha? 一 Peter franziu o cenho. 一 Lembro de assistir o filme quando adolescente e tinha umas coisas...
一 Ah, papai, o senhor sabe que os livros são diferentes dos filmes!
Ele deu um sorriso ladino, orgulhoso e feliz porque a filha já de cedo gostava de ler. Peter nunca gostou muito 一 sobretudo ficção. Os poucos que ele leu eram relacionados ao trabalho.
一 Certo. Vou pensar no seu caso.
Ela deu um brilhante sorriso.
一 Obrigada, papai. O senhor vai poder vir pra festa?
As palavras do capitão ressoaram na cabeça de Peter. No entanto, os olhos cheios de expectativa amoleceram o seu coração. Lucy era a pessoa que ele mais amava no mundo e ele a mimaria até onde fosse o seu alcance.
一 Irei pensar, mas não posso prometer.
A resposta fez a menina balançasse em felicidade. Era o mais próximo de um "sim'' que ela conseguiria.
Peter foi dormir muito satisfeito naquela noite. Sua filha estava feliz e ele, por consequência, estava também. Tentava não pensar que teria menos de um mês para resolver o caso; que estava muito longe de encontrar os suspeitos. Antes de dormir, Peter decidiu que aqueles eram problemas do amanhã. Hoje, ele estava feliz.
Fechou os olhos, embora não estivesse com sono. Sentiu os músculos relaxarem e tentou esvaziar a mente. Ele já havia chegado tão longe 一 mais longe do que um dia acreditou. Tinha tornado-se um homem responsável, embora a duras penas.
Tudo iria ficar bem.
O celular na mesa de cabeceira começou a vibrar. Peter abriu os olhos em alerta, esticando-se com rapidez para pegar o objeto.
Era Isabelle.
Bane hesitou, deixou o celular tocar mais uma vez. O que deveria dizer para ela? Como agir diante de uma incógnita como Isabelle Stuart?
Atendeu a ligação.
一 Peter? 一 indagou a mulher com o tom de voz baixo.
一 Sim, sou eu. Está tudo bem?
一 Tudo sim. Eu só não estou conseguindo dormir... Estou... 一 interrompeu-se 一 Eu não te acordei, não foi?
Ele negou.
一 Ah, tudo bem... Queria conversar com alguém 一 ela deu um riu constrangida. 一 Pensei em ligar pra Eliott, mas...
Peter ficou tenso de repente. Além de ser vítima e também suspeita, Isabelle era comprometida. Onde ele havia se metido?
一 Você tem falado com ele? 一 perguntou Bane.
Ela negou.
一 Estava assistindo um filme da Marvel. 一 começou ela. 一 Você gosta?
一 Não sou de acompanhar muito, mas acho legal 一 replicou Bane arrumando-se na cama. 一 Tenho um amigo que é muito fã e sempre fala dos filmes, sinto que já assisti todos.
一 Meu irmão era muito fã de quadrinhos 一 comentou. 一 Não consigo ver essas coisas sem lembrar dele.
Os ouvidos de Bane ficaram atentos.
一 Sente muita falta dele?
Isabelle demorou um pouco para responder. Engoliu o seco e disse:
一 Sim 一 murmurou. 一 Anthony merecia tudo de bom no mundo.
一 E os seus pais? 一 perguntou com cuidado. 一 Só fale se sentir à vontade, é claro.
一 Eles eram ótimos pais, apesar de não sermos tão próximos... Eu os amava. 一 ela fungou. 一 Não queria que eles fossem assim, Peter.
Bane apertou os lábios sem saber o que dizer.
一 Mas vamos falar de outra coisa 一 pediu ela tentando mostrar-se bem. 一 Quero agradecer por ter me incentivar a voltar a pintar.
一 Está fazendo algum progresso? 一 indagou Bane, igualmente com pressa de mudar de assunto.
Do outro lado da linha, Isabelle Stuart encarava o esboço que começara a fazer nas últimas horas. Estava em dúvida se deveria ou não pintá-lo: ali, marcado apenas pelo lápis, o desenho parecia quase uma presença sobrenatural.
一 Estou sim 一 respondeu com um sorriso. 一 Acho que vai gostar quando ver.
O estômago de Isabelle embrulhou de um forma boa quando ouviu o pequeno sorrir de Bane; era discreto, um pequeno ar saindo das narinas.
Pensou no sonho que tivera. Seria mesmo um sonho? Ela pode sentir sua respiração de perto, os lábios violentos e o abraço quente. Estaria sua imaginação indo além do que conhecia?
Pensou, então, em Elliott.
Ele não tinha culpa. Desde que saira daquela casa de Raytown carregada pelo detetive Bane, ela não queria vê-lo. O clima não estava muito bom antes de sair de Lee's Summit; algo dentro dela foi quebrado naquela casa.
一 Isabelle? Está me escutando?
一 Sim 一 disse prontamente, embora não fosse verdade.
一 Está sendo acompanhada pela psicóloga?
一 Aham, ela veio me visitar hoje. 一 respondeu. 一 Eu gostei dela.
一 Qualquer novidade...
一 Avisarei. 一 completou. Fitou a imagem desenhada no quadro.一 Tenho uma surpresa para você. Espero que possa mostrar assim que eu voltar para Missouri.
一 Surpresa? O que é?
一 Ora, Peter. É uma surpresa.
一 Certo, certo... 一 disse ele sem delongas. 一 Isabelle, eu preciso dormir. Podemos conversar mais depois?
一 Claro, claro... Boa noite, Peter.
一 Boa noite.
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N/A:
Está difícil tirar Isabelle das suspeitas. E vocês? Acham que a atitude dela com Bane não é meio estranha? O que estão achando da história? Como vão as teorias? rs
Vejo vocês semana que vem! agora é sério: todas as sexta irei atualizar aqui.
Até breve.
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