De médico e louco, todo mundo tem um pouco
Algumas horas depois o ônibus estaciona, me sinto muito arrependida de ter ficado nove horas sentada nessa poltrona desconfortável, SoSo tinha razão, são um total de zero motivos para a burra aqui não ter vindo de carro, como não adianta chorar pelo leite derramado, levanto e desço do ônibus indo em direção onde fica as malas, trouxe apenas uma para não ter muito problema de locomoção, já que me falta força para carregar várias malas pesadas.
Depois de pegar a mala, vou em direção aos táxis estacionados, toda vez que tenho que vir para São Paulo, lembro do porque não moro aqui, é tudo tão cheio e todo mundo está sempre sem paciência. Como não é meu dia de sorte, não tem nenhum táxi disponível e ao falar com um cara que está sentado na parada aqui ao lado ele disse que ligará para um "Amigo Uber" já que meu celular simplesmente descarregou. Enquanto espero, SoSo finalmente resolve aparecer e me sinto mais aliviada em tê-la ao meu lado.
— Vai mesmo pegar carona que um homem super estranho chamou para você? — SoSo questiona me olhando com curiosidade. — ele não me inspira confiança.
Antes de responder, coloco os fones e me afasto do homem, lembrando que disse que meu celular estava sem bateria e não quero que ele cancele a viagem pensando que estou mentindo.
— Você vê outra alternativa? Já está noite e tudo ao redor está fechando, não conseguirei nada melhor que isso. E sobre não confiar nele, você parece ser o tipo de pessoa que não confia em ninguém, mesmo que esteja morta — ela revira os olhos.
— Depois não diga que não avisei — bufando ela olha para o céu — Seja lá quem esteja controlando essa jornada doida, por favor, testemunhe no juízo final que tentei convencer à idiota não entrar naquela porcaria de carro e caso ela morra, você poderia mandá-la para um plano diferente do meu? Não faz nem um dia que conheço a sonsa e já me arrependo de ter me metido onde claramente, deveria ter passado correndo. Imagina só passar o resto da eternidade com ela? Deus me defenda.
Ignorando os conselhos e reclamações da implicante, quando o carro chega entro no banco de trás e SoSo se senta ao meu lado, está com uma cara tão fechada que tenho medo dela me bater. Falo com o motorista e peço que ele me leve na pensão muito acolhedora que fico toda vez que tenho alguma reunião por aqui. Alguns momentos depois, SoSo parece preocupada, olha ao redor e me encara.
— Tiana, não acho que estamos indo para o endereço que você deu — bom, ela tem razão, tínhamos que ter virado duas ruas atrás. Pergunto para o motorista qual o problema e ele simplesmente ignora. Socorro Jesus! Eu não acredito que estou sendo sequestrada, só posso ter chutado um cachorrinho em outra vida. Olho para SoSo desesperada, esperando que ela dê alguma ideia.
— Tenho sim uma ideia, mas você não vai gostar dela — ela dá uma risadinha nervosa — Eu não aguento mais esse castigo pós morte, não podiam simplesmente me castigar de outra maneira? Pelo menos agora eu sei o que fiz de errado na última tentativa — sim, ela encarou o teto ao dizer isso — Você vai discretamente levar a mão ao puxador da porta, abrir rápido e se jogar, com o carro nessa velocidade só vai ter alguns arranhões.
— Você não pode ler a mente dele e dizer o que está rolando? — continuo olhando para sua cara e questionando mentalmente
— Acha que se pudesse já não teria feito isso? Essa coisa de leitura de mentes não funciona dessa maneira, não sou telepata. — Poxa! Perguntar não ofende, né? Espírito ignorante. Ok, eu tenho duas opções: ser sequestrada e consequentemente ter meus órgãos vendidos na melhor das hipóteses ou me jogar do carro e talvez morrer ao bater à cabeça. Respiro fundo. Como a última opção é a mais promissora, faço o que ela falou. Tudo acontece rapidamente, quando vou ver já estou rolando pelo asfalto, como o carro estava em baixa velocidade não demora muito para que meu corpo pare com o 'cosplay' de rolo compressor. Ainda deitada escuto o carro freando e voltando de ré.
— Finge que tá morta, mulher! — SoSo diz ao meu lado – Não que seja difícil com essa sua cor pálida de paçoquinha. Se sobreviver, toma um solzinho.
O carro para e o motorista vem ao meu encontro, devo confessar que não tá passando nem Wi-Fi por aqui de tão trancado que uma parte específica do meu corpo está. Sinto ele me analisando já que estou de olhos fechados fingindo de morta.
— Puta merda, moça! Pode parar de dar uma de doida – Ouço o suspiro de frustração dele — eu não ia te sequestrar, ou seja lá o que você pensou, é que estou com tantos problemas em casa que nem prestei atenção se você estava falando comigo ou não.
Abro os olhos e encaro o motorista que está me olhando preocupado, não acredito que quase me matei por absolutamente nenhuma razão, levanto devagar sentindo todo o meu corpo doer, ignorando a dor e fazendo a egípcia.
— Moço, tem noção que quase me matei? — pergunto olhando para ele como se tivesse nascido uma segunda cabeça em seu pescoço, o fantasma não tão camarada, que está ao meu lado simplesmente parece não acreditar que isso de fato aconteceu.
— Tenho né mulher? Você se jogou do carro do nada e se tivesse morrido, com certeza eu não ia me perdoar jamais. Já pensou se tu volta como espírito para me assombrar? Eu que não quero ser assombrado por alma penada. Também não quero ser preso por ter ajudado na sua morte, sou novo demais para ir preso.
— Misericórdia! Tem certeza que não vai me matar? Preciso muito dessa carona e não tenho muitas opções, então se for me matar, poderia fazer isso rapidamente? — SoSo me encara como se eu fosse doida.
— Você não pode falar esse tipo de coisa para um desconhecido que provavelmente vai te matar — reviro os olhos e digo mentalmente que está tudo sob controle.
— Não vou te matar não, moça. Relaxa. Eu nem tenho forças o suficiente para matar alguém. — Dou uma olhada em seu corpo, é verdade, ele parece ser um adolescente na puberdade.
Depois disso, volto para o carro e vamos o caminho todo conversando, ele me conta que se chama Heitor e que tem vinte anos, menciona que brigou com os pais e que por isso não me ouviu, estava calculando em quantos meses ele conseguiria sair de casa e finalmente viver do modo que bem entende. Digo que me meti nessa viagem exatamente pelo mesmo motivo e que é libertador fazer o que bem entende. SoSo desde o episódio do rolo compressor não abriu à boca e parece pensativa, bom, não há nada que eu possa fazer para mudar seu estado de espírito semelhante ao de um 'pinscher'.
Longos minutos depois chegamos na pensão e ao pagar à corrida, dou uma quantia à mais para ajudar em sua jornada, óbvio que ele não quis aceitar, mas nada que um bom drama não tenha ajudado no convencimento, depois de me despedir e pegar seu número, vou em direção a entrada da pensão, rapidamente falo com a recepcionista e vou para o quarto alugado.
Entro no quarto e vou direto me jogar na cama, meu corpo dói, mas nunca me senti tão realizada, à felicidade realmente deixa as pessoas de bem com à vida, imagino que isso seja uma pequena dose de tudo o que irei enfrentar até chegar no meu objetivo, até porque o Universo sempre tem algo para nos revelar.
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