LXIV - BÔNUS 1 - Leonardo
Ainda vejo o rosto dela enquanto termino de subir os últimos degraus e atravesso o corredor escuro em direção à porta número 13.
Como era de esperar, as luzes acesas indicam que a Lilá está acordada e provavelmente muito brava - pra variar.
Ultimamente as palavras que saem de sua boca ou são palavrões ou são ameaças veladas de tirar a própria vida. Ambas refletem o sofrimento de ter perdido aquele bebê.
Entro no quarto e a encontro sentada na cama, as pernas e os braços cruzados e um semblate que transborda fúria.
- Onde você estava? - ela pergunta.
Viro o rosto para o relógio em cima do criado mudo; são três e dezessete da manhã.
- Com a Lia - respondo, nem um pouco afim de criar mais uma mentira para vê-la menos chateada comigo. - Ela me ligou dizendo que queria me ver e eu fui. Não, a gente não se beijou, se é isso o que você quer saber. Não, ela não deu em cima de mim - tiro os tênis e a calça e me jogo na cama. Ela permanece sentada.
- E o que você foi fazer lá?
- Já disse: ela me chamou, e eu fui. Acho que estava precisando disso.
- Disso o que?
- Um tempo sem você - falo, não conseguindo controlar a impaciência. Há muito tempo ela deixou de ser aquela mulher engraçada e divertida que eu conheci. Pra ser sincero, sinto até um pouco de falta da forma falsa como ela agia na frente das outras pessoas ou para me agradar.
Ela abre a boca, mas não fala nada. Começa a chorar descontroladamente.
Me arrasto até o seu lado e a abraço.
- Odeio quando você fala assim comigo.
- Sinto muito - digo, querendo dar um fim na conversa. - vem, vamos dormir.
Apago a luz do abajur ao meu lado e ela faz o mesmo. Nos deitando lado a lado e, enquanto ela parece adormecer sem muita dificuldade, eu continuo acordado. Pensando na Lia.
"Eu quero te ver. Não me pergunte o porquê. Eu só quero te ver." Ouvir aquilo me deiou tão assustado que eu nem soube o que dizer. Ela é o tipo de mulher durona que não liga pro cara no meio da noite pedindo para vê-lo. Pelo menos é como ela aparenta ser.
Como em um filme, a cena dentro da minha cabeça se alterna e eu me vejo mais uma vez abraçado à ela na madrugada fria. Meu coração batia sem controle e quis permanecer abraçado à ela até que o dia amanhecesse e tornasse a chegar ao fim. E que esse processo se repetisse Um número infinito de vezes. Ela se afastou de mim e a cena em minha cabeça muda novamente.
"Você me ama?" ela perguntou. Seus olhos castanhos me encaravam com uma certa curiosidade e brilhavam como duas estrelas. Eu poderia passar o resto dos meus dias olhando para eles. Mas, antes que eu pudesse responder (eu não sei se queria realmente responder) meu celular tocou. Obviamente era a Lilá.
"Nos vemos outra hora então" foi o que ela disse. Eu não quis responder. Não queria me despedir dela, mas era necessário. Quer dizer, eu com certeza tinha a opção de ficar com ela e jogar tudo pra cima, mas pra um cara medroso como eu, aquela era uma escolha arriscada demais para tentar. E agora, menos de uma hora depois, eu já me arrependo amargamente de não ter ficado.
Pego no sono ainda pensando nela. Era quase impossível não pensar nela.
[...]
Acordo e noto que a Lilá não está ao meu lado.
Sento na cama e, pelos sons vindo do lado de fora, percebo que ela está na cozinha. São quase duas da tarde.
- Boa tarde - ela diz assim que eu entro. Ela parece menos ranzinza que na madrugada anterior. Essa pode ser uma boa deixa para o que eu quero fazer.
- Agora que você está melhor - começo, tomando cuidado com o que direi a seguir. - Acho que precisamos conversar.
Ela para de mexer os ovos e vira para mim.
- O que você quer dizer com isso?
- Que precisamos conversar - repito. Ela balança a cabeça e se aproxima de mim, ignorando os ovos quase queimando.
- Tudo bem, pode falar - diz, encostando na bancada.
- Hum... Eu não quero mais ficar com você. Sinto muito, mas simplesmente não dá mais, Lilá.
Silenciosa como uma coruja... Não, coruja não, acho que cobra se encaixa mais... Ela balança a cabeça.
- É por causa dela, não é?
Confirmo.
- Nós nunca ficamos, se é o que você tá pensando, mas eu estou apaixonado pela Lia. Eu provavelmente a amo - talvez eu esteja fazendo uma grande merda, mas sinto como se tivesse que deixar as coisas bastante claras entre nós.
O cheiro de ovo queimado começa a tomar conta da cozinha.
Ela parece se dar conta e vai até o fogão onde, num ato de total desequilíbrio, lança a frigideira com ovos e tudo na minha direção. Me agacho a tempo de ver toda a comida voando sobre a minha cabeça.
- Você é louca?! - grito.
Ela me fuzila com os olhos.
- Eu vou te matar - berra e corre na minha direção. Eu a empurro para longe e me afasto dela.
- Para com isso, Lilá. Você não pode simplesmente aceitar que eu não te amo mais? Eu nem sei se um dia eu te amei!
Num surto de bipolaridade, ela se joga no chão e começa a chorar. A ignoro. Entro no quarto e fecho a porta. Preciso arrumar as minhas coisas.
Do lado de fora, Lilá grita como se um maníaco a espancasse. Em seguida, ouço barulho de coisas se quebrando e sendo lançadas para todos os lados.
Pego o celular para ligar para Lia. Ela precisa saber que eu a amo e que não é tarde demais. Finalmente poderemos ficar juntos.
Lilá entra no quarto e eu largo o celular. Ela segura, trêmula, uma faca com as duas mãos.
- Você. Não. Vai. Me. Deixar - diz entredentes. Eu dou um passo para trás. Depois outro. Depois outro. A parede está logo atrás de mim. - Você vai ficar comigo? - ela pergunta.
- Não - respondo secamente.
Sem uma palavra, ela corre na minha direção e eu me desvio bem a tempo. Corro para fora do quarto e em seguida para fora do apartamento. Ela me segue. Corro na direção das escadas e desço os degraus o mais rápido que posso.
- Você não vai ficar com ela. Não adianta fugir - a neurótica grita logo atrás de mim.
Meu desespero aumenta de zero assim em três segundos.
A saída está fechada e parar para abri-la vai gastar tempo o suficiente para que Lilá me alcance.
- Calma, calma. Eu fico com você - grito. Ela para. Eu também. - Relaxa, ok? - viro para ela. Seus olhos estão cheios de água. - ficaremos juntos - minha voz soa quase desesperada.
Ela força um sorriso medonho.
- Você me ama?
NÃO.
- Amo - respondo, imóvel.
O sorriso dela desaparece.
- Você está mentindo - se inclina para a frente e enfia a faca em minha barriga.
Uma dor lancinante percorre meu corpo e eu apago.
Muuuuito obrigada por estarem acompanhando até aqui, sério mesmo ... 💙😘
O próximo capítulo também será um bônus e espero que gostem tanto quanto eu gostei...
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