Capítulo XXXV
Era domingo de manhã e eu não saía do quarto há dois dias. Assim que contei ao meu pai o que havia acontecido, ele insistiu para que eu voltasse para casa e tomasse muito cuidado com "a louca-psicótica do quarto ao lado". Eu disse à ele que não estragaria a minha viagem por causa dela, mas foi exatamente o que eu fiz. Até aquele momento.
Meu pai também insistiu em querer saber se a voz que ele tinha escutado era a da Crystal, mas eu mandei ele relaxar e disse que não havia sido ela coisa nenhuma.
Mentira, mas ele não precisava saber.
Estava sentada de pernas cruzadas na cadeira da varanda lendo tranquilamente, até que um "psiu" tirou minha concentração e me fez inclinar a cabeça para o lado e ver Leonardo na outra varanda. Aquilo significava que ele ainda estava com a Lilá.
Voltei a baixar a cabeça para o livro, ignorando-o.
- Lia...
Balancei a perna para demonstrar que não estava interessada. Àquela altura eu já não prestava atenção em absolutamente nada do livro
- Lia, eu queria te pedir desculpa - soltei uma risada que lembrava muito um soluço. - Lia, por favor, olha pra mim.
Levantei a cabeça e virei o rosto para ele. Seu cenho estava franzido e os lábios, comprimidos.
- O que você quer?
- Saber por que você está brava comigo.
- Não interessa. Volta lá pra sua namorada...
EU JURO PELA MINHA DIGNIDADE QUE EU ESPEREI ELE DIZER: ELA NÃO É MAIS MINHA NAMORADA, MAS ELE NÃO DISSE.
- Deixa disso - falou.
Revirei os olhos e levantei.
- Vou entrar.
- Lia, é sério isso? Você vai voltar a ficar assim comigo? Achei que éramos amigos.
Dei uma risada que soou mais desesperada que sarcástica.
- Leonardo, você esperou dois dias... DOIS DIAS... pra vir falar comigo. Você acha mesmo que eu te considero um amigo? Se você fosse meu amigo, depois de tudo o que eu passei essa semana, viria aqui de hora em hora perguntar como eu estou, mas você não fez isso. Sabe porquê? - respirei fundo e disse, muito calmamente: - Porquê você continua sendo o babaca que eu sempre achei que fosse.
Ele não disse nada. E eu quis muito que ele dissesse. Entrei no quarto e fechei a porta de vidro.
"Merda. Droga. Porra" xinguei. Me joguei na cama e fiquei encarando o teto por tanto tempo que acabei adormecendo.
'Ele estava de pé ao lado de uma árvore. Estávamos num parque bastante movimentado e parecido com o Central Park.
- Olá? - chamei, mas ele continuou de costas para mim. Sua cabeça estava inclinada para cima e eu imaginei que ele observasse um ninho de passarinhos. - Leonardo?
Ele cruzou os braços. Caminhei em sua direção, pisando nas folhas secas e amareladas da árvore e toquei seu ombro. Ele estremeceu e eu recuei.
- Não - murmurou.
- Não? - indaguei.
- Não - repetiu ele.
Tornei a tocar seu ombro e ele tremeu mais uma vez. Ainda tocando-o, caminhei até ficar de frente para ele. Seus olhos estavam exageradamente vermelhos e - a não ser que ele tivesse fumado muita maconha - ele com certeza havia chorando.
- Tudo bem?
Ele balançou a cabeça em negativa.
- Por que não? - baixei a mão e ele segurou meu braço com força.
- Me abraça - disse.
Sem hesitar, assenti e dei um passo para frente, os braços abertos.
Ele me abraçou como se precisasse de mim. Como se eu fosse seu porto seguro.
- O que houve? - perguntei.
- Nada.
- Tem certeza?
- Tenho.
Nos abraçamos por tanto tempo que chegou um momento em que eu achei que nos pertenciamos de alguma forma.
O céu começou a ficar acinzentado e uma lufada de vento forte passou por nós. Iria chover.
- Precisamos ir - informei. - vamos.
Ele me soltou e, quando se afastou o suficiente para que eu pudesse ver seu rosto, ele já não era mais ele. Era Léo.
- O que você está fazendo aqui? - perguntei assustada.
- Eu só quero muito te ver. Você não quer me ver?
Não respondi. Eu queria vê-lo, mas... não queria vê-lo, entende? Pois é, nem eu.
Ele sorriu. Sua barba estava maior agora e o rosto um pouco mais pálido.
- Adeus, Lia - Léo começou a dissolver. Seu rosto, tronco e membros viraram poeira e se espalharam pelo ar como uma sombria névoa.
- Não... - murmurei. Eu estava sozinha. Outra vez.'
Abri os olhos calmamente. Ao perceber que tudo aquilo havia sido apenas um sonho, respirei aliviada.
Eram 12:37.
Ouvi um barulho de ônibus estacionando e imaginei que seriam os sortudos voltando de algum passeio.
Levantei da cama e saí do quarto, ainda de pijama.
Apertei o botão do elevador e esperei ele chegar ao meu andar. A porta abriu.
Leonardo e Lilá estavam lá dentro. Ela possuía um belo curativo no nariz que fez com que eu me orgulhasse e agradecesse por todos os Karatê Kid já assistidos.
- Oi Lia - ela disse.
- Vocês podem sair do elevador, por favor?
- Claro - ela concordou cordialmente e saiu. Leonardo permaneceu estatelado.
- Acho que eu vou almoçar - ele disse para ela.
- Mas... Achei que você quisesse tomar banho.
- Mas eu não quero mais.
Entrei no elevador.
Ela controlou a raiva e sorriu.
- Até mais.
A porta fechou. Leonardo apertou um dos botões que fez o elevador parar.
Ele se virou para mim, mas eu permaneci encarando a porta.
- Por que você não tem ido aos passeios?
- Porque as pessoas que eu mais detesto estão neles.
- Claro. Esqueci que você me detesta por motivo nenhum. Eu esqueci também que, não importa o que eu faça, você sempre vai me odiar. Porra, Lia! Eu tô tentando pra caralho aqui. Então por que diabos você me detesta?
- Eu te detesto porque eu cheguei a achar, que depois de tudo que ela fez comigo, você não seria tão babaca em continuar com ela. Eu te detesto porque eu achei que se importasse comigo - desabafei.
- Eu me importo.
- Disse o cara que veio falar comigo dois dias depois de toda a merda que aconteceu... - fiz uma pausa dramática e bati palmas. - quer saber? Você se superou. Pelo menos dessa vez, você veio falar.
Ele deu um soco na parede de metal e eu estremeci de susto.
- Quantas vezes eu vou precisar me desculpar com você? - gritou ele. - quantas vezes vou precisar dizer que sei que eu era um babaca e me odeio por isso? Quantas vezes eu vou ter que dizer que você me deixa confuso pra caralho e que eu não consigo parar de pensar em você desde a porra da vez que nos encontramos naquela merda de Café???
OI?? VOCÊ PODE REPETIR ESSA ÚLTIMA PARTE, POR FAVOR?
Inclinei a cabeça pro lado, ainda desacreditando tudo o que tinha acabado de ouvir, e o vi de cabeça baixa.
- Só que a Lilá... - ele voltou a falar. - ela está comigo a tanto tempo e... Apesar de tudo... Já passamos por muita coisa juntos...
- Não fale como se eu tivesse suplicado para que vocês terminassem.
- Estou falando comigo mesmo. Venho me repetindo isso há alguns dias. É a parte racional que existe em mim falando.
- E o que a sua outra parte diz? - perguntei, curiosa.
- Na verdade ela está gritando agora mesmo.
- O que? - meu coração batia em disparada.
- Que eu devo beijar você. E eu preciso admitir que ela está quase ganhando.
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