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Capítulo XV

Os pais do Léo moravam numa rua próxima a Chinatown, e eu dirigi o mais rápido que pude.

Assim que entramos no carro, Léo pegou o celular e ligou para a polícia; ele deu o endereço da casa dos pais e disse que suspeitava que seu pai havia agredido - ou até mesmo matado - a sua mãe. Sua voz agora estava trêmula, assim como as mãos.

Parei o carro no sinal vermelho e olhei para ele.

- Posso saber o que houve? - me arrisquei em perguntar, esperando que ele tivesse esquecido de toda aquela merda sobre não fazer perguntas.

Ele não disse nada por um tempo. Olhava para o lado de fora com um dos braços apoiados na janela e eu achei que ele não me ouvira, quando falou de repente:

- Meu pai desenvolveu o transtorno de bipolaridade há alguns anos. Já tentamos de tudo; tratamentos e remédios e ele realmente ficou bom por muito tempo. Mas... - o sinal ficou verde e eu tornei a dirigir. - essa semana, de repente, ele tornou a ficar muito agressivo e descontrolado e segundos depois ele já estava chorando e dizendo que merecia morrer. Foi uma loucura - então foi por isso que ele não tinha falado comigo durante toda aquela semana. Ele não me esquecera. Apenas estava preocupado demais para falar.

- E a sua mãe? Como ela vê tudo isso?

- Ele já a agrediu tantas e tantas vezes e sempre que eu pergunto porque ela não o deixa, sabe o que ela me diz?

- Não faço ideia.

- Que ele é o amor da vida dela e que ela não o abandonaria nem em um milhão de anos.

Inacreditável. Totalmente inacreditável que aquela mulher, apesar de todas as coisas que estava passando, ainda conseguia amar o marido. Isso mostra o quanto esses amores de hoje em dia são frágeis; terminam por causa de briguinha idiota sobre quem comeu o chocolate velho na geladeira.

- E agora olha só no que deu.

- Calma, você não sabe o que aconteceu, ok?

Chegamos à um cruzamento e ele me mandou virar para a direita.

- É aquela casa ali - apontou para uma casa de dois andares pintada de azul e branco. Parei o carro ao lado da garagem e, quando eu ia tirar o cinto, ele segurou minha mão. - melhor você ficar aqui.

- Eu vou com você -  disse, forçando na voz uma segurança que eu não tinha. - nem adianta dizer nada, já está decidido.

Ele forçou um sorriso meio tristonho e saiu do carro. Eu fiz o mesmo.

Subimos os degraus de madeira da varanda e ele abriu a porta com suas antigas chaves. Entramos.

A casa estava mergulhada na escuridão total. Léo ligou o interruptor da sala. Não havia ninguém ali. Seguimos pelo corredor; eu logo atrás dele, que verificava os cômodos apenas colocando a cabeça para dentro.

O primeiro andar estava vazio.

Subimos em silêncio e na ponta dos pés para o segundo andar e a primeira coisa que vimos foi a porta do banheiro aberta e uma luz acesa. Nos aproximamos. Começamos a ouvir um gemido baixinho. Olhei pro Léo e ele se mantinha fixo na porta à nossa frente. Empurrou a porta e o que vimos lá dentro me fez querer correr para bem longe dali.

A mãe do Léo havia levado um tiro no lado direito do peito e seus olhos estavam arregalados.

- Mãe! - ele correu para ela e agachou ao seu lado, sujando-se de sangue. Dei um passo para trás e tirei o celular do bolso, na esperança de ligar para uma ambulância, mas algo terrível aconteceu. Senti um braço passar ao redor do meu pescoço e me puxar para trás. - Pai! - Léo gritou e levantou, mas o pai dele apontou a arma para mim, fazendo-o parar na mesma hora.

- Olha o que eu fiz - disse o homem com a boca ao lado da minha orelha. - Olha que droga eu acabei de fazer! Matei a minha mulher.

- Não, pai. Ela não está morta, ok? Ainda podemos salva-la.

- Não, não podemos. Você está mentindo!

- Ele não está mentindo - murmurei com tanto medo que ainda me pergunto como diabos consegui fazer aquilo. Eu prendia a respiração e me concentrei em olhar para o Léo. Apenas para ele.

- Pai, por favor, solta ela. Solta ela agora e ainda poderemos salvar a minha mãe.

Senti o pai do Léo balançar a cabeça várias vezes.

- Não. Não poderemos salva-la enquanto eu estiver na vida dela.

- Então você só precisa sair da vida dela.

- Eu sei.

- Ótimo, agora solta a Lia, por favor.

- Lia? Essa aqui é a Lia? - ele me conhecia? Como alguém que apontava uma arma para mim poderia me conhecer?

- É. Ela mesmo. Agora você pode solta-la?

- Ele falou bastante sobre você essa semana, Lia. Cuida dele pra mim. E, filho, cuida dela. Cuida dela como eu não pude cuidar da sua mãe.

E antes que pudéssemos fazer alguma coisa para impedir, o pai dele apontou a arma para a própria cabeça e atirou.

O terrível barulho do disparo fez com que meu ouvido esquerdo parasse de funcionar. Meu corpo trêmulo amoleceu e caiu no chão. Eu não gritei ou chorei. Não porque fosse a réplica perfeita da Mulher Maravilha e não estivesse com medo. Tsc. Eu, na verdade, estava em choque.

Apenas com o ouvido direito, escutei Léo passar por mim e gritar ao lado do corpo do pai. Escutei também a mãe dele gemer ainda mais alto do banheiro e, segundos depois, ouvi a viatura da Polícia se aproximar. POR QUE ELAS SEMPRE TINHAM QUE CHEGAR DEPOIS QUE AS PESSOAS MORRIAM?!

Permaneci estatelada no chão de olhos fechados e ouvi passos e gritos desesperados. Logo em seguida, senti meu corpo ser carregado e, ao sentir aquele cheiro refrescante - com um pouco de sangue - , soube que ficaria segura.

Ele me levou para baixo e saímos da casa. Léo abriu o carro e me colocou lá dentro. Eu ainda tremia feito uma condenada e levantei os olhos; ele conversava com dois policiais em frente à casa, enquanto mais outros dois carregavam a mãe dele para fora e a colocavam na viatura.

Depois de alguns minutos, ele voltou para o carro.

- Sinto muito - consegui dizer com a voz muito baixa. Ele não chorava, mas era possível ver a angústia em seu rosto. - isso foi... - e tudo passou pela minha cabeça feito um filme em câmera lenta. Desde a ligação, até o momento em que o pai do Léo atirou na própria cabeça. Levei as mãos na cabeça e me encolhi no banco.

Léo encostou a cabeça no porta luvas.

- Eles estão a levando ao hospital. A ambulância vai chegar daqui a pouco pra... Pra pegar o corpo dele. Não sei se quero ver isso.

- Vamos sair daqui então.

- E pra onde iremos? Minha mãe provavelmente não vai acordar hoje ou... Sei lá, nem sei se ela vai acordar mais alguma dia.

- Sem perguntas, lembra?

Ele levantou a cabeça e me encarou; recostou-se no banco e eu liguei o carro, entendendo aquilo como um sim.

A verdade era que eu não sabia pra onde ir. Não sabia o que fazer. Literalmente.

Entrei, sem perceber, em Chinatown e demos uma rápida volta pelo bairro chinês.

- Eu gosto daqui - ele murmurou, mais para si mesmo que para mim.

- Eu também - respondi, mesmo só tendo ido aquele bairro umas duas ou três vezes. - É bastante bonito.

Aquilo era verdade.

Os prédios, as fachadas, os telhados e principalmente os detalhes decorativos faziam parecer que tinhamos entrado num túnel de Nova York direto para a China. Tudo ali era único e diferente e tinha um tom meio alaranjado.

Lancei um olhar rápido pro Léo e agora ele estava de olhos fechados com as mãos na frente do rosto. Por puro impulso, tirei uma das mãos do volante e apoiei sobre sua coxa. Ele me olhou e baixou uma mão, tocando na minha. Nossos dedos se entrelaçaram e sua mão quente me aqueceu por inteiro.

Passei todo o caminho com a cabeça focada no fato de que estávamos de mãos dadas (ESTAMOS DE MÃOS DADAS! ESTAMOS REALMENTE DE MÃOS DADAS!) E, talvez por isso, me vi estacionando o carro em frente ao prédio dele e me perguntei como diabos havia chegado até ali.

- Precisa de alguma ajuda? - perguntei sem saber bem o que eu queria ouvir em resposta. "Ah, claro, você pode me dar banho, por favor?" - quero dizer, sei lá.

- Sobe comigo? - ele disse, apertando ainda mais a minha mão gelada.

NÃO. NÃO QUERO. VOU FUGIR DAQUI. ME DEIXA!

- Subo.
Oioi gente, espero que estejam gostando. Lembrem de votar, por favor. Beijos =)

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