Capítulo XII
Pela segunda manhã seguida acordei com meu celular tocando e vibrando embaixo do travesseiro.
Como se já não bastasse o fato de que eu tive uma noite horrível por conta do rosto que insistia em doer - não importava quantos analgésicos eu tomasse - aquele maldito celular vibrava há quase meia hora.
Abri os olhos com dificuldade por causa da excessiva luz que invadia meu quarto e a primeira coisa que vi foi livro da minha mãe em cima do criado mudo. O único livro que eu não havia guardado porque tinha chamado a minha atenção como nenhum outro.
- Alô? - atendi, meio enraivecida.
- Lia? - era o Angus. - sou eu o Angus. Como você está?
- Depende do que você esteja se referindo.
- Informei ao patrão sobre ontem e contei que você foi agredida e tudo mais e ele disse que você pode voltar só na terça, ok? - de repente eu estava bastante contente. - e ele também acha melhor que você vá na polícia.
AH, CLARO, SE EU QUISER MORRER EU COM CERTEZA FAREI ISSO.
- Acho melhor não, Angus.
- Por que não?
- Fui ameaçada de morte.
- Isso é sério?
- Não, não, eu só gosto de inventar pras pessoas que fui ameaçada de morte. É claro que isso é sério, Angus!
- Ai meu Deus - eu não sabia que ele era tão religioso até aqueles últimos dois dias. - coitada.
- Ah, muito obrigada por me chamar de coitada. Qual o próximo passo? Vir aqui em casa e me servir uma xícara de chocolate quente?
- Você gostaria disso? - o tom da sua voz me fez perceber que ele não estava brincando.
Revirei os olhos.
- Ah, vai se ferrar, Angus.
- Nos vemos na terça.
Desliguei e fiz o que eu sempre fazia com a única diferença que dessa vez eu não precisava tirar a roupa para me aprontar.
O computador ligado, entrei na minha rede social que ultimamente estava bastante movimentada e me decepcionei ao ver que eu não tinha nenhuma nova mensagem.
"Por que ele sumiu assim?" perguntei a mim mesma, pensando no Léo. Não nos falávamos desde a quarta-feira quando ele havia ido embora de repente. E não era como se eu esperasse a gente conversasse todos os dias durante horas a fio, mas eu esperava algo mais que o vácuo total.
"Desistiu dos órgãos?" escrevi e mandei para ele. Não queria parecer indiferente e nem demonstrar que "sentia falta".
"Jamais" foi o que ele respondeu segundos depois. Sorri com a mensagem e fiquei esperando por algo mais. Esperei, esperei e esperei. Ele não disse mais nada.
"Pelo menos eu tentei" disse a voz orgulhosa dentro de mim.
Desliguei o computador e fui até o quarto do meu pai. Estava vazio.
Passei pela porta que levava à sala de estar e segui até a cozinha, também vazia. Passei pelo banheiro e cheguei até a última porta, onde eu não entrava havia meses. O escritório do meu pai.
Ele estava sentado em frente ao computador, digitando rapidamente e eu fiquei orgulhosa ao ver que ele finalmente encontrara alguma inspiração.
- Oi filha - ele parou de digitar e levantou a cabeça. Seus olhos verdes brilhavam. Ou seria apenas a luz do monitor refletindo neles?
- Não, depois conversamos. Não quero te atrapalhar. Vou tomar café e levar as roupas até a lavanderia. Me empresta o carro?
- As chaves estão em cima da mesinha na sala. Você está melhor?
- Melhor que isso, só se eu levar um tiro de espingarda.
Ele riu. Eu assenti e saí.
Eu sabia dirigir, como pude me esquecer de dizer isso??!
Só não gostava de ir ao trabalho de carro porque com toda certeza chegaria mais rápido se fosse correndo com uma perna só.
Entrei na cozinha e preparei um chá para mim. Minha mãe adorava chá. Hã? Por que eu estava pensando nisso? Balancei a cabeça tentando esquecer aquele pensamento, como os personagens costumavam fazer nos desenhos animados. Passei manteiga nos dois lados do pão e voltei ao meu quarto.
Sentei na cama e coloquei a xícara quente em cima do criado mudo. O livro. Sem hesitar, peguei ele e encarei a capa: uma sombra desconhecida andando no que parecia ser um mar de neve com um guarda-chuva vermelho. Virei para ver o verso: Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler; era o que estava escrito.
O abri. Havia alguma coisa escrita nele em uma letra muito miúda. Apertei os olhos para conseguir enxergar e li: 25 de Agosto de 2011. Para a minha querida filha.
Arregalei os olhos e arremessei o livro com força do outro lado do quarto, fazendo-o bater na parede e cair aberto no chão.
Ela pretendia me dar aquele livro de presente. Mas não foi esse fato que me deixou perturbada. Aquela data era exatamente do dia em que ela nos deixara.
Tomei o chá e praticamente engoli o pão antes de tirar o pijama e entrar no banheiro.
- Take my hand, take my whole life too. Cause I can't help, falling in love with you - (Pegue minha mão, pegue toda a minha vida também. Porque eu não consigo evitar de me apaixonar por você). Era o que minha mãe cantava todas as manhãs. No início eu achava que ela pensava em meu pai, mas depois, quando ela partiu, tive consciência de que se referia a outra pessoa.
Enfiei nossas roupas dentro da sacola verde que geralmente usávamos e a carreguei - na verdade eu praticamente a arrastei - para a sala.
- Já vou! - gritei pro meu pai, mas ele nem respondeu. Apanhei a chave e saí.
Joguei a sacola no porta-malas e entrei no carro. Dei marcha à ré e saí da garagem em direção ao início da minha rua. Virei para a direita e segui pela rua principal até virar novamente à direita e dirigir por alguns minutos num trânsito tranquilo até chegar à lavanderia.
A fila era pequena quando entrei. Apoiei a sacola no chão enquanto esperava. "Será que eu fiz alguma coisa que deixou ele muito chateado? Quer dizer, a gente conversou numa boa e tudo mais, mas ele pode ter se ofendido, sei lá. Nosso encontro estava marcado pra esse fim de semana, mas do jeito que ele está agora eu duvido muito que..."
- A fila andou - disse uma voz feminina atrás de mim.
- Ah, obrigada - me virei para agradecer enquanto empurrava a sacola com o pé. A mulher atrás de mim devia ter uns vinte e poucos anos e tinhas os cabelos castanhos muito compridos; seus olhos eram pequenos e tinham cílios muito grandes.
- De nada. Essas filas são um saco.
Balancei a cabeça.
- Seria bom se tivesse mais máquinas.
Ela concordou.
- Ou então que as pessoas fossem um pouquinho mais rápidas.
- É, no meu caso eu realmente vou demorar. Faz algumas semanas que eu não lavo roupas.
- Eu também - ela sorriu e estendeu a mão. - me chamo Lilá - arregalei os olhos e quase engasguei. É AGORA QUE ELA VAI ME MATAR?! Não, não existe apenas uma Lilá em todo o mundo, foi o que eu pensei antes que Leonardo entrasse na lavanderia e caminhasse na nossa direção. - não vai me dizer seu nome? - ela ainda sorria.
- Lia - Leonardo falou, antes que eu pudesse responde-la. - você por aqui?
Lilá baixou a mão já cansada que eu não havia apertado e seu sorriso murchou.
- Vocês se conhecem? - ela questionou.
- Hum...
- A fila andou - falou Leonardo e eu agradeci por ser a próxima. Encontrei uma máquina vazia e joguei minhas roupas lá dentro sem muita cerimônia. Lembrei que precisava de água. Droga! Tive que tirar tudo e esperar a droga daquela máquina velha encher.
Me arrisquei a olhar para trás e vi que Lilá me observava. Leonardo, por sua vez, fitava o chão. Alguém ao meu lado tirou as roupas da máquina e foi para a secadora. A fila andou e os dois ocuparam a máquina ao meu lado.
- Então - ela começou. - Vocês não me responderam. Se conhecem?
- É, parece que sim - falei.
- De onde?
- Do Colégio - Leonardo respondeu, enquanto colocava sua máquina para encher.
- Ah - ela sabia que havia sido eu. Eu tinha certeza absoluta. A forma como ela me encarava era de quem conseguia ler os pensamentos das outras pessoas.
Tornei a jogar as roupas lá dentro e fechei a tampa. O processo todo demoraria quase uma hora e eu precisava sair dali.
- Então, já vou indo.
- Até mais, querida - ela disse com uma falsidade palpável na voz.
Passei por eles e senti alguém segurar meu braço. Virei. Leonardo estava atrás de mim. Olhei por cima do seu ombro e Lilá nos encarava.
- Encontrei isso dentro do livro que peguei emprestado - do bolso da calça, ele tirou um papel de ofício dobrado em quatro partes. - É um desenho muito bonito. Não sabia que você desenhava.
- Eu não desenho - peguei o papel e o desdobrei. Era o desenho de uma praia incrivelmente linda. No canto inferior havia uma assinatura da minha mãe.
- Então quem desenhou?
- Uma pessoa que não tem importância - estendi a mão com o desenho. - Pode ficar, se quiser.
Ele pegou e tornou a dobra-lo.
- É impressão minha ou você tem uma certa mágoa relacionada a esses livros?
Comprimi os lábios.
- É só impressão - menti descaradamente. - preciso ir agora.
- Até mais, Lia.
Não respondi. Sai da lavanderia com as mãos no bolso e entrei no carro.
Ainda no Brooklyn, estacionei o carro no Walmart e entrei no supermercado divinamente frio. Peguei uma cesta e caminhei até a sessão de beleza.
Agachada próximo aos esmaltes estava Iris. Minha amiga... Ou seria antiga amiga? Antes que eu pudesse me esconder, ela levantou a cabeça e riu.
- Lia!!!! Quanto tempo!! Esqueceu da sua amiga foi? - a verdade era que eu não gostava mais da Iris. Quer dizer, ela não gostava do Sammy pelo simples fato de que, quando ele assumiu ser gay, ela tinha uma queda (do tamanho do Grand Canyon) por ele. Então depois desse dia ela passou a espalhar boatos muito maldosos sobre ele.
- Oi Iris.
- O que tem feito? Seu cabelo está ótimo!! - ela se aproximou de mim e abriu a boca. - aí meu Deus, o que foi isso no seu rosto? - eu tinha tentando esconder o hematoma com um pouco de maquiagem, mas aquela garota reconhecia uma grossa camada de base de longe (do inferno, pra ser mais precisa).
- Nada demais, relaxa.
- Vai fazer alguma coisa amanhã à noite? - "Não sei, eu vou?" Queria dizer que sim e que tinha um maravilhoso encontro marcado, mas já não sabia se aquilo era verdade. Dei de ombros.
- Acho que não.
- Ótimo. Vou dar uma festa na minha casa amanhã à noite. Da uma passada lá.
- É, vou ver o que posso fazer.
- Até logo querida - ela se inclinou para a frente e beijou minhas bochechas. Parecia que tinha tomado banho em perfume de perua.
Balancei a cabeça e ela voltou para os seus esmaltes.
Eu definitivamente não iria àquela festa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro