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99 dias. Ela não se lembra

Meus olhos estão fechados, mas ouço tudo à minha volta. Na verdade, não há nada para ouvir, pois o silêncio prevalece no quarto de hospital.

Sei que estou no hospital porque rápidos flashes de memória vêm à minha mente, fazendo com que eu me lembro do maldito acidente que matou muita gente; ouvi os médicos conversarem noite passada. Eles pensavam que eu estivesse dormindo e, enquanto aplicavam os medicamentos no tubo do soro, conversavam discretamente sobre o acontecido.

- Já descobriram quem foi o causador de tudo isso? - perguntou um dos médicos.

- Não. Mas tudo indica que ele morreu junto com as outras vítimas.

- Doze pessoas, não foram?... Poxa vida, o que leva um ser humano fazer isso a pessoas indefesas?

- Eu também gostaria de saber, sabe... Mas, se serve de consolo, os que sobreviveram estão se recuperando muito bem.

- Até a garota com câncer?

- Inclusive ela - ao ouvir aquilo, sinto uma pontada de felicidade. A Tess não morreu. - e, pode parecer surpreendente, mas o câncer não evoluiu e nem se desestabilisou com isso. Quer dizer, ela ainda tem pouquíssimo tempo de vida, mas a explosão e a pancada não fizeram com que seus últimos dias fossem tomados dela.

- Só espero que seus últimos dias não seja aqui, nesse hospital.

- É.

Eles ficaram em silêncio e logo em seguida ouço a porta abrir e fechar com um estalo.

...

Crio coragem e abro os olhos. Agora o quarto está vazio e tranquilo e isso faz com que eu me sinta ainda mais solitário. Onde estão meus pais? Eles ainda não vieram me visitar desde que chegamos ao hospital.

Estou preso à vários tubinhos que eu não sei para que servem, mas sinto muita vontade de tira-los. Me ajeito na cama e sinto a cabeça doer como se uma bomba tivesse acabado de explodir lá dentro.

Levo a mão à cabeça e percebo que ela está enfaixada.

Escuto vozes do lado de fora do corredor e a porta abre; em seguida, meus pais entram.

Os olhos da minha mãe estão muito vermelhos e ela parece um pouco mais magra. Meu pai tira o chapéu que costuma usar e respira fundo antes de dizer:

- Você já sabe sobre o seu irmão, filho?

- O que aconteceu com ele? - pergunto preocupado, desejando que o George esteja no quarto ao lado do meu. Meu pai demora de responder e a minha mãe da um soluço esganiçado, o que me faz saber exatamente o que aconteceu. - Ele morreu pai? - meus olhos se enchem de lágrimas contra a minha vontade e eu baixo a cabeça, ignorando a dor terrível que ela leva ao meu corpo todo. - Por favor, pai, diz que ele não morreu.

Fecho os olhos e espero. Espero pela resposta do meu pai, rezando em silêncio para que ela seja a melhor possível.

- Ele morreu, filho - ouço ele dizer. Minha mãe soluça ainda mais alto e escuto a porta abrir e fechar com força. Estamos no silêncio agora. Controlo com todas as forças as lágrimas que se esforçam para descer. O meu irmão... O meu irmão morreu. Isso é tão difícil de admitir que eu preferiria admitir minha própria morte, se é que isso é possível. George... E aí eu lembro de algo que me deixa ainda mais triste.

- E a Susan? Ela está grávida, pai. O que vai acontecer com ela? Ela já sabe?

- Ainda não. Achamos melhor não conta-la sobre a morte do George por telefone. Há dois dias ela me ligou para saber dele e disse que tinha visto sobre o acidente pela TV... Eu disse que ele estava bem e...

- Vocês não podem mentir para ela! Não podem esconder que... o que aconteceu.

- Eu sei, eu sei, filho. Sua mãe ligou para a Susan ontem e disse que o George estava convidando-a para vir pra cá.

- Você estão mentindo... Usando o nome do George nisso.

- Sim, mas funcionou. Ela está vindo para cá e contaremos à ela o que realmente aconteceu.

- Tudo bem... - sinto uma pontada na cabeça. - talvez seja melhor assim.

- É.

Retornamos ao silêncio. Ainda estou de cabeça baixa quando meu pai senta-se na poltrona ao lado da cama.

Sabe, não me arrependo muito das coisas que fiz ou deixei de fazer com o meu irmão, porque sempre que estávamos juntos éramos ótimos amigos. Talvez os melhores, apesar da diferença de idade. E eu tenho certeza que, onde quer que ele esteja agora, não se arrepende também. Ele foi o melhor irmão que alguém poderia ter e, não sou muito de dizer esse tipo de coisas, mas eu o amo por isso.

A lágrima que lutava comigo finalmente vence e pinga dos meus olhos diretamente na roupa de hospital.

Levando a cabeça e vejo meu pai com as mãos no rosto respirando profundamente.

Sem pensar muito bem, tiro os fios que me prendem à essa cama e levanto com certa dificuldade; minha cabeça gira duas vezes e eu me apoio na cama.

Na ponta dos pés, me direciono à porta e abro. O corredor está vazio e eu aproveito a oportunidade.

Saio do quarto e olho para os dois lados. Onde poderá ser o quarto da Tess? Me pergunto, e recebo minha resposta segundos depois. Os pais da Tess estão saindo de um quarto à quatro portas de distância. Retorno o corpo depressa para dentro do quarto e espero um pouco. Ponho a cabeça para fora e vejo que eles sumiram.

Caminho rapidamente até a porta do quarto da Tess e, sem hesitar, a abro.

Ela está deitada na cama, o cenho frazido e os olhos fechados. Há vários cortes cicatrizados em seu rosto e braços. Entro e fecho a porta. Ela abre os olhos ao ouvir o estalido. Permanece de cenho franzido. Sorrio com algum esforço, apesar de ainda querer chorar e sofrer pela morte do meu irmão.

- Oi - digo, me aproximando dela.

- Quem é você? - ela pergunta, muita séria. Sinto um aperto no peito e meu sorriso murcha.

- Hã? Como assim, Tess? Eu sou o Charlie.

Ela levanta as sobrancelhas.

- Sinto muito, mas eu não lembro de você, Charlie...

Ela só pode estar brincando.

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