51 dias. 21 de Novembro de 1986.
Hoje eu acordei deprimido.
Sabe aquele dias que você abre os olhos e pensa: "o que é que vou fazer da minha vida?" pois é, estou pensando e repensando nisso agora mesmo.
Eu não sei qual o próximo passo dar e, muito menos, se devo dar um passo. Eu entrego jornais pela manhã e... Pronto. Tudo bem que agora eu tenho a Tess, mas, mesmo que seja terrivelmente doloroso de afirmar, ela não estará comigo para sempre.
Permaneço deitado na cama dura e ouço alguém bater na porta.
Com bastante esforço, levanto e abro a porta. Para a minha surpresa, vejo a minha mãe parada do lado de fora. Ela, como a mulher séria e formal que sempre foi comigo, o filho do meio, o preguiçoso e desinteressado, segura sua bolsinha vermelha combinando com o vestido e as unhas e pergunta se pode entrar.
Dou um passo para o lado, permitindo-lhe passagem, e ela entra toda pomposa.
Fecho a porta e a primeira pergunta que me vem à cabeça é:
- Como você sabia que eu estava aqui?
- A julgar pelo dinheiro que eu te dei, resolvi procurar pelo hotel mais barato da região.
- E como você sabia que eu não estaria com algum amigo?
Ela ri ironicamente e entorta o nariz ao olhar ao redor.
- Você não tem amigos - não tenho reação para essa resposta, por isso sento na cama e ela continua: - seu pai quis te denunciar pelo quê você fez. Ele disse que você precisa aprender a pagar pelos seus atos de moleque inconsequente.
- Obrigado pela sinceridade.
- São palavras dele, não minhas, mesmo que talvez eu concorde um pouco... Bom, eu o convenci a não fazer isso e deixar você com o carro.
- Hum... - balanço a cabeça. - e a Kim, como está?
- Se recuperando bastante bem, como era de se esperar. Mas eu não vim aqui para falar sobre isso.
- Então pra quê você veio?
- Você sabe que desde que eu e o seu pai estamos juntos, eu o convenci a fazer o jantar de ação de graças, e eu dou muita importância à ele. Por isso, vim te convidar.
- Eu não vou - respondo na mesma hora, sem nem parar pra pensar.
- Mas eu quero que você vá, Charlie - ela fala, a voz bastante firme. - seu pai já não está mais tão bravo com você, e a Kimmy vive perguntando quando você vai voltar para casa.
- Você pode, por favor, não chama-la assim? - Mike havia apelidado a Kim dessa forma, e ouvir outra pessoa dizer me incomoda.
- Seu pai realmente vai gostar se você for - ela fala, mentindo sem nenhuma vergonha.
- Vai sim, com toda certeza... Olha, porque ao invés de vir aqui só para tentar agrada-lo, você não dá um pé na bunda dele? Apesar de tudo, aquele cara não te merece.
- Infelizmente, não é assim que as coisas funcionam - ela senta-se ao meu lado. - Você não entenderia, de todo jeito.
- Você poderia ao menos tentar me explicar...
Ela respira fundo.
- Olha, Charlie, eu amo o seu pai, entende. Apesar de... tudo. Ele não faz porque quer.
- Ah, entendi. Então ele te agride há mais de dez anos sem querer.
- Me diz, qual é mesmo o nome daquela sua amiga? - ela muda de assunto.
- Tess.
- Você gosta dela?
Dou risada com a pergunta e percebo o quanto ela está por fora sobre as coisas que acontecem na minha vida.
- É, eu gosto sim. Gosto demais e não vamos falar sobre isso.
- Hum... Pode levá-la ao jantar, se quiser.
- Eu vou falar com ela.
- Agora é melhor eu ir... Preciso passar no mercado. Vejo você na quinta?
Eu considero o convite antes de responder. Minha mãe, durante toda a minha vida, raramente havia dado algum sinal de que fazia a mínima questão da minha presença, e o fato de que ela veio aqui, nesse quarto de hotel xelelento, para me fazer um convite, significava mais do que realmente deveria significar.
- É, acho que sim - respondo sem querer dar muita certeza. Ela parece levemente satisfeita consigo mesmo, abre a bolsa e tinha um pequeno rolo de dinheiro. - Não precisa, eu consegui um emprego que dá para pagar esse quarto.
- E como você está se alimentando?
Dou de ombros. Hoje eu ainda não comi absolutamente nada e, apesar de saber que ela não de importaria, me sinto envergonhado só de pensar na possibilidade de aparecer na casa da Tess para comer.
- Eu me viro.
Minha mãe entorta a boca e joga o rolinho em cima da cama.
- Nos vemos na quinta então.
Ela se inclina para a frente, parecendo que vai me dar um beijo, mas desiste, abre a porta e sai.
Menos de três minutos depois alguém torna a bater na porta. Me pergunto se não é novamente a minha mãe, mas quando abro a porta, vejo a Mary.
- Oi.
- O que você está fazendo aqui? - pergunto, não conseguindo esconder a surpresa.
- Eu... Podemos conversar?
- Olha, Mary, eu...
- Eu só quero conversar - ela me interrompe e eu a deixo entrar, com certa relutância. - Como você está?
- Mary, você não veio aqui pra me perguntar como eu estou. O que você quer?
- Quero ficar com você, Charlie - ainda parados em frente à porta, ela me puxa pela blusa e eu a empurro.
- Para com isso, Mary. Para. Eu não sei se você sabe, mas eu e a Tess estamos juntos.
- Ah, é claro que vocês estão. Aposto que correu para ela no mesmo segundo que terminamos.
- Com certeza foi o que eu fiz - digo com ironia, que ela claramente não percebe, pois faz uma cara de ofendida e arregala os olhos, sentando na cama.
- O que você viu nela, ein?
Sinto uma rajada de vento frio entrar no quarto pela porta aberta e digo:
- Eu a amo - enfio as mãos no bolso da calça e eu observo ficar vermelha de raiva. Eu e a Mary ficamos juntos por dois meses e eu nunca havia dito que a amava.
- Ama, eh?
- É, ele ama - me viro e vejo a Tess entrar no quarto.
- E como você pode ter tanta certeza disso, querida? Quem garante que daqui há um ou dois meses ele não vai trair você com uma qualquer?
- Ele não faria isso - ela diz, segura de si e, ignorando totalmente a presença da Mary, me abraça.
Mary da uma risada meio histérica e diz, levantando-se da cama:
- Sabe, eu ia te contar uma coisa, mas... agora acho que mudei de ideia - ela passa por nós sem olhar para trás. - Até mais, vocês dois.
Quando ela fecha a porta, Tess dá de ombros e pergunta se eu quero tomar um café.
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