44 dias. Jantar à três. (outra vez Tess narrando)
Depois da exaustiva noite em que eu quase não dormi, abro os olhos sentindo uma pontada de dor na perna. Mal eu me ajeito na cama e minha mãe já surge no quarto com meus remédios.
- Você vai encontrar o John hoje?
- Bom dia pra você também, mãe.
- Bom dia, querida. E então, vai encontrar o John hoje?
- Pra quê essa animação toda? Ele só vai ficar sete dias aqui.
- Quanto tempo que eu não via aquele garoto! - ela diz num tom meio sonhador. - só de pensar que eu o vi pequenininho, com aqueles cabelos loiros bagunçados correndo para lá e para cá com você...
- É, realmente foram bons tempos, que eu não lembro de quase nada mas, ainda assim, bons tempos...
- Estou muito feliz que vocês vão sair juntos hoje... E o Charlie, o que ele achou disso?
- Ele vai também.
- Vai? Por que, filha? Achei que hoje fosse ser apenas algo de vocês dois.
- Mãe, o Charlie é meu m... - dou uma tossida meio esquizofrênica pra disfarçar o que eu quase havia dito. - melhor amigo.
- Ah, entendi... O namorado ficou com ciúme, não é? - ela diz rindo.
- Mãe! Deixa de ser intrometida! - digo, rindo com ela. Hoje eu estou especialmente feliz.
[...]
A campainha toca e eu literalmente estou esperando do outro lado da porta. Abro e vejo o John, seus cabelos agora não carregam mais a quantidade absurda de gel, estão lisos e cheios de spray. Ele virou um daqueles garotos exageramente bonitos de capa de resposta.
- Está pronta?
- O Charlie ainda não chegou, mas vamos esperar aqui dentro, aí fora está um gelo.
- É - vamos para a sala e nos sentamos no sofá um de frente para o outro. - agora que estamos sozinhos... quer me contar porque você tá... casada?
- É uma longa, longa história. Do tipo que dura dias para terminar de ser contada.
Ele ri de um jeito diferente de como costumava rir, mas eu não dou muita atenção.
- Eu tenho mais seis dias aqui, se quiser contar...
- Agora não - respondo, procurando fugir do assunto. - mas... e a sua avó, como está?
- Na mesma...
- O que ela tem?
- Algum problema no fígado, eu acho.
- Ah.
- E por que você cortou o cabelo, ein? Eu gostava daquela bagunça ruiva que você costumava ter.
- É, eu também gostava, mas isso fica pra outra hora.
- Por que eu sinto que você está escondendo alguma coisa de mim?
- Porque eu realmente estou escondendo - digo, encarando seus olhos muito verdes.
- Senti saudades de ver esses seus olhos - ele fala baixo, quase sussurra. Eu não levo a sério, por isso dou um soco leve no braço dele.
A campainha toca.
- Vamos? - chamo. Ele balança a cabeça e levanta. - olá - digo ao abrir a porta e ver o Charlie do lado de fora, seus cabelos cacheados na mesma bagunça de sempre.
Seu olhar se demora no John, mas ele procura disfarçar e me dá um beijo na ponta do nariz; eu sinto um friozinho gostoso na barriga e não sei se é por causa do frio desgraçado que faz lá fora ou se é a presença dele aqui.
- Para onde você quer ir, Tess? - me pergunta o John.
- Hum... Podíamos e no município de Rusholme - Charlie responde antes de mim - lá tem uns restaurantes bem legais.
- Tess, o que você acha? Quer dizer, lá não é um bairro muito bom, né?
- Eu também quero ir lá - concordo com o Charlie.
- Ah, já que são dois contra um, vamos pra lá, então - diz John, claramente dando o braço a torcer.
- Você sabe que ele gosta de você, né? - pergunta Charlie assim que entramos no Ford e John vai para o próprio carro.
- Hã? Nada a ver! Eu e o John somos quase irmãos.
- Você vê ele assim, mas acho que ele não.
- Charlie, deixa de paranóia, ok? Eu não sei se você lembra, mas estamos acorrentados um ao outro até o fim da minha vida.
- Uau, você falando assim faz com que eu me sinta muito melhor.
Do lado de fora, John buzina e Charlie liga o carro, ao mesmo tempo que coloca o toca fitas pra tocar e The Smiths começa a tocar.
- Você não cansa de ouvir eles não? - pergunto e vejo ele me lançar um olhar atravessado.
- Vou fingir que não ouvi você fazer uma pergunta descabida dessas.
[...]
Chegamos ao restaurante escolhido e logo estamos sentados numa mesa ao lado da janela. Lá fora, na noite escura e fria, uma forte chuva desaba do céu.
- E então - John fecha o cardápio e o entrega ao garçom. - Estou curioso para saber a maravilhosa história de amor que resultou no casamento precoce de vocês! - ele diz numa empolgação bastante fingida, pois seus olhos não brilham como costumavam brilhar.
- Não tem nada para falar - digo, percebendo que o Charlie se sente bastante incomodado.
- Como não? Ah, qual é, Tess, somos melhor amigos, não somos?! O que tem de mais você me contar como conheceu... ele.
Charlie bebe um longo gole de água e diz:
- Vocês, eram melhor amigos, ok?
- Vocês se conhecem há quanto tempo?
- Isso não importa, John - respondo, o olhando fixamente. Percebo que, apesar de ainda ter os mesmos traços, ele já não é mais a mesma pessoa. Os Estados Unidos o transformou.
- Ah, me desculpe se eu demonstro interesse pelas relações da minha... antiga melhor amiga. Assim está melhor?
Embaixo da mesa, a perna do Charlie treme convulsivamente.
- Já que você quer tanto saber sobre isso, aqui vai uma informação: eu e a Tess nos casamos aqui.
- Aqui, onde?
- Em Rusholme.
Ao ouvir a resposta, John prende uma risada desnecessária e pede ao garçom uma taça de vinho.
- Vocês também querem?
- Não - Charlie responde por nós dois.
- O que foi, Tess, você não quer ou seu marido não deixa?
- Ah, vai se ferrar! - Charlie levanta bruscamente e eu me sobressalto. - vou ao banheiro.
Balanço a cabeça e ele sai.
Um silêncio constrangedor paira por nós por quase um minuto, quando John fala, os lábios meio sujos de vinho:
- Por que você cortou o cabelo, ein?
- Olha, quando você chegou aqui, eu pensei seriamente se deveria te contar, porque não queria te preocupar e tudo o mais, porque eu achei que você ainda fosse a mesma pessoa que eu costumava conhecer quando você foi embora, mas... O que aconteceu, John? Você nunca foi assim... Você nunca diria uma coisa dessas - o John me encara com os olhos frios e diz:
- Eu mudei, Tess. Qual o problema disso? As pessoas mudam, certo? Você também mudou.
- Mudei? - ele balança a cabeça.
- É, mudou. A Tess que eu conhecia nunca teria casado com alguém que mal conhece. A Tess que eu costumava brincar era divertida e muitíssimo engraçada. A minha Tess nunca teria cortado o cabelo desse jeito!
Em cima da mesa, minhas mãos se fecham em punho.
- Eu não sou, nunca fui e jamais serei sua Tess. E se você quer saber, John, eu mudei porque precisei mudar. Eu mudei porque a vida me obrigou a mudar! Eu queria muito poder ter escolhido as minhas mudanças nesses últimos anos, mas Deus infelizmente tirou meu livre arbítrio com relação a isso, ok?
- Eu não estou entendendo...
- É claro que você não está, John. Sabe porque? Por que você me deixou. Me deixou como todas as outras pessoas fizeram... Agora eu finalmente encontrei uma pessoa que não fará isso comigo.
- Como você pode ter tanta certeza? - ele pergunta, tomando o último gole de vinho.
- Porque sou eu quem vou deixá-lo. Dessa vez, eu serei a pessoa que vai abandonar.
- Hã?
- Você lembra que você prometeu me ligar, John? Lembra que prometeu que continuariamos sendo amigos para toda a eternidade? - ele não responde, apenas me encara. - Eu acreditei. Nos primeiros meses, quando você não ligou, eu achei que alguma coisa tivesse acontecido... Os meses foram passando e você simplesmente sumiu da minha vida. Eu gostaria de ter me preocupado mais com isso, mas um ano depois... exatamente um ano depois da sua partida, eu descobri que estava com câncer - Ao ouvir a última palavra, ele arqueia as sobrancelhas, mas os olhos ainda são as mesmas bolas frias e cinzentas.
- Câncer? Você teve... câncer?
- Não, eu não tive. Eu tenho, câncer. E agora tudo o que eu tenho são mais um ou dois meses, e aquele garoto ali - aponto com a cabeça para o Charlie, que vem na direção da nossa mesa.
- Eu não sabia, Tess... Sinto muito - ele estica a mão para tocar na minha, mas eu recuo ao mesmo tempo.
- É claro que você não sabia, como poderia?
- Perdi alguma coisa? - Charlie senta-se ao meu lado outra vez e segura a minha mão.
- Ele sabe? - John pergunta como se Charlie ainda estivesse no banheiro?
- É claro que ele sabe.
- Hã? Eu sei o que?
- Do meu pequeno probleminha.
- Ah... você contou para ele?
- É, contei.
Charlie balança a cabeça e antes que ele pudesse dizer alguma coisa, nosso jantar chega.
O resto da noite, por incrível que pareça, é bastante agradável, apesar do John e do Charlie não terem trocado um palavra; ainda é meio desconfortável conversar com o John, pois eu não gosto da pessoa que ele se transformou (não estou dizendo que ele seja uma pessoa ruim, eu só não estou acostumada com esse jeito dele). Quando o jantar chega ao fim, pagamos a conta e saímos para a noite cujo céu, agora nublado, escure ainda mais a rua.
- Foi muito bom te rever - John diz, me abraçando bastante apertado. - espero que a gente se veja mais antes que eu vá pra casa.
- É, eu também.
Nos afastamos e ele e o Charlie param um de frente pro outro, ambos sérios.
- Hum... Fico feliz que a Tess esteja com alguém que realmente goste.
- Eu também - Charlie responde com certa frieza, mas tentando ser legal.
- Bom, então nos vemos por aí.
- Eu espero que não - Charlie abre a porta do carro e entra como se não tivesse dito nada demais. Eu dou de ombros para o John e faço o mesmo.
Oioi pessoal! Então, eu não sei se vocês perceberam, mas eu, com toda a minha astúcia e nenhuma lerdeza, fiz dois capítulos seguidos da Tess. Essa não era a minha intenção, e eu assumo que me atrapalhei. Enfim, espero que estejam gostando...
GENTEEEEEE DESCULPEEEEM PELA DEMORAAAAA. FIQUEI SEM CELULAR A SEMANA PASSADA TO-DI-NHAA. MAS AGORA TÔ DE VOLTA 💙💙💙💙
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