42 dias. Dois dias sem ela.
Desde que eu cheguei aqui, tudo o que fiz foi ouvir a minha mãe chorar e chorar também. Quer dizer, eu nunca fui do tipo que chorar pelos cantos feito uma Margarida desconsolada, mas eu simplesmente não consegui deixar de evitar que toda a dor que eu sinto por não poder falar com ela saia em forma de água salgada dos meus olhos.
Ontem eu estava decidido em sair para ligar pra ela (a linha telefônica da Susan foi desativada), mas uma nevasca totalmente inesperada atingiu Londres e ficamos presos em casa.
Mas hoje a neve diminuiu bastante e estou disposto a ir lá fora.
Calço as botas e vou para a porta, quando sou parado pela minha mãe que pergunta para onde estou indo.
- Como se já não bastante o fato de você ter me arrastado pra cá, ainda quer me manter preso aqui?
Ela não responde e eu saio, batendo a porta com bastante força.
Saio do prédio em que a Susan mora e quase congelo com todo esse frio.
Enfio as mãos nos bolsos e caminho pela neve branquinha sob meus pés.
Chego à primeira cabine telefônica e insiro as fichas; disco o número da casa da Tess e espero. Chama, chama, chama, mas ninguém atende. Tento mais um vez, e outra e outra. Desligo.
Agora, além da saudade e da raiva, sinto a preocupação se misturar à esses dois sentimentos.
Saio da cabine de volta para o frio e vou caminhando pela rua, sem nenhuma vontade de voltar pra casa.
Por conta da neve repentina, o trânsito está um caos e os motoristas buzinam acaloradamente a todo momento.
Com meus ossos quase congelando, eu entro no primeiro café que vejo e sento numa cadeira alta em frente ao balcão.
- Um cappuccino, por favor - peço à balconista.
- Está triste? - ela me pergunta ao colocar o copo com o café fumegante na minha frente.
- Não... Ai! - respondo, dando um gole e queimando a língua. - Não estou triste.
- Tem certeza? - ela quer saber, servindo um cliente ao meu lado. - Não é o que essas sobrancelhas franzidas dizem.
- Aqui tem algum telefone? - pergunto, totalmente alheio ao que ela acaba de falar.
- Tem - ela responde, pegando o telefone em um dos compartimentos do outro lado do balcão.
Torno a discar o número da casa a Tess e ouço chamar, chamar e...
- Alô? - meu coração pára. É a Joanne.
- Joanne, cadê a Tess? Eu preciso falar com ela. Preciso falar com ela agora.
- Charlie...
- Cadê a Tess?
- Charlie, a Tess está no hospital.
- O que? Como assim? O que aconteceu?
- Ela.. Ela não se sentiu bem. Não conseguia respirar direito e o John a levou para o hospital.
- O John... Joanne, quando você for vê- la, você pode dizer que eu estou em Londres?
- Em Londres, Charlie? O que você foi fazer aí?
- É uma longa e maldita história. Eu só... só quero que você diga isso à ela. Quando irá vê-la?
- Acho que à noite.
- Certo. Eu estou num café e vou ficar aqui até a noite, então. Vou te passar o número e quando você chegar no hospital você pede para a Tess me ligar, certo? Por favor Joanne... Eu preciso falar com a Tess.
- Tudo bem, querido, eu entendi. Eu vou dizer, não se preocupe.
Eu peço à antendente para me dizer o número e eu repasso ele à Joanne.
Quando ela desliga, a atendente, que se chama Hannah, se debruça no balcão e diz:
- Tem certeza que não está triste?
- Não quero falar sobre isso - tomo mais um gole do café.
- Precisamos conversar, já que você vai ficar aqui até de noite, né?
- Não precisamos, não.
Ela ri e balança a cabeça.
- Tudo bem então, zangado.
Ela da as costas para preparar mais um café, seus longos cabelos loiros balançando num rabo de cavalo. Ela é bonita, mas não tanto quanto a Tess.
As horas passam. Passam muito devagar e quase imperceptivelmente, mas passam.
O café enche, esvazia e torna a encher. Eu espero.
Me transfiro para uma mesa bastante afastada e como uma rosquinha observando a neve lenta que cai lá fora. Eu espero.
Minha cabeça gira, meus pensamentos se batem e eu não sei o que estou sentindo; talvez eu não esteja sentindo nada, ou talvez sentir tudo ao mesmo tempo faça com que eu me sinta desse jeito.
Eu ainda espero.
Finalmente anoitece e eu não sei que horas são, pois passei os últimos minutos cochilando com a cabeça balançando molemente em cima do pescoço.
- Você não cansa de esperar, né zangado? - me sobressalto quando Hannah se joga no assento à minha frente. - deixa eu advinhar: sua namorada te deu um fora?
- Errou - respondo, passando as mãos no rosto. - Você pode me trazer mais um café?
- Você não está mesmo afim de papo, né?
- É, não estou... Mas eu não sou assim no dia dia, sabe. Você só não me pegou num bom dia.
- Ah, tudo bem. Se tudo der certo um dia eu te pego - ela diz e levanta.
O telefone começa a tocar e eu praticamente corro na direção do balcão. Outro funcionário do café atende e, sem me importar, eu tiro o telefone dele.
- Tess? - atendo, não conseguindo esconder o desespero na voz.
- Charlie? - ela diz do outro lado, quase chorando.
Eu não me lembro de ter sentido algo como o que estou sentido agora.
- Ah meu Deus, meu amor, como você está? - é a primeira coisa que pergunto.
- Vou ficar bem... Como você foi parar ai, Charlie?
Com alguma dificuldade, eu conto à ela o motivo de eu ter vindo parar aqui e finalizo com:
- Eu tentei não vir pra cá, sabe, mas... a Susan contou pra ela o que eu estava planejando e...
- Tá, Charlie, tudo bem, relaxa. Vamos pensar em alguma coisa ok?
- Pensar no quê, Tess?
- Eu ainda não sei, mas... - Ela para e Eu ouço sua respiração. - Vamos pensar, ok?
- Você não acha que seja melhor desligar, querida? - é o John. Ele está chamando ela de querida... Como assim?
- O que ele está fazendo aí com você?
- Ele veio me visitar... Eu estou com saudades - fala. - Estou com saudades de você, Charlie. John, você pode me dar licença um instante? - tudo fica em silêncio por alguns segundos e então a Tess volta a falar: - Eu vou prai. É, eu sei que você deve estar achando isso maluquice, mas eu não quero saber, Charlie. Quando a minha mãe me contou que você está em Londres, foi a única coisa que eu consegui pensar.
- Não, Tess, não faz sentido você vir pra cá. Eu acho que consigo fugir daqui.
- Mas e a sua mãe? E você tem dinheiro?
- É claro que ela não vai querer que eu vá, mas... Eu posso dar um jeito. E eu tenho um pouco de dinheiro... Eu estou com tanta vontade de te ver, de te abraçar.
- Nós vamos. Vamos fazer tudo isso logo logo, eu prometo. A enfermeira acabou de entrar aqui e eu vou precisar desligar, tá? Depois nos falamos.
- Eu... Eu vou estar aqui amanhã, pode me ligar a qualquer momento. Eu te amo, Tess.
- Eu... eu... amo... - a voz dela vai ficando fraca até desaparecer.
- Sinto muito, mas Eu vou precisar desligar, senhor - É a voz de uma mulher que eu não conheço.
- O que aconteceu?
Mas eu não recebo resposta e a ligação cai.
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