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112 dias. Baile de Boas vindas

Meu pai está trabalhando, minha mãe faz alguma coisa no quarto e eu estou deitada no sofá de barriga para cima, assistindo a vigésima terceira temporada de Doctor Who. Depois de uma semana toda com as pernas doendo, a dor finalmente parece querer me dar um desconto e foi-se embora.

  Minhas mãos estão em cima do meu abdômen e minha cabeça virada para o lado, encarando a TV; sem nenhum esforço para tentar encontrá-lo, sinto o nódulo saliente dentro da minha barriga. Somos quase amigos, o nódulo e eu. Convivo com ele há mais ou menos cinco anos, quando descobri que tenho Neuroblastoma. Você deve estar se perguntando que diabos é isso. Bom, Neuroblastoma é um câncer muito comum nas crianças mais jovens e eu, como está muito claro, fui a "sortuda" que o descobriu aos doze anos. Na verdade, é um milagre que eu ainda esteja viva. Um milagre que não vai durar por muito tempo, já que meu amigo, o nódulo, resolveu dar uma festa e se espalhar dentro de mim.

E é por isso que, há alguns meses, eu desisti de tentar.

- Filha? - vejo minha mãe descendo as escadas e sento no sofá para observa-la melhor. - Olha o que eu arrumei para você - ela diz, estende os braços e me mostra um vestido branco muito bonito.

- Para quê é isso? - pergunto.

- Como "para quê"? Hoje tem o baile, querida.

- Ah, o baile. Eu não vou - respondo e, involuntariamente me lembro de Charlie. Não que eu pense nele ou algo assim.

- Por que não, querida? Achei que você quisesse viver a maravilhosa experiência do colegial antes de... - ela para a frase no meio do caminho. Tenta disfarçar com uma tosse, mas eu sei muito bem do que ela está falando.

- Antes que eu morra? - na mesma hora os olhos dela se enchem de lágrimas. Forço um sorriso. Odeio vê-la assim por minha culpa, mas é algo que eu simplesmente não posso evitar. - mãe, está tudo bem.

- Não filha, não está tudo bem - ela desaba no sofá ao meu lado. Me aproximo dela e toco seu rosto coberto de sardas.

- Podemos simplesmente não pensar nisso? - pego o vestido branco em seu colo e por algum me vejo vestida nele no dia do meu casamento... Eu sei que nunca me casarei e saber isso aumenta a minha agonia de ainda estar viva. - olha, eu prometo que uso ele numa outra ocasião - digo tentando manter o controle da situação; minha mãe seca as lágrimas que escorrem desordenadas pelo seu rosto. - para de chorar, mãe. Por favor.

- Eu vou parar, querida. Prometo que paro - ela se levanta e sai. Ainda seguro o vestido quando levanto do sofá e subo até o meu quarto.

Parada na frente do espelho, me observo segurar o vestido em frente ao meu corpo; ele combina perfeitamente comigo, o que é quase um milagre, já que eu estou quase sempre pálida ou magra demais para uma roupa.

- Eu não vou usar isso - digo, jogando ele em cima da minha cama e saindo do quarto.

[...]

Não me ache bipolar ou coisa parecida, mas agora, nesse exato momento, estou me vestindo para o baile. E o único motivo pelo qual estou fazendo isso começa com a letra C... Isso mesmo, câncer. Se você pensou em Charlie... Ah, você não pensou nele? Hum... Mas eu também não pensei nele. Quer dizer... Certo. Voltando.

Depois de vestir o vestido branco que a minha mãe havia me dado, calcei meus All Stars azuis e vejo que eles combinam muito. Bom, pelo menos na minha cabeça.

Desço a escada e encontro meus pais assistindo TV na sala.
São seis e meia e o baile começa às sete.

- Oi - digo e ele desviam o olhar da TV para mim, assustadoramente sorridentes.

- Filha você está linda! - diz minha mãe, levantando-se para vir me abraçar juntamente com meu pai.

- Muito linda mesmo, filha - diz meu pai. - pronta para ir?

Balanço a cabeça, confiante.

Nos despedimos da minha mãe e saímos de casa. Está um pouco frio, pois já havia anoitecido e eu até considero pegar um casaco, mas por alguma razão desconhecida, desisto.

Entramos no carro e logo estamos a caminho do meu Colégio.

- Venho te buscar às dez, está bem? - ele pergunta enquanto para o carro no estacionamento.

- Certo - tiro o cinto e abro a porta. Sinto uma mão grande e áspera em volta do meu braço.

- Filha - viro para ele, que sorri. - divirta-se.

- Pode deixar.

Eu não sou nenhuma expert em diversão, mas isso pelo que estou passando com certeza não é nem um pouco divertido.

Estou há quase meia hora de pé encostada na parede ao lado da mesa de bebidas, bem embaixo de uma faixa branca e azul que diz: SEJAM BEM-VINDOS AO MCGREGOR.

Tudo é entediante.

A música é chata, as pessoas são metidas e chatas e até eu estou me achando um tanto chata esta noite.

Observo que a quadra nem está tão cheia quanto eu achei que estaria, quando uma horda de gente exageradamente bem vestida começa a entrar pela porta dupla.

Os observo entrar e varrer a quadra com os olhos a procura de amigos ou pares... E aí eu o vejo.

Ele está com as mãos sob os ombros de uma garota bem mais nova; seus cabelos exageradamente cacheados estão presos num coque e ele usa as costumeiras botas coturnos, a jaqueta preta e a calça jeans meio apertada.

Como se soubesse exatamente onde me encontrar, ele olha diretamente para mim e sorri.

*Link da música This Charming Man para quem quiser:
https://youtu.be/cJRP3LRcUFg *

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