106 dias. 26 de Setembro de 1986
Há três dias eu não via a Tess; terminei o namoro que mal tinha começado com a Mary, e eu não sei o que aconteceu, mas não tive coragem de ir falar com ela. Até hoje.
Quando fui levar a Kim ao Colégio, criei coragem por quase quinze minutos dentro do carro para ir falar com ela. Parecia até que eu estava prestes a me casar.
Eu fui. Conversamos normalmente. Chamei ela para ver um filme comigo e... Ela diz que quer reassistir O Iluminado. Isso é mais do que eu poderia esperar de uma garota.
Agora eu e o Mike (que matou aula) estamos dentro do meu carro, fumando e conversando sobre a mais nova namorada dele.
- Ela é muito legal. Você vai gostar dela - ele diz e da uma tragada no cigarro.
- Que ótimo, espero que essa dure pra valer.
- É, cara, eu acho que ela vai durar sim... Tá sabendo do show do The Smiths que vai ter aqui em outubro?
- Sério?
- É, mas parece que é só pra quem tem vinte e um, sei lá.
- Ah.
- Mas eu conheço um cara - ele diz e ri.
Eu também dou risada porque sei exatamente do que ele está falando... E também porque a maconha começa a fazer efeito em mim.
[...]
A vejo atravessar com pressa o estacionamento; ela abre a porta do carro e senta ao meu lado.
- Vamos? - diz, seus olhos de cores desiguais virando-se para mim.
- Vamos - ligo o carro.
- Que cheiro é esse? - ela fareja o ar.
- Você não vai querer saber, acredite.
Ela ri.
- Mas e aí, me diz, por que você terminou com a Mary? - ela quer saber. Não sei o que dizer, afinal, ela foi um dos maiores motivos por eu ter feito o que fiz, mas não faz sentido dizer à ela isso.
- Eu... Quer dizer, a gente não dá certo juntos.
- Essa não é uma boa explicação - ela diz, ligando o rádio.
- Você já namorou?
- Não.
- Então você não pode dizer se essa é uma boa explicação.
Ela ri e aumenta o volume do áudio.
Está tocando uma daquelas músicas que eu odeio da Cindy Lauper. Mas, aparentemente, a Tess adora, porque começa a cantar a plenos pulmões para quem quer que queira ouvir.
- I come home in the morning light, my mother says when you're gonna live your life right. Oh mother dear we're not the fortunate ones! AND GIRLS JUST WANNA HAVE FUN... OH GIRLS JUST WANNA HAVE FUUUN.
- Essa música é horrível - grito por cima da música. Ela finge não ouvir e faz movimentos ondulantes com os braços.
Tess continua cantando e eu paro o carro no sinal vermelho; viro-me para ela e a observo cantar, os olhos fechados, uma veia do pescoço dilatada por causa dos gritos que ela dá, e um maravilhoso sorriso nos lábios.
Pouco antes do refrão, ela me cutuca e balança a cabeça, querendo que eu cante junto com ela.
- THAT'S ALL THEY REALLY WANT, SOME FUUUN - nós dois gritamos. Os carros atrás de nós começam a buzinar loucamente para que eu volte a dirigir. Tess pega a minha mão fechada e de repente a transforma num microfone. - WHEN THE WORKING DAY IS DONE OH GIRLS... THEY WANNA HANE FUN. OOH GIRLS JUST WANNA HAVE FUN... - ela abaixa o volume e começa a rir. Lembro que preciso ligar o carro antes que algum maluco me acerte com uma pedra e viro a primeira à direita.
- Não sabia que você gosta dela.
- Eu não gosto dela... E você não sabe muita coisa sobre mim.
- Tem razão... Como conhece essa música?
- Minha mãe me obrigou a ouvir ela por uma semana quando achamos que meu câncer teria cura - ela diz e vejo que seu sorriso vai morrendo aos poucos. - isso foi semanas que eu desistisse de fazer a quimioterapia.
- Ah... E como você faz pra não passar mal toda hora, já que desistiu de fazer o tratamento?
- O médico me passou uns remédios e eles meio que garantem que eu não sofrer muito até... bom, você sabe.
Até o dia da sua morte, é o que eu penso.
- Isso é ótimo.
- Ótimo? Por que?
- Significa que poderemos fazer muitas coisas sem que eu tenha de ficar carregando você para todos os lados.
- Uau, isso realmente deve ser ótimo.
- Mas não que eu vá me importar se algum dia eu precisar fazer isso - digo, parando o carro em frente à casa dela.
- Isso foi morbidamente meigo, obrigada.
- Não tem de quê.
Saímos do carro e ela passa na minha frente em direção à sua casa azul de dois andares.
Tess abre a porta e somos recebidos pela mãe dela, gritando meio desesperada.
- Onde você estava? Eu fui te buscar e você não estava lá e ninguém sabia me dizer onde você tinha se metido e... ONDE VOCÊ ESTAVA?... Ah, oi Charlie, querido.
- Olá Joanne.
- O Charlie foi me buscar, mãe. Está tudo bem.
- Ah, ele foi te buscar... Certo, menos mal - ela parece bem mais aliviada. Da um beijo na testa da filha, sorri e diz:
- Eu e o seu pai vamos sair para jantar mais tarde. Tem comida na geladeira e seus remédios já estão separados em cima da sua cama. Qualquer coisa estarei no quarto me preparando! - ela diz com grande excitação, subindo as escadas.
- O que é que...?
- Eles estão completando vinte anos hoje.
- Ah... Que incrível! Feliz aniversário, Joanne - grito.
- Obrigada, Charlie! - ela responde do andar de cima.
Tess respira fundo e tira os tênis. Tiro minhas botas pretas e a acompanho para a sala, onde sentamos no carpete em frente à televisão e ela prepara a fita.
- Eu nem perguntei se você gosta d'O Iluminado - ela pergunta.
- Se eu gosto desse filme? Ah, qual é, eu poderia te dizer todas as falas de trás para frente.
Ela ri.
- Sem chance.
- Se eu fosse você, não duvidaria das minhas habilidades super secretas.
- Ah, me perdoe.
- Dessa vez eu deixo passar.
- Quer pipoca?
Balanço a cabeça e ela se levanta e some de vista.
Três minutos depois ela volta com um balde de pipoca, ao mesmo tempo que uma forte chuva começa a cair lá fora.
Oi gente, espero que estejam gostando da história. Comentem o que acharam, pois a opinião de vocês sempre conta bastante. Obrigada sempre ⚡💙
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