104 dias. George
Eu e a Tess não nos vemos há dois dias. E eu também não quis ir na casa dela (não tenho o número do seu telefone) para não parecer que a estou perseguindo.
Depois de levar a Kim ao Colégio, volto para casa e encontro meu irmão me esperando na entrada da garagem.
Faz bastante tempo que não nos vemos; agora ele está morando em Londres com a esposa e vem nos visitar de vez em nunca.
- Está fazendo o que aqui? - pergunto, saindo do carro.
- É muito bom te ver também, irmãozinho - ele diz, abrindo os braços. Nos abraçamos e ele responde à minha pergunta. - tenho uma reunião amanhã aqui e resolvi visitar a família.
- Ótimo. E como está a Susan?
- Bem... Eu tenho uma notícia para dar a vocês, mas vamos esperar o jantar. Cadê o papai e a mamãe?
- Papai deve estar trabalhando e mamãe está lá dentro. Por que você ainda não entrou?
- Acabei de chegar. Ia entrando quando vi o famoso Ford Anglia do papai virar a esquina.
- Ah... É, ele me deu ano passado.
- O dinheiro está dando para as despesas?
- Está sim, obrigado - agradeço à ele, que todo mês me manda uma boa quantia de libras. - Vamos entrar.
George pega sua mala e vai em direção à porta. Tiro a chave do bolso e entramos.
- Mãe? - ele chama, indo direto à cozinha. Nossa mãe passa a maior parte do tempo lá. Ela está sentada, lendo revista enquanto alguma coisa ferve no fogão.
- George! - exclama, levantando num pulo, os braços abertos. - Que bom que você está aqui! Veio para quê? Vai ficar quanto tempo? E a Susan, como ela está? Por que não veio com você?
- Calma, mãe. Eu volto para Londres amanhã. Vou passar uma noite aqui, apenas.
- Ah, que pena! Mas é melhor que nada. Vou preparar sua comida favorita para o jantar! Venha, vamos, a viajem deve ter sido cansativa, venha comer!
Eu permaneço parado à porta, como se fosse invisível ou não tivesse importante.
Penso em dizer que estou de saída, mas desisto. Giro os calcanhares e saio da cozinha, vou em direção à porta e, ao abri-la, me deparo com algo que eu não esperava que acontecesse nem em um milhão de anos.
Tess está parada na varanda, o punho fechado a poucos centímetros de bater na porta.
- O que você está fazendo aqui? - pergunto outra vez.
Ela sorri.
- Depois de passar dois dias inteirinhos no hospital, resolvi me dar uma folga.
- Como assim, no hospital? O que aconteceu?
- Não me senti bem, e você sabe como a minha mãe é. Achou melhor me levar ao médico e ver se a minha hora não tinha chegado mais cedo.
- Ah. Você está melhor agora?
- Você acha que se eu não estivesse teria pegado um ônibus até aqui?
Balanço a cabeça.
- É, acho que não... Mas como você descobriu onde eu moro?
- Perguntei à sua irmã.
- Ah. Uau. Que legal.
- Calma Charlie, eu só vim te visitar e não anunciar que você ganhou uma viagem para Nova York.
- Eu gostaria de ir à Nova York - digo.
- Vou anotar isso à minha lista de informações importantes... Vamos passar a manhã toda aqui, ou você vai me convidar para entrar?
- Vamos dar uma volta - descemos os degraus da varanda e entramos no carro. - para onde você quer ir? - pergunto e ela dá de ombros. Também não faço ideia de onde poderíamos ir.
A porta da minha casa abre e Tess pergunta:
- Quem é ele?
- Charlie! - George chama. - o que você está fazendo aí? Vem aqui. Quero te fazer uma pergunta e... Quem é a sua amiga?
- Ele é meu irmão, o George. Vem, vamos entrar.
- Hum... Eu não tenho certeza se...
- Relaxa, eu não vou te apresentar como minha futura esposa.
Ela ri e dá de ombros. Saímos do carro e meu irmão estende o braço para cumprimenta-la.
- Sou a Tess, muito prazer - eles dão as mãos.
- George. - meu irmão vira para mim. - Você não me disse que está namorado.
- O quê?! - eu e Tess dizemos ao mesmo tempo, um tanto desconcertados. - não, nós não estamos namorando - digo.
- É, nós com certeza não estamos namorando.
- Tudo bem, pessoal, eu já entendi. Vocês não estão namorando - George olha para o céu. - Vamos entrar. Vai chover daqui a pouco.
- Parece que daqui pra frente vai chover bastante - digo.
- É.
Entramos em casa e a minha mãe ainda está na cozinha, mas agora ela cantarola alegremente.
George senta-se no sofá e eu indico a poltrona do meu pai para que a Tess sente.
- Quer alguma coisa para beber? - ofereço, mas ela nega com a cabeça e senta.
Sento na poltrona ao lado e olho para meu irmão.
- Então... Vai contar agora sobre a grande notícia?
- Não, não. A grande e esperada notícia vocês saberão mais tarde. Agora eu quero falar diretamente com você... Na verdade, quero te fazer um convite. De irmão para irmão.
- Que seria...? - inclino a cabeça para a frente e enfio as mãos nos bolsos da minha calça.
- Quer passar uns dias comigo em Londres?
Arregalo os olhos e viro para a Tess, que sorri. Quero ir para Londres desde que eu tinha 13 anos, quando meu irmão se mudou para lá, há cinco anos.
- É sério? É claro que eu quero! Quando?
George ri.
- Amanhã mesmo quando a minha reunião acabar. Semana que vem eu volto para Manchester e você pode voltar comigo.
- Nossa, George! Obrigado, cara. Sério mesmo.
Me aproximo dele e o puxo para um abraço. Eu não sou muito chegado a abraços, mas essa é uma grande exceção. Eu finalmente poderei realizar um sonho.
- Que bom que você gostou, irmãozinho. Nas férias eu levo a Kim. Agora eu vou no centro encontrar o papai. Até mais, vocês dois.
Quando o George sai, a Tess levanta.
- Parabéns, sortudo.
E aí eu lembro que precisarei deixá-la, mesmo que por alguns dias.
- Hum... Mas e você?
- Acho que consigo sobreviver sem você por alguns dias.
- É, mas não sei se eu consigo - digo sem pensar. Ela levanta as sobrancelhas, mas não sorri.
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