Capítulo 5
Após a refeição cavalgamos por um tempo considerável e já era noite quando chegamos a uma cabana, localizada entre árvores de troncos largos e compridos e em um campo afastado. Não fazia parte de nenhum vilarejo específico de Flós.
Era uma construção pequena, feita de grandes pedras e também de madeira e palha. Do lado de fora, muitos vasos com vários tipos de plantas ornamentavam a entrada, além de alguns totens esculpidos em troncos de árvores, que carregavam o formato de animais. Já a iluminação era por conta de tochas acesas e colocadas em diferentes cantos da casa.
— Qual o nome dela? — perguntei para a Mica.
— Záia.
Assenti e chamei alto por duas vezes o nome da mulher que, segundo Mica ouviu, era a bruxa mais poderosa que Flós já viu, mas se mantinha afastada, porque os reinos só permitiam magos.
Poucos segundos depois ao meu chamado, a porta da frente rangeu ao ser movimentada. Senti um arrepio tomar meu corpo e observei, quando uma mulher usando uma capa, com um capuz sobre a cabeça apareceu na frente da cabana.
Usava um vestido na cor vinho um tanto surrado e lateral ao seu corpo uma grande trança castanha, quase loira, caía por seu ombro.
Ainda observava seus trajes quando meus olhos foram imediatamente capturados para cima, ao notar o movimento da mulher tirando o capuz e em seguida lhe ouvi perguntar:
— Quem me procura? — Observei seu rosto na claridade feita pelas tochas e fui surpreendida ao ver que era muito bonita e uma jovem mulher, bem diferente do que imaginei.
Levava em seu rosto um dos olhos na cor verde e o outro azul, ambos faziam uma combinação perfeita com seus lábios carnudos e rosados, em meio a sua pele tão pálida que parecia brilhar na escuridão da noite.
Além de Mica que seria para sempre meu braço direito, junto comigo também estavam Valery, Iran e mais dois guardas.
— Eu procuro. Sou Vida, a rainha de Flós. — Foi então que seu olhar se acendeu e Záia deu um sorriso.
— Majestade. — Fez uma reverência, depois me encarou. — A pela escura e bela como a noite e os olhos claros como a luz do sol. — Admirou meu rosto. — Eu sabia que viria me procurar.
— Sabia?
— Entrem. — Sem me responder ela virou-se, entrou na cabana e deixou a porta aberta para que a seguíssemos.
Não esperei a opinião dos meus aliados e caminhei casa adentro atrás da mulher, sendo seguida por Mica, Iran e Valery, já os dois guardas ficaram do lado de fora da cabana, de olho em cada barulho ou movimento que pudesse surgir enquanto estivéssemos conversando.
Tudo era muito incerto, nada do que acreditavam antes da minha chegada podia mais ser relevado depois de o povo de Trigo voltar para as cinzas, então, não podíamos arriscar.
Já dentro da cabana varri todo o ambiente com meus olhos e era tudo simples e impecavelmente limpo, todos os móveis eram feitos em madeira, o espaço era iluminado por alguns candelabros com três braços e onde em cada braço pousava uma vela. No seu armário havia diversos vidros com o que pareciam ervas, raízes e pequenos bichos.
— Sentem-se — falou Záia.
Sentei-me no banco de madeira abaixo da mesa e Mica sentou-se ao meu lado, ao contrário de Iran e Valery que ficaram de pé observando cada movimento dela. — Aceitam um vinho ou um chá?
— Não, obrigada — agradeci e todos recusaram também.
Záia balançou a cabeça em positivo ao mesmo tempo que me encarava com um sorriso faceiro nos lábios, que me deixou sem jeito.
— Você é realmente bonita, Rainha. Parece uma pintura — ela falava tudo com calma e me analisava.
— Obrigada — agradeci e senti minhas bochechas quentes.
— Acho que sua beleza e seu jeito de ser, será capaz de mudar muitas coisas por aqui. — Záia olhou séria para alguém atrás de mim, bem para o lado onde Iran encontrava-se.
— Espero que minha coragem se sobreponha a beleza que você diz que tenho.
Assentiu e pareceu satisfeita com minha fala, depois mudou de assunto:
— Não imaginei que viessem tão depressa até mim. Você sabia que Flós é um excelente reino, mas as mulheres não são muito valorizadas por aqui? — Ergueu os braços como se falasse dela mesma.
— Percebi. — Ela sorriu e eu tive vontade de revirar os olhos ao me lembrar de como quase tive que enfiar a espada em um para ser ouvida.
— Bom, a contar pela presença de vocês em minha casa, creio que os problemas já começaram e vai ser preciso mais do que só o seu retorno em Flós para quebrar a maldição, não é isso? — falou, cruzando os braços apoiados na mesa.
— Como sabe?
— Há coisas que a natureza me conta, muitas eu sinto, outras eu vejo, algumas eu sonho e poucas eu sei com exatidão, mas imaginei que Chain... — Notou em meu olhar que eu não sabia quem era e me explicou: — O mago de Cinere. — Assenti. — Ele não deixaria as coisas tão fáceis assim para nós.
— Fáceis? Mais de vinte anos em cinzas, guerreiros morreram, fui afastada dos meus pais biológico que foram mortos e também dos que cuidaram de mim, além de Bravo... digo Iran... e eu quase termos morrido tentando voltar.
— Talvez você precise quase morrer mais algumas vezes até tudo realmente acabar... Ou morrer e voltar.
Encarei-a e engoli em seco. Ela dizia não saber de quase nada, mas eu sentia certeza em cada palavra que saía de sua boca.
Pensei no que eu faria por aquele povo e a resposta foi tudo. Eu morreria por eles se fosse preciso, faria qualquer coisa para salvar as pessoas daquele reino, que haviam me recebido tão bem e em poucos dias se tornaram minha família.
Como se lesse meus pensamentos Záia perguntou:
— O que está disposta a fazer para salvar seu povo?
— O que for preciso — respondi de imediato e sem titubear.
Ela assentiu com seu sorriso insinuante, me encarou como se tentasse notar alguma fagulha de que eu não estivesse sendo sincera, porém, não encontrou nada e balançou a cabeça em positivo.
— Pois bem, Flós exigirá muito de você, pode ser que tudo acabe em um piscar de olhos ou que haja uma guerra.
— Guerra?
— Sim e em uma guerra pode ser que ao seu lado lutarão pessoas que te amam e outras nem tanto ou algumas que passaram a te amar depois que te conheceram. Esteja preparada para a decepção. — Mais uma vez olhou para cima e novamente pensei ser para Iran, mas como não segui seu olhar, também podia ser para Valery. Franzi a testa em desentendimento aos seus olhares insinuadores, porém, inqueri querendo achar uma solução:
— Záia, você pode nos ajudar?
— Eu? Uma simples bruxa solitária?
— Soube que é muito poderosa e faço questão que seja você. — Notei uma pequena mágoa em sua pergunta e tentei agradá-la.
— Depende em que precisam da minha ajuda.
— Bom, estamos aqui para descobrir mais sobre a maldição, se você sabe algo que nos ajude a acabar com isso e que livre o povo de Flós desse martírio, nos diga. Estamos sob um ataque velado e não sabemos como contra-atacar.
Contei rapidamente sobre o vilarejo atingido pelas cinzas e sobre os uivos.
— Olha, pode parecer que sei mais do que vocês sabem, no entanto, sei muito pouco.
— Conte o que você sabe.
— Querida, uma maldição é como um vaso quebrado, ela pode apenas se rachar ao meio em dois pedaços e com isso ser fácil de colá-la ou pode ser como um vaso que se estilhaça em vários pedaços e assim dar mais trabalho para reconstrui-lo. Entendem?
— E você acredita que a de Flós seja qual tipo de maldição? A cheia de estilhaços?
Záia alisou a trança que caía pela lateral do seu corpo.
— Bom, eu, como todo Flós, pensava ser a primeira opção, com apenas uma ou duas condições, que era o retorno da rainha e a idade, mas considerando que em tão pouco tempo após a sua volta, um vilarejo já retornou ao que era... — Ela pensou por um instante e logo voltou a falar: — E considerando que foi Chain, o belzebu cego, que lançou a maldição, claro que ele não facilitaria e faria de um jeito que fosse difícil nos livrarmos do seu feitiço.
— E como saberemos todas as ramificações do feitiço e tudo que temos que fazer para quebrá-lo de vez? Será que tem alguém que presenciou o mago o desferir e se lembre?
Ergueu uma sobrancelha para mim.
— Mesmo que alguém tenha presenciado, não foi alguém de Flós, o que não o torna confiável e se fosse, após mais de vinte anos da maldição, faz com que seja impossível alguém se lembrar de tudo o que foi dito tanto tempo depois.
Respirei fundo e soltei o ar desanimada, enquanto tentava achar um jeito de ajudar meu povo. O homem magro de Trigo não saía dos meus pensamentos e meu coração estava apertado por não poder fazer nada, além de saber que enquanto eu estava ali segura e bem fisicamente, eles gemiam de fome.
— Como saber o que fazer? Tem algum jeito? — perguntei aflita.
— Conheço um. — Ela passou a mão na testa como se pensasse com mais atenção. — Seria como voltar no tempo, porém... é muito perigoso.
Arrumei-me no banco, sentando-me ereta e destinando a Záia toda a minha atenção. Ela mostrava uma opção e uma fagulha de esperança tomou conta de mim.
— E como seria?
A bruxa parecia indecisa se me contava ou não, ela sabia, pelo modo como reagi, que mesmo sendo perigoso eu tentaria o que fosse preciso para acabar com a maldição e salvar Flós.
Depois de um instante, por fim decidiu pelo sim e começou a falar:
— É um feitiço que anda pela linha da vida e da morte, em que uso o corpo de uma pessoa envolvida no feitiço e envio a alma dela para o momento em que ela quiser. Não temos mais o rei e a rainha que eram os envolvidos diretos, depois seriam seus pais, que geraram a salvadora e que também não estão mais aqui. Sobram o rei de Cinere morto e o mago que é o novo rei, que obviamente não é recomendável e... — Encarou-me deixando a fala no ar.
— Eu vou. Eu tenho ligação direta com a maldição.
— Não! — Iran exclamou imediatamente ao ouvir me oferecer.
— Eu vou — repeti com afinco.
Záia encarou Iran com uma sobrancelha arqueada, demostrando dúvida sempre que o olhava. Parecia analisá-lo a todo momento e desgostar da presença dele ali, em contrapartida Iran parecia desconcertado.
Estranhei o jeito de ambos, mas dispersei quando Záia voltou a me olhar e começou a explicar:
— Se você quiser mesmo voltar ao momento em que a maldição foi lançada, eu posso fazer o feitiço para isso, mas como eu disse, é perigoso, pode custar sua vida e com a sua morte a maldição não será quebrada nunca.
— É um risco que temos que correr — falei, sem o menor medo da morte. Depois que eu tinha experimentado a vida em Flós, percebi que o que fazia antes dali não era viver. — Já que se eu não fizer nada, o povo pode sofrer ainda mais.
— Outra pessoa não pode ir no lugar dela? — Iran perguntou.
— Você não — Záia respondeu com certa impaciência.
— Eu? — Valery perguntou.
— Ou eu? — Mica também se ofereceu e me orgulhei por ter pessoas tão corajosas a minha volta.
— Até podem, mas é mais provável que o feitiço funcione com mais precisão se for feito em uma pessoa diretamente envolvida com a maldição, no caso aqui, a Vida é a mais envolvida. A única de Flós, na verdade. Vida você é um milagre que aconteceu em nosso reino, considerando a genealogia.
Senti-me tímida e disse:
— Se é assim não tem outra opção e está decidido. Farei. Estou disposta a arriscar tudo o que for preciso para salvar Flós.
Záia assentiu.
— Tem também a questão da lua, daqui dois dias teremos o primeiro dia de lua cheia e será quando faremos o ritual, se tentarmos outra pessoa e não der certo, apenas será possível refazer na próxima lua cheia.
— Eu farei.
— Então será daqui dois dias.
— Dois dias? Apenas na lua cheia e não tem como anteciparmos? — perguntei pensando no povo de Trigo.
— Tem que ser na lua cheia. Essa fase da lua serve como um portal e a uso para diversos feitiços.
Respirei fundo.
— E como vai ser?
— Farei um elixir com ervas, que inclusive preciso de tempo para encontrá-las. O que torna muito propício a lua cheia ser em dois dias ou teríamos que esperar a próxima. Depois você o tomará e ele te levará para o momento em que a maldição foi lançada. Agora vem a parte perigosa. Para isso acontecer, você terá que estar com todos os sentidos em uma espécie de pane, o que acontece em um afogamento, por exemplo.
— Afogamento? — Mica perguntou preocupada e Iran bufou claramente irritado.
— Teriam outras formas, mas creio que o afogamento é o menos doloroso — a bruxa explicou.
— Se é o que temos que fazer, será o que faremos.
Záia assentiu com o seu sorriso faceiro, que eu estava começando a reconhecer como um sorriso orgulhoso, e continuou a explicar:
— Te colocarei debaixo da água do rio e você terá alguns minutos ou segundos para descobrir tudo que precisa antes de voltar para o seu corpo. Se sair rápido demais não conseguirá ouvir tudo e se demorar muito pode não voltar.
— Poucos minutos... — Pensei alto sobre o tempo que teria.
Sentia-me corajosa e ao mesmo tempo com muito medo, mas não queria deixar transparecer e sim tentava mostrar aos meus, que podiam confiar em mim e que eu seria capaz de fazer o que esperavam.
— Eu consigo, sempre fui muito observadora e tenho uma boa memória.
Záia sorriu.
— Isso é bom.
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